Na piauí deste mês, a jornalista e escritora argentina Leila Guerriero conta, de Buenos Aires, o cotidiano de seu país e da política nos dias finais da eleição que levou à Presidência o candidato de extrema direita Javier Milei.
Em meio à corrida eleitoral, os argentinos enfrentavam (e ainda enfrentam) uma inflação desenfreada, que não deixa de ter seus paradoxos, como observa a jornalista: “Saio para dar uma volta e observo, como esperava, que os bares estão lotados. Há restaurantes que não têm reservas até o início de 2024. O fenômeno parece inexplicável num país em crise, mas dizem que isso acontece porque o peso não vale nada, e as pessoas preferem gastar o dinheiro em experiências imediatas, em vez de guardá-lo e deixar que se desvalorize.”
Os disparates se acumulam durante a campanha. Numa entrevista de rádio, Milei desaconselha os argentinos a economizar em pesos: “Nunca em pesos. O peso é a moeda emitida pelo político argentino, portanto não pode valer nem excremento.” Um jornal diz que a deputada Diana Mondino, alinhada a Milei (e agora nova ministra das Relações Exteriores), comparou o casamento homoafetivo a ter piolhos.
Guerriero arrisca uma interpretação psicológica para as atitudes dos candidatos em disputa no segundo turno. “O pai de Mauricio Macri, Franco Macri, um poderoso empresário do setor automobilístico e da construção, o chamava de ‘inútil’. O pai de Javier Milei, Norberto, o espancava sem dó. Dois traumatizados pelo pai se unem para se vingar do pai que, nesse caso, seria o peronismo. A psicologia de botequim é uma arte argentina. Às vezes, eu a pratico.” Segundo ela, só há algo mais forte do que o peronismo na Argentina: o antiperonismo.
A jornalista se pergunta quem são os eleitores de Milei, um candidato que se propõe dolarizar a economia, fechar o Banco Central, privatizar a saúde e a educação, desregular o mercado de armas e até permitir a venda de órgãos.
Alguns dizem que votam nele porque propõe “coisas que nunca foram tentadas”. Guerriero escreve: “Em princípio, muitas das ideias de Milei não são ‘coisas que nunca foram tentadas’, e sim ‘coisas que já foram tentadas e deram errado’, como a privatização das estatais. As coisas que não foram tentadas, como o comércio de órgãos e de crianças, não parecem ser os motivos principais que levam seus simpatizantes a votar nele (de fato, os eleitores de Milei parecem ter certeza de que ele não vai fazer isso). As coisas que não foram tentadas na Argentina, mas sim em outros países, como liberação da venda de armas, não parecem funcionar bem, como nos Estados Unidos, onde o número de mortes violentas com armas de fogo é dezoito vezes maior que a taxa média de outros países desenvolvidos.”
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