Uma jovem é sequestrada no coração de Belém do Pará e vendida para ser escrazidada em boates e casas de prostituição em Caiena. Um imigrante de Angola se estabelece em Curralinho, no Marajó, onde abre uma pequena mercearia, que acaba sendo invadida por ratos d’água (ladrões que furtam produtos das embarcações, conhecidos como os piratas da Amazônia). Em seguida, ele entra em uma busca desesperada por vingança pela morte de sua esposa. Entre os assaltantes, está um menino que em breve tomará a liderança do grupo.
Essa é a trama do livro Pssica, um romance noir escrito pelo autor Edyr Augusto, que a Netflix adaptou como série. O repórter da piauí João Batista Jr. conversou com ontem (10) com o escritor, com Elisabetta Zenatti, vice-presidente de conteúdo da Netflix, e com Andrea Barata Ribeiro, sócia e produtora executiva da O2 Filmes, durante a programação da Casa de Histórias, na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). A Casa de Histórias está em sua primeira edição e é promovida pela piauí em parceria com a Netflix, a Janela Livraria e a editora Mapa Lab.
O termo “pssica” é usado como uma maldição entre as pessoas com quem o escritor Edyr Augusto conviveu durante toda a vida na capital do Pará. “Belém é o meu cenário favorito”, diz Augusto. “O Marajó é um mundo por si só. É ao mesmo tempo o céu e o inferno.” O livro Pssica se passa nas ruas da cidade, transmite seus cheiros e costumes. Em 2015, o cineasta Fernando Meirelles leu a história. Quando foi a Belém para dirigir uma ópera, Meirelles convidou Augusto para um encontro e falou da ideia de adaptar a trama para o cinema. “Mas a história era tão forte, e o roteiro também, que merecia virar série”, disse Elisabetta Zenatti.
O trabalho de adaptação começou em 2016, e as gravações terminaram apenas recentemente. As filmagens foram feitas no Pará, com atores locais. Parte da estratégia da Netflix no Brasil, segundo Zenatti, é tentar descobrir obras literárias com bom potencial para se tornarem séries e filmes.
Hoje (11) pela manhã, o repórter da piauí Tiago Coelho conversou com o diretor Luis Lomenha sobre outra produção a ser lançada pela Netflix, Os Quatro da Candelária. A minissérie ficcional estreia em 30 de outubro acompanha as 36 horas que antecedem um dos eventos mais trágicos da história do Brasil pelo ponto de vista de quatro crianças.
Na madrugada de 23 de julho de 1993, dois policiais militares e dois ex-PMs abriram fogo contra crianças e adolescentes que viviam nas ruas do Centro e da Zona Sul do Rio de Janeiro. Oito jovens, entre 11 e 19 anos, foram mortos a tiros — dois no Aterro do Flamengo e outros seis na calçada da Igreja da Candelária. Alguns sobreviventes da chacina colaboraram com o desenvolvimento da série da Netflix.
Frequentemente, disse Tiago Coelho, o audiovisual retrata meninos negros de periferia pelo viés da violência. O diretor Lomenha se empenhou para fazer o oposto na série sobre as vítimas da chacina. “Eu quero que o espectador crie empatia com a fantasia e os desejos dessas crianças”, disse o diretor. “É importante pensarmos que, se os seus desejos não fossem interrompidos, eles poderiam ter sido muito prósperos para o futuro do país.”
A área ao redor da Candelária servia como abrigo para aproximadamente 70 crianças e adolescentes que escaparam de situações de abusos, violência doméstica e problemas familiares. Essa condição dificultou a identificação das vítimas, uma vez que muitos não possuíam documentos. Até hoje, uma das oito vítimas permanece sem identificação, registrada apenas pelo apelido “Gambazinho”, que usava nas ruas. Ele tinha 17 anos. As outras vítimas foram Marco Antônio, Paulo Roberto de Oliveira, de 11 anos, Anderson de Oliveira Pereira, de 13, Marcelo Cândido de Jesus, de 14, Valdevino Miguel de Almeida, também de 14, Leandro Santos da Conceição, de 17, e Paulo José da Silva, de 18 anos.
Lomenha falou sobre as reflexões éticas que enfrentou ao adaptar essa história brutal para uma produção ficcional. “Primeiro, nós decidimos que era fundamental respeitar os corpos desses garotos. E também a sua lógica de família, que foge da concepção tradicional, mas existe. Esses meninos se respeitavam.” Além disso, o diretor falou sobre a decisão de devolver a infância às vítimas da chacina. “Eu quero que o espectador veja os sonhos que aquelas crianças tinham e pense: como permitimos que isso acontecesse?”
Três policiais envolvidos na chacina — Marco Aurélio Alcântara, Nelson Oliveira dos Santos Cunha e Marcus Vinícius Emmanuel Borges — foram condenados a 204, 45 e 300 anos de prisão. Hoje, os três estão em liberdade.
Confira aqui a programação da Casa de Histórias da Flip.