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    Jorge Picciani, presidente da ALERJ, chega à sede da Polícia Federal para prestar depoimento FOTO: TÂNIA RÊGO/AGÊNCIA BRASIL

questões da política

Os bons companheiros

Tidos como intocáveis, os alvos da operação Quinto do Ouro não eram apenas pilares políticos do esquema de corrupção que quebrou o Rio. Eram sócios.

Malu Gaspar | 29 mar 2017_18h31
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Desde que o ex-governador Sérgio Cabral foi preso, em novembro do ano passado, esperava-se por uma operação como a que foi desencadeada hoje pela Polícia Federal, no Rio de Janeiro.

Ao prender quase todos os membros do Tribunal de Contas do Estado (só restaram um delator e uma conselheira livres) e determinar a condução coercitiva do presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani, a PF e o Ministério Público Federal avançaram no desmonte da casta política que domina o estado há mais de uma década. Durante todo esse tempo, o tribunal e o legislativo foram pilares importantes de sustentação de Cabral e de seu sucessor, Luiz Fernando Pezão.

O fato é que, embora tivesse o dever de fiscalizar os gastos do governo, o TCE nunca impôs obstáculo aos dispêndios bilionários feitos pelo poder executivo em obras suspeitas, tampouco questionou a escolha de fornecedores em licitações obscenas, nem se mostrou capaz de conter a irresponsabilidade fiscal que afundou as contas do estado. A Alerj, por sua vez, nunca deixou de aprovar qualquer coisa que Sérgio Cabral quisesse – era esse, para o ex-governador, o grande valor de Picciani. Na verdade, o que a operação deixa claro é que, para o MP e para a PF, mais do que pilares políticos, os personagens-alvo de hoje transformaram as instituições de que participavam em sócias dos grandes esquemas de corrupção no Rio. Ajudaram, portanto, a quebrar o estado.

Quem conhece os detalhes das transações feitas no governo estadual com o aval do TCE aposta que virão à tona revelações sobre reuniões secretas, de que participavam integrantes do tribunal, realizadas com o objetivo de liberar recursos para fornecedores afetados pela crise financeira do estado. Deve ficar mais claro, também, como a poderosa federação das empresas de ônibus exerce influência sobre o mundo político do Rio. E certamente emergirão detalhes de como Picciani exerceu sua influência sobre a corte de contas, para a qual nomeou dois dos conselheiros presos hoje.

Logo pela manhã, assim que a PF espalhou seus homens pelo Rio, os deputados já corriam para reuniões de avaliação das consequências da “Quinto do Ouro”, como foi chamada a operação. A inquietação devia-se menos às revelações que virão – temidas por muitos – do que ao fato de que, até hoje, acreditava-se que personagens como Jorge Picciani eram intocáveis. Apesar dos depoimentos de delatores em que se acusava o peemedebista de ter recebido dinheiro de caixa 2 da Odebrecht, ou de ter vendido gado superfaturado à Carioca Engenharia, nenhuma medida havia sido tomada até agora contra o clã Picciani e suas empresas. Houve quem acreditasse que isso se devia ao seu poder político. Diante da inépcia do aliado Pezão, o presidente da Assembleia havia se convertido no principal interlocutor do estado com o governo federal. E sempre exerceu uma liderança inquestionável sobre os deputados fluminenses. Muitos ainda apostam que, passado o susto da operação, ele poderá voltar à cadeira de presidente da Alerj, comportando-se como se nada tivesse acontecido.

Os conselheiros do TCE, embora ressabiados, não acreditavam que pudessem chegar a ser detidos. Mesmo o governador Luiz Fernando Pezão, até agora poupado de maiores constrangimentos, terá de se explicar a respeito da condução coercitiva de um subsecretário seu, que de resto é marido de sua sobrinha.

Em meio a uma crise política e econômica sem precedentes, é natural temer que fatos como os de hoje empurrem o Rio para o caos e o desgoverno. Dado o tamanho dos esquemas de que participaram as figuras que estão no alvo das investigações, porém, há motivos para esperar justamente o contrário: que a saída de cena dessas pessoas abra espaço para uma negociação mais efetiva das dívidas do estado, que privilegie o interesse público e que não proteja quem provocou a ruína do Rio de Janeiro.

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