Bom ator e excelente interpretação são atributos de George Clooney em Os descendentes. Ao mesmo tempo, a participação dele no filme causa certa estranheza, apesar de não chegar a ser um caso notório de miscasting – inadequação para o papel, em tradução livre – como os da carreira recente de Leonardo DiCaprio.
Em filmes que pretendem ser verossímeis, comprometidos em dar impressão de realismo, DiCaprio é aceitável no papel de J. Edgar Hoover ou de Howard Hughes? A ironia é, por um lado, ser graças à sua participação que J.Edgar e O Aviador puderam ser produzidos com orçamentos de 35 milhões e 110 milhões de dólares, respectivamente. E de outro, apesar de DiCaprio estar à frente do elenco, nenhum dos dois terem sido grandes sucessos comerciais, com rendas de cerca de 80 milhões (até o momento), o filme dirigido por Clint Eastwood, e 213 milhões de dólares, o de Martin Scorsese.
A equação de Os descendentes é diferente. Produzido por menos de 20 milhões de dólares (segundo os dados disponíveis), rendeu até o momento mais de 156 milhões, sendo um dos maiores sucessos comerciais dos últimos meses. Outro caso é o de O artista, em que orçamento de produção baixo permitiu resultado altamente lucrativo diante da boa acolhida do público.
Como acontece com DiCaprio, a participação de George Clooney no papel principal foi fator importante na equação que viabilizou os recursos necessários para produzir Os descendentes. E não há nada na sua aparência, tipo físico ou personalidade que o torne inadequado para o papel de Matt King, advogado e inventariante de uma família proprietária de 100 quilometros quadrados de terra virgem, à beira mar, em Kauai, no arquipélago do Havaí.
Apesar disso, o conflito entre a busca de autenticidade do co-roteirista e diretor, Alexander Payne, e a aura de estrela hollywoodiana da qual Clooney não tem como se livrar, causa incômodo. Não só Os descendentes foi filmado em locação no arquipélago do Havaí e na capital, Honolulu, mas o brilhante elenco secundário e os coadjuvantes dão ao filme grau de autenticidade e humor contrastantes com a permanente sensação de estarmos diante de uma celebridade e não do personagem.
É verdade que as grandes estrelas do cinema americano, homens e mulheres, sempre foram mais elas mesmas do que seus personagens. A diferença é que, de maneira geral, atuavam em filmes feitos em estúdio, artificiais por definição, evitando dessa maneira o choque entre autenticidade e star system. Ao tentar conciliar precisão e estrelismo, Alexander Payne procura o melhor dos mundos – harmonizar o que se opõe –, uma missão difícil.
Segundo Payne, ele “queria ter certeza que [o filme] teria um certo grau de precisão. Eu fazia perguntas o tempo todo, sempre de olhos e ouvidos abertos, eu diria como um documentarista, para que o que está por trás da história soe verdadeiro. Mesmo em frente da história, a escolha do elenco, aqueles primos de uma daquelas famílias pretensiosas, parte do elenco é dessas famílias pretensiosas. São pessoas que realmente parecem daquele jeito.”
Payne admira estrelas em que identifica “uma pessoa verdadeira por inteiro, um humano que ri e chora e sofre e goza a si mesmo e é engraçado. Minha estrela do cinema favorita de todos os tempos é Marcello Mastroianni.” Clooney, para ele, se aproximaria dessa definição, e a presença dele em Os descendentes, de fato, não afetou a receptividade do espectdor, muito pelo contrário.
Ainda assim, Clooney provoca certa estranheza, somada ao incômodo suplementar, e mais grave, de Os descendentes – a reviravolta final do roteiro, baseada na noção cristã de que o sofrimento redime. A decisão, politicamente correta, tomada por Matt King de preservar a terra virgem, desistindo, para desespero de seus primos, da venda para um projeto imobiliário, transforma Os descendentes em um conto da carochinha.