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    Luis Felipe Belmonte, vice-presidente da Aliança pelo Brasil, e Jair Bolsonaro - Foto: intervenção de Camille Lichotti sobre reprodução/Facebook

open lux

Organizador de novo partido de Bolsonaro não declara empresa em Luxemburgo

Ativos de 110 mil também não foram informados ao TSE; Luis Felipe Belmonte, primeiro-suplente no Senado, disse que não informou valores porque não realizou movimentação financeira

Luiz Fernando Toledo | 09 fev 2021_15h41
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Esta reportagem integra o projeto Open Lux, do Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), consórcio internacional de jornalismo investigativo. O jornal francês Le Monde obteve acesso ao banco de dados oficiais do governo de Luxemburgo com documentos sobre empresas registradas naquele país, conhecido paraíso fiscal, além dos nomes de quem se declarou beneficiário delas. O OCCRP organizou o material, analisado de modo colaborativo por jornalistas de dezessete veículos. A piauí é o único veículo brasileiro. 

 

O empresário Luis Felipe Belmonte, vice-presidente da Aliança pelo Brasil, grupo político que tenta se tornar um partido para abrigar o presidente Jair Bolsonaro, é beneficiário em Luxemburgo de uma empresa que ele admite não ter declarado às autoridades brasileiras. A informação foi obtida pelo Organized Crime and Corruption and Reporting Project (OCCRP), consórcio internacional de jornalistas investigativos que teve acesso a dados oficiais do governo de Luxemburgo. O país é um conhecido paraíso fiscal. Pelo menos 358 brasileiros ou residentes no Brasil constam como beneficiários fiscais de 448 empresas no país. A investigação é parte do projeto Open Lux. 

Belmonte, primeiro-suplente do senador Izalci Lucas (PSDB-DF), é o beneficiário final da Copalli Investments S.à r.l., holding financeira criada em 2013. A Copalli declarou ao governo de Luxemburgo, em seu balanço anual, enviado em setembro de 2020, um total de 17.044,92 euros em ativos (cerca de 110,9 mil reais). Os registros públicos não permitem saber, no entanto, sobre as movimentações financeiras da companhia. O beneficiário final é, segundo o próprio registro de empresas de Luxemburgo, a pessoa que controla, de fato, o empreendimento, com no mínimo 25% das ações. 

Possuir bens e direitos no exterior não é ilegal, desde que isto esteja devidamente declarado no imposto de renda, afirma a Receita Federal. Se houver mais de 1 milhão de dólares de patrimônio, deve-se ainda informar o Banco Central. “Residentes no Brasil devem informar anualmente à Receita Federal os bens e direitos que detenham no exterior, com exceções para aqueles de pequeno valor, como bens móveis abaixo de 5 mil reais, saldos de contas correntes e aplicações financeiras abaixo de 140 reais e ações e quotas de uma empresa, negociadas ou não em bolsa de valores, de até 1 mil reais”, explica o professor de direito tributário da FGV Flavio Rubinstein.

Procurado por e-mail em 19 de janeiro, Belmonte inicialmente negou relação com a empresa. “Não declaro à Receita Federal nada com relação à Copalli, pelo simples fato de que não integro o quadro social, como quotista ou acionário daquela empresa, não tendo qualquer titularidade com relação à mesma. Declaro ainda, com toda segurança, nunca ter sido beneficiário de nenhum centavo da referida empresa, o que pode ser facilmente constatado junto às autoridades de Luxemburgo, não havendo nenhum registro ou existência de qualquer movimentação financeira da aludida empresa em meu favor.” 

A empresa foi constituída em 10 de outubro de 2013 – e de fato, o nome de Belmonte não consta nos documentos de registro. A partir de março de 2019, sob pressão internacional, o governo de Luxemburgo foi obrigado a divulgar os nomes dos chamados beneficiários finais das empresas lá registradas – foi a partir dessa mudança que piauí e OCCRP identificaram mais de 300 brasileiros ou residentes no Brasil com empresas no país europeu. Belmonte aparece como beneficiário final único da Copalli, conforme registro oficial consultado pelo OCCRP. 

(Imagem extraída no dia 2 de fevereiro de 2021 no Registro de Beneficiários Efetivos – RBE, do Luxembourg Business Registers, o site oficial das empresas naquele país – https://www.lbr.lu/mjrcs-rbe )

 

Procurado novamente no dia seguinte e confrontado com os documentos oficiais de Luxemburgo que o apontam como beneficiário final, Belmonte  declarou que “não houve movimentação alguma” da empresa e que “não foi destinatário de nenhum benefício”. Admitiu, no entanto, que “havia a previsão de usar isso (a empresa) para futuro planejamento sucessório para seus filhos, mas isso não foi feito”, e que houve um ajuste “com o objetivo de se ter uma empresa, integrada por pessoas de Luxemburgo em seu quadro social (sem a participação de Luis Felipe Belmonte em dito quadro), que fica disponibilizada para agir, investir ou realizar operações em benefício de Luis Felipe Belmonte, quando e se demandada, o que até a presente data não ocorreu, por razões diversas.” 

