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Os cabelos do bigode do Imperador

A correspondência amorosa mais famosa do Brasil talvez seja aquela formada pelas cartas trocadas de 1822 a 1829 entre o Imperador D. Pedro I e sua amante, Domitilia de Castro Canto e Mello, elevada por ele ao titulo de Marquesa de Santos em 1826. Infelizmente, das prováveis centenas de cartas escritas pela Marquesa apenas um punhado foi conservado nos arquivos imperiais. Por sorte, quase todas as cartas do Imperador foram guardadas pela Marquesa, apesar dos pedidos de D. Pedro para que as destruísse. Todas estão hoje publicadas (94 das quais no ano passado), totalizando mais de trezentas.

| 05 jul 2011_15h51
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A correspondência amorosa mais famosa do Brasil talvez seja aquela formada pelas cartas trocadas de 1822 a 1829 entre o Imperador D. Pedro I e sua amante, Domitilia de Castro Canto e Mello, elevada por ele ao título de Marquesa de Santos em 1826. Infelizmente, das prováveis centenas de cartas escritas pela Marquesa, apenas um punhado foi conservado nos arquivos imperiais. Por sorte, quase todas as cartas do Imperador foram guardadas pela Marquesa, apesar dos pedidos de D. Pedro para que as destruísse. Todas estão hoje publicadas (94 apenas no ano passado), totalizando mais de trezentas.

O começo da correspondência se perdeu quase por inteiro, mas as cartas dos anos seguintes que sobreviveram revelam uma relação ao mesmo tempo apaixonada e quase burguesa entre os dois amantes. As cartas parecem, muitas vezes, se encadear como etapas de uma conversa doméstica contínua sobre assuntos muitas vezes prosaicos, que seriam hoje tratados ao telefone. D. Pedro chamava Domitilia de “filha” e assinava a maior parte das vezes como “Imperador” ou “Pedro”, mas em cartas mais apaixonadas também como “teu fogo”, “teu fogo foguinho” ou mesmo “o demônio” ou “o demonão”.

A carta aqui reproduzida é mais comportada e parece indicar que uma pequena parte da correspondência adotava um tom mais formal ao tratar de assuntos oficiais com a Marquesa – dama da Corte ? e que, na grande maioria das outras cartas D. Pedro, se permitia um tom mais íntimo. Após cinco anos de convívio, a Marquesa lhe dera cinco filhos (dos quais sobreviveram duas meninas) e a verdadeira relação marital ? tal como a entendemos hoje ? do Imperador, dava-se mais com a Marquesa que com a Imperatriz D. Leopoldina, sua esposa legítima.

Esta carta ? escrita um ano após a morte da Imperatriz ? se insere nos poucos anos tranquilos durante os quais a Marquesa reinou (quase) sozinha no coração de D. Pedro, agora viúvo, e que só se casaria com D. Amélia, sua segunda mulher, um ano mais tarde.

“Minha querida filha e amiga do coração. Ainda agora te respondi como Imperador, agora te escrevo como teu filho, amigo e amante a mostrar-te o quanto estou saudoso de ti, pois me lembro do ano passado em que tive a ventura de estar contigo.

Minha filha, já que não posso arrancar meu coração para te mandar, recebe esses dois cabelos do meu bigode que arranquei agora mesmo para te mandar.

Eu estou hoje num estado de tristeza e melancolia, com saudades tuas além de toda a expressão.

Adeus minha filha, aceita o coração dilacerado de saudades tuas que te oferece Este teu desgraçado filho, amigo, amante, fiel, constante, desvelado, agradecido, e verdadeiro

12 de outubro de 1827

o Imperador”.

Consta que numa gaveta reservada da Biblioteca Nacional há outra carta para a Marquesa à qual o Imperador agregou também cabelos arrancados de uma parte íntima de seu corpo, hoje guardados a sete chaves por bibliotecárias zelosas.

O manuscrito aqui reproduzida faz parte de um conjunto de 36 cartas originais de D. Pedro à Marquesa de Santos, encadernadas juntas em um belo volume brasonado e compradas na Europa de um descendente da Marquesa por um embaixador brasileiro na década de 1930.  O volume foi encontrado há alguns anos escondido na gaveta de lingerie de uma senhora de 93 anos recém-falecida, e com isso pode-se reconstituir sua trajetória recente.

O livro encadernado com as cartas fora comprado da viúva do embaixador em 1958 por Ademar de Barros, então Governador de São Paulo, que as desejava presentear à sua amante, Ana Gimol Capriglione, pois Ademar achava sua história de amor semelhante a da célebre paixão imperial. Ana conservou preciosamente o volume por quase cinquenta anos, sem mostrá-lo a ninguém, e seus herdeiros o venderam a seu atual detentor.

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