O último dia de novembro de 2020 parecia tranquilo para o setor ambiental, caso considerasse somente a agenda oficial do ministro do Meio Ambiente do Brasil, Ricardo Salles, com visitas a lugares aprazíveis no Rio, como o Jardim Botânico. Mas, em São José dos Campos, no interior de São Paulo, o vice-presidente da República Hamilton Mourão e o ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, anunciavam a nova estimativa anual de desmatamento na Amazônia.
A taxa registrada entre agosto de 2019 e julho de 2020 cresceu 9,5% em relação ao que foi registrado no período anterior: foram 11.088 km² de florestas derrubados em um único ano, até a terra ficar nua. É uma área equivalente a quase duas vezes o Distrito Federal, onde Salles desembarcou ao final daquele dia. De acordo com os dados preliminares do Prodes (Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite), foi o terceiro ano consecutivo de subida na taxa de desmatamento, o maior número em 12 anos e o primeiro totalmente sob a administração de Bolsonaro.
O anúncio feito pela boca do vice-presidente poderia indicar que o assunto tomara vulto dentro do governo, a ponto de subir da Esplanada dos Ministérios para o Palácio do Planalto. Mas é a ausência de Salles, e não a presença de Mourão, que expõe como o governo federal vê a Amazônia e o desmatamento que a come pelas beiras.
Apesar de o órgão responsável pelo monitoramento por satélite, o Inpe, estar subordinado ao MCTI, a regra é o Ministério do Meio Ambiente assumir ônus, na maioria das vezes, e bônus, em poucas ocasiões, do anúncio anual. Assim aconteceu na divulgação da taxa de 1995, quando houve o recorde de derrubada, 29.059 km² num único ano, com o então ministro do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, Gustavo Krause. Idem para o segundo maior índice, de 2004: 27.772 km², com Marina Silva como ministra; e assim consecutivamente.
A cada taxa anual, o ministro da vez apresentava ações para controlar a devastação da maior floresta tropical do mundo. De pacotes com medidas pontuais a planos de longo prazo, o anúncio trazia o comprometimento sobre o que viria a seguir e enviava sinais em duas direções. Internamente, para quem desmata, de que a mão do Estado se avizinhava; para fora, que o país tinha condições de cuidar da Amazônia.
Em 2020, a ausência do ministro traz a carga simbólica da exiguidade: de planos, de recursos e de comprometimento. O vice-presidente se coloca como um porta-voz do tema, e repassa ao Ministério da Defesa a função da coibição dos ilícitos. Nem um único representante deste ministério estava no anúncio no Inpe, e nenhum detalhamento das operações foi dado, nem quais metas busca atingir.
Enquanto isso, os dois órgãos com mais experiência acumulada no combate ao desmatamento, o Ibama e o ICMBio, foram esvaziados de orçamento e funções nos dois últimos anos. Em 2019, o número de multas aplicadas pelo Ibama no bioma amazônico foi o segundo menor nos últimos 16 anos, mesmo com um crescimento da taxa do desmatamento em quase 30%.
De 2019 para 2020, a redução no orçamento das despesas discricionárias do Ibama foi de 112 milhões de reais (30,4%); do ICMBio, de 97 milhões de reais (32,7%). O orçamento proposto pelo Executivo para 2021, a ser votado no Congresso, prevê corte em cima de corte: uma redução de 29% no orçamento do Ibama e de 40,4% no do ICMBio.
Ao fim e ao cabo, é vazia a agenda do ministro que historicamente assume a responsabilidade sobre o avanço dos tratores sobre a Amazônia; é ausente de transparência as ações detalhadas para controlar o desmatamento; é carente o orçamento para aqueles que têm experiência em tratar do problema.
Em poucos dias, o Acordo de Paris, que estabelece metas globais de controle das emissões de gases do efeito estufa, completa 5 anos. A principal fonte brasileira é o desmatamento e as queimadas, e o ritmo observado nos últimos anos colocou a capacidade brasileira de cumprir o objetivo em xeque.
Pelo acordo, o país deve chegar em 2025 com emissões líquidas anuais de 1,3 bilhão de toneladas. Conforme dados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa, o Brasil emitiu 1,570 bilhão de toneladas de CO² equivalente em 2019.
O país tem cinco anos para inverter a curva de desmatamento e mantê-la. A taxa no próximo ano pode até oscilar para baixo. Mas, sem compromisso oficial, é difícil acreditar que há um plano consistente e de pelo menos médio prazo para controlar a destruição da floresta e cumprir a meta climática.