Estacionado junto à escadaria do Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, um carro da Polícia Militar em péssimas condições aguardava o início da cerimônia de posse do governador Wilson Witzel na manhã desta terça-feira. O protagonista da solenidade chegou às 8h45, com quinze minutos de atraso em relação ao horário previsto, a bordo de um Chrysler Town & Country preto. Novo, o automóvel foi alugado especialmente para a data, segundo a assessoria do governador – um contraste gritante com o veículo do 5º Batalhão de PM, que ostentava avarias nas portas, arranhões nas laterais e nos para-choques, além de bancos sujos e do painel com as saídas de ar quebradas. O carro em frangalhos parecia dar um recado a Witzel: de agora em diante, o ex-juiz federal e ex-fuzileiro naval terá de combater o sucateamento do poder público, após quinze anos de domínio do MDB no estado.
Filiado ao PSC, Witzel chegou à Alerj na companhia da mulher, Helena, e de três dos quatro filhos. Desceu do Chrysler acenando com as duas mãos para dezenas de simpatizantes, subiu as escadarias do palácio e, ao som das gaitas de foles do Corpo de Fuzileiros Navais, sentou-se à mesa do plenário entre o cardeal Orani João Tempesta, arcebispo da Arquidiocese do Rio, e o presidente da Assembleia, o petista André Siciliano. Também estavam na mesa o prefeito Marcelo Crivella, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e o presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, André Fontes. O clima solene não impediu que Witzel cumprimentasse alguns deputados de maneira nada ortodoxa: batendo continência militar, lançando o polegar para cima ou distribuindo coraçõezinhos com as mãos. A ausência mais marcante foi a do senador eleito Flávio Bolsonaro, principal cabo eleitoral do ex-juiz durante a campanha.
Nem uma gafe de Siciliano quebrou o entusiasmo de Witzel. O presidente da Alerj anunciou a “declaração de poste” do novo governador. Logo em seguida, ruborizado, corrigiu-se: “Declaração de posse.” A plateia riu discretamente. No discurso, Witzel chorou ao citar a mulher – “chama que ilumina os meus sonhos” – e sinalizou uma mudança de rumo em relação às gestões emedebistas. Enfatizou, por exemplo, o combate à corrupção, diante de um Legislativo sob suspeita de malversação do dinheiro público (10 dos 70 parlamentares estão presos, acusados de receberem “mensalinhos” do governo fluminense). “É chegada a hora de libertar o Rio da irresponsabilidade e da corrupção, que marcaram as últimas duas décadas da política estadual”, proclamou. O governador aproveitou para afagar a categoria de que fez parte até o início de 2018: “Quero parabenizar todos os juízes deste país. A Justiça é o pilar da moralidade e da decência.” Entre os presentes no plenário, estava o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal, responsável pelo julgamento das ações decorrentes da Operação Lava Jato no Rio.
Witzel, que já defendeu o abate de criminosos se estiverem portando fuzis nas ruas, prometeu endurecer as políticas de segurança pública um dia após o fim dos dez meses de intervenção militar no estado. “Vamos reorganizar as estruturas policiais para serem capazes de investigar e prender aqueles que comandam o crime organizado e fazem da lavagem de dinheiro a fonte que abastece o comércio de drogas e de armas. São narcoterroristas, e como terroristas serão tratados.”
Fora da Alerj, o vendedor de livros Edson Rosa protestava solitariamente. Vestido com a camisa da Seleção Brasileira, um dos símbolos dos apoiadores de Jair Bolsonaro, ele caminhava de um lado a outro da grade de proteção do Palácio Tiradentes. Carregava uma placa de rua com o nome da vereadora Marielle Franco, assassinada em março. Durante a campanha eleitoral, num palanque em Petrópolis, dois candidatos a deputado destruíram uma placa parecida sob o olhar complacente de Witzel. “É para ele não se esquecer desse caso”, explicou Rosa.
Depois da solenidade, o governador deu uma rápida entrevista coletiva e anunciou, sem entrar em detalhes, uma de suas primeiras medidas: o estado vai compartilhar o banco de dados de criminosos procurados com empresas que possuem sistemas de vigilância por câmeras, como supermercados e lojas, para facilitar a identificação e a captura deles pela polícia. Na entrevista, Witzel também enfatizou o “gigantesco” déficit no orçamento fluminense, hoje em torno dos 8 bilhões de reais, e prometeu equilibrar as contas públicas por meio do combate à sonegação fiscal e à redução de despesas.
Da Alerj, o governador seguiu para o Aeroporto do Galeão. Num avião da Força Aérea Brasileira e em companhia de Rodrigo Maia, viajou a Brasília com a intenção de prestigiar a posse do presidente Jair Bolsonaro, à tarde. Antes de tomar o rumo do aeroporto, fez questão de subir na soleira do Chrysler e posar sorridente para os fotógrafos e cinegrafistas que o rodeavam.