No segundo andar do Palácio do Planalto, um assessor da Presidência se exasperava na terça-feira, dia 21, com a possibilidade de Jair Bolsonaro se engajar na manifestação contra o Congresso e o Supremo convocada por militantes governistas para o próximo domingo, dia 26. Mal deixava o interlocutor concluir a frase e interrompia: “O governo está neutro, pode acreditar.” Nos corredores, militares rechaçavam a possibilidade de o ato se transformar em mais um ataque à classe política. Repetiam que a mobilização se concentraria em apoiar o governo e medidas como a reforma da Previdência.
Não era o que se lia no Twitter. Ao longo do final de semana, a base bolsonarista de raiz havia conseguido se reagrupar em torno da convocação para a manifestação – depois de ter sofrido uma derrota inédita nas mídias sociais no dia 15, durante os protestos da oposição contra os cortes de verbas para a Educação. A revanche bolsonarista fora tão bem-sucedida que, no sábado e no domingo, o sentimento positivo em relação a Bolsonaro cresceu substancialmente no Twitter, segundo o monitoramento da start-up Arquimedes. A família do presidente fez parte da campanha. Seu filho Eduardo entrou na corrente e divulgou mensagem de convocação para o dia 26. O pai parecia alinhado com os organizadores do ato e chegou a acenar com a possibilidade de ir às ruas. Mas desistiu – por pressão dos militares e dos assessores palacianos exasperados.
Essas idas e vindas do presidente são reflexo da contradição permanente entre o que ele vê nas mídias sociais polarizadas e o que escuta de seus auxiliares, sempre mais ponderados. Muitos recuos que Bolsonaro protagonizou desde a posse foram provocados pela reação de seus seguidores no Twitter. Quando percebe – ou é informado – que seu nome está “bombando” por causa de determinado assunto, o presidente costuma dobrar a aposta, mesmo que ela seja polêmica. Foi assim ao compartilhar um texto que dizia que o Brasil é ingovernável: diante do sucesso na rede, repetiu a dose atacando os políticos num discurso dias depois. O presidente não agiu impensadamente. Membros da equipe de estratégia de comunicação nas redes sociais, ao contrário dos conselhos repetidos por boa parte de seu staff para que ele se ativesse ao tom institucional, tinham apontado retorno positivo imediato entre simpatizantes de Bolsonaro.
Monitoramento diário feito pela Arquimedes sobre o humor no Twitter coincide com a avaliação feita no Planalto. A pesquisa mostra que o sentimento positivo em relação ao governo estava em queda na semana passada e mudou de rumo na sexta-feira, dia em que Bolsonaro compartilhou o texto contra os “conchavos políticos” que tornariam o país ingovernável. O índice de sentimento em relação ao governo, que vai de 0 a 100, baseia-se na análise da reação das redes sociais aos eventos políticos do dia. Compartilhamentos e curtidas de publicações consideradas negativas, neutras ou positivas para Bolsonaro são contados e comparados. Quando há mais manifestações negativas, o índice cai; se há mais positivas, sobe.
Bolsonaro tomou posse em 1º de janeiro com índice de sentimento de 49 pontos e vem experimentando uma montanha-russa no humor do Twitter desde então. Depois que ele mandou tirar do ar a propaganda do Banco do Brasil com atores que representavam a diversidade racial do país, o presidente experimentou um momento de baixa. Segundo a Arquimedes, o índice de sentimento caiu para 32 pontos em 26 de abril, dia seguinte à revelação do caso. Para recuperar-se, invariavelmente, Bolsonaro precisa energizar sua base com declarações que a agradem e mobilizem. Foi assim que, três dias depois do vale negativo causado pela polêmica sobre a propaganda do BB, Bolsonaro se recuperou e alcançou um pico positivo. Foi à feira Agrishow, em Ribeirão Preto (SP), voltou a defender uso de arma de fogo para proprietários rurais e reanimou suas redes – o índice subiu a 45.
Outro ponto baixo, índice de 35, foi na quinta-feira passada, dia seguinte às manifestações em todos os estados do país contra cortes na educação. Desde então, o humor mudou, e o índice de sentimento subiu a 44 no último domingo, justamente por causa da mobilização dos bolsonaristas em torno da manifestação marcada para o dia 26.
O presidente pode contar sempre com a fidelidade de seus simpatizantes radicais. Esses não mudam. O que faz mexer seu desempenho nas redes é o humor de eleitores menos convictos, que aprovam determinadas bandeiras de Bolsonaro, mas não incondicionalmente. A propaganda do Banco do Brasil, nesse sentido, desagradou aos eleitores mais liberais. Notícias que vinculam a família Bolsonaro a milícias ou a possíveis atos de corrupção e dados negativos da economia – desemprego em alta, por exemplo – deterioram o humor em relação ao governo no Twitter. Já iniciativas como a demissão de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral do governo ou a extradição do terrorista italiano Cesare Battisti animam simpatizantes de Bolsonaro.
A atitude errática de Bolsonaro, ora agressivo, ora conciliador, abalou a sua relação com o Congresso Nacional. Dirigentes partidários e líderes de bancadas dizem ter perdido a confiança na palavra do presidente. Trabalham por uma agenda própria do Legislativo e dão provas diárias de insatisfação com o governo. Acham irrelevante a manifestação convocada por apoiadores de Bolsonaro para o próximo domingo. Inicialmente tratado como ato de repulsa ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal, o protesto mudou de cor – ao menos na narrativa propagandeada pelo Palácio do Planalto – para ganhar ares de pauta positiva do governo, a favor de medidas como a reforma da Previdência. O presidente não só desistiu de comparecer como desaconselhou seus ministros de irem aos atos.
“Não tem ânimo [em relação a Bolsonaro], tem desânimo”, definiu Elmar Nascimento, líder do DEM na Câmara. “Ele é muito errático, nunca vi governo convocar manifestação. É a busca constante de um terceiro turno das eleições”, criticou. Como outros deputados alinhados ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), Nascimento defende que o Congresso exerça sua função de “poder moderador” quando o Executivo ameaça “levar o país para o abismo”. Para não serem chamados de irresponsáveis e reforçar os ataques à classe política tradicional, membros do Centrão – a confederação de partidos sem convicção ideológica clara e que detém a maior bancada da Câmara – planejam votar projetos importantes de interesse do governo. Afirmam que não deixarão as medidas provisórias na fila de votação caducarem – o que prejudicaria o Planalto, especialmente aquela que reduziu de 29 para 22 os ministérios. Mas o relacionamento com o Congresso continua tenso.
No lançamento da campanha publicitária sobre a Previdência, na segunda-feira, Bolsonaro tentou demonstrar empenho do governo na aprovação da reforma. Disse que valoriza o Parlamento e agradeceu nominalmente a Maia e ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM). Nenhum dos dois estava presente para retribuir.