Belmonte afirmou ainda que, após o contato do OCCRP, pediu ao governo de Luxemburgo uma declaração dizendo que a empresa não possui movimentações nem conta bancária. Os valores que estão na declaração anual seriam apenas para pagar taxas anuais para manutenção da estrutura colocada à sua disposição, “para utilização quando e se lhe for conveniente”.

Outros elementos ligam a empresa a Belmonte. A Copalli Investments, de Luxemburgo, é dona de uma empresa no Brasil chamada Copalli Investimentos e Participações Ltda, com capital social de 1 milhão de reais, constituída em abril de 2015, que apontou também como sócio Eduardo Bichir Cassis – advogado que já defendeu Belmonte em processos. Segundo documentos da Junta Comercial de São Paulo, a Copalli Investments detém participação de 999.999 reais e Cassis, de 1 real. Na consulta ao CNPJ da empresa, no site da Receita, Cassis aparece como sócio administrador. 

Belmonte, eleito suplente do senador Izalci Lucas (PSDB-DF) em 2018, também não fez nenhuma menção sobre a empresa ou seus ativos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quando candidato. Em 2018, Belmonte declarou, segundo os dados oficiais do TSE, patrimônio de 65,7 milhões de reais, incluindo algumas contas em bancos no exterior, mas sem citar a empresa de Luxemburgo.

O OCCRP consultou advogados, professores de direito e um procurador de justiça, que disseram que a não declaração de ativos pode configurar multa e até crime. “Se o candidato não declarar que é beneficiário da empresa, com o devido capital social, não está cumprindo a lei eleitoral e pode responder pelo artigo 350 do Código Eleitoral (Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais). O Ministério Público pode investigar e oferecer denúncia”, afirmou o advogado eleitoral Alberto Rollo. O artigo citado por ele diz que a punição, em tais casos, pode chegar a multa e prisão por até cinco anos.

“Patrimônio integra a pessoa, seja essa física ou jurídica. Ambas são detentoras, cada qual na sua forma, de direitos e obrigações. A Justiça Eleitoral não se limita a exigir declaração de bens e valores, mas sim, de patrimônio. Se o candidato deve declarar seu patrimônio, esse é composto por ambas formas, seja quanto à pessoa física, seja quanto à jurídica. Se o candidato é o titular ou sócio dessa empresa, também o é de seu patrimônio, no que inclui seus ativos. Essa omissão pode gerar investigação quanto à forma de composição desse patrimônio e sua remessa para o exterior”, diz o procurador de Justiça de São Paulo Marco Antonio Lima.

O empresário e advogado Belmonte foi eleito suplente de senador em 2018 e, naquele ano, foi um dos que mais doaram dinheiro para campanhas eleitorais de outros políticos: pouco mais de 3,9 milhões de reais, que foram distribuídos a 34 candidatos dos mais diversos partidos políticos. O maior beneficiário foi o próprio Izalci, do qual ele é suplente, com 1,4 milhão de reais. 

Belmonte passou a ficar mais conhecido por outra outra ação na política, como um dos principais articuladores da Aliança pelo Brasil, grupo político encabeçado pelo presidente Jair Bolsonaro e um de seus filhos, Flavio, que pretende ser um partido político para abrigar o presidente. Só não saiu do papel ainda porque seus integrantes não conseguiram coletar o número necessário de assinaturas para apresentar ao Tribunal Superior Eleitoral e obter o registro como partido político.

Apesar de ser grande doador de campanhas e possuir patrimônio milionário, Belmonte tem, segundo a Receita Federal, dívidas de 7 milhões de reais em imposto de renda (pessoa física e jurídica) diante da União. São dívidas consideradas irregulares – isso significa, segundo a Receita Federal, que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) busca ativos de Belmonte para saldar o passivo. Os recursos podem vir de empresas e contas no exterior, se necessário. Dados obtidos pelo OCCRP por meio da LAI também apontam que o governo move ações judiciais contra Belmonte para receber o dinheiro dessas dívidas ao menos desde 2018.

Belmonte também foi alvo de investigação pela Polícia Federal, em uma apuração de suposta ocorrência de crimes financeiros, como lavagem de dinheiro, conforme noticiaram o jornal O Estado de S. Paulo e o site da CNN Brasil. A investigação acontece dentro de um inquérito que está sob sigilo no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele negou qualquer tipo de irregularidade em depoimento à polícia.

Um mês depois de a companhia de Luxemburgo ter sido criada, Belmonte e uma de suas empresas, a Alvoran Investimento, Participação e Administração Ltda, foram condenados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia vinculada ao Ministério da Economia que fiscaliza atuação de empresas, por irregularidades e prejuízos causados ao patrimônio de uma outra empresa entre 2003 e 2004. A Alvoran foi punida com multa de 500 mil reais e Belmonte, com inabilitação temporária para exercer o cargo de administrador ou conselheiro fiscal de companhia aberta por cinco anos. Procurado por meio de seu escritório, ele não comentou esta sanção até o fechamento da reportagem.

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