Fui ao Rio no meio da semana passada, para o nascimento de minha neta. Numa das idas à maternidade, entrei no táxi e, antes mesmo de saber aonde eu ia, o taxista perguntou qual era o meu time. Titubeei: o homem babava. Já que metade da cidade torce pelo Flamengo e a outra metade torce contra, tinha 50% de chances de sobreviver àquela corrida maluca e mandei: sou flamenguista. Apesar dos olhos injetados do meu condutor, respirei aliviado quando soube que ele era rubro-negro e descobri a razão do destempero. Ligadíssimono programa , da Rádio Globo, o homem ouvia uma entrevista em que o advogado do Fluminense, Mário Bittencourt, desfilava uma penca de razões para legitimar a permanência do time do Dr. Celso na primeira divisão. Concordei com todas as opiniões do taxista, deixei 20% a mais do valor do curto trajeto, me despedi com sinceras saudações rubro-negras e entrei rápido na Perinatal, abrigo seguro.
Mas aquela situação me fez refletir sobre o quanto esse embrulho está sendo tratado de forma passional e maniqueísta. E a história tem dois lados, com razões pra lá e pra cá.
Lado um. Suspensões precisam ser cumpridas. Na primeira partida das quartas de final da Copa do Brasil, contra o Botafogo, o apoiador rubro-negro Elias estava suspenso, fez muita falta ao time e o jogo terminou um a um. Na segunda partida o lateral alvinegro Edílson estava suspenso, e foi em cima do reserva Gilberto que Paulinho fez a festa e o Flamengo ganhou o jogo. Pois bem: se o Botafogo escalasse Edílson no peito e na raça, ganhasse a partida e o Flamengo entrasse com recurso, alguém poderia reclamar da tentativa de reverter no tribunal um resultado obtido em campo? Por mais que a gente questione e condene certos exageros do futebol-negócio e das decisões no tapetão, há que se admitir que a brincadeira tem regras. E quem não sabe brincar não desce pro play.
Mais uma do lado um. Quem é do Rio e vem morar em São Paulo, que nem eu, percebe rapidamente o jeito com que a Portuguesa de Desportos é tratada. Coitada da Lusinha. Tudo acontece com a Lusinha. Todos querem prejudicar a Lusinha. Mas não sei se é bem assim. Perguntem aos antigos torcedores do Santos o que eles acham da atitude da Lusinha na decisão do Campeonato Paulista de 73. Refrescando: na partida final, tempo normal empatado, prorrogação empatada, decisão por pênaltis. Nas três primeiras cobranças, o Santos aproveitou duas e a Portuguesa nenhuma. E justamente quando a Lusinha perdeu seu terceiro pênalti, o juiz Armando Marques errou na conta e encerrou a disputa com a vitória do Santos. Em sã consciência, alguém acha que o Santos perderia os dois pênaltis restantes e a Portuguesa converteria os dois? Com a confusão armada, e antes que Armando Marques se tocasse e quisesse continuar a disputa, os dirigentes da Portuguesa trataram de enfiar seus jogadores no ônibus – nem banho tomaram – e os mandaram embora do Morumbi. Sem outra data disponível e sem alternativa, o título foi dividido entre os dois clubes. Nessas histórias de futebol não costuma haver puros nem coitadinhos.
Lado dois. Sempre que há uma briga como a que ocorreu entre as torcidas do Atlético Paranaense e do Vasco, uma frase invade as transmissões esportivas: isso é apenas um jogo de futebol. Sim. Há um monte de interesses envolvidos, dinheiro entrando a rodo nos bolsos dos espertos, pancadaria saindo farta dos punhos e pés dos imbecis, mas é apenas um jogo. E como é apenas um jogo, a questão das regras precisa ser relativizada. Na sexta-feira Juca Kfouri publicou em seu blog, no UOL, uma bela frase do jurista uruguaio Eduardo Juan Couture: “Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça.”
O fato da Portuguesa não ter mais chance de ser rebaixada me parece o centro da questão, o argumento decisivo. Não há intenção de se beneficiar, não há chance de prejudicar quem quer que seja, Héverton só entrou quando faltavam doze minutos para o jogo acabar, a inocência me parece óbvia – ao contrário do que seria na hipótese acima do Edílson. Errou, leva advertência, paga uma multa bem alta para aprender a ficar atenta e segue o jogo. Além disso, essa história de advogado comunicar por telefone que o jogador está suspenso, francamente. A CBF, o STJD, seja lá que diabo for não tem um site onde as decisões sejam colocadas e se tornem disponíveis a qualquer um? Isso é tão complicado assim? Aqui nesse modesto blog, eu mando o texto por e-mail para o editor e, se ele achar que está legal, em menos de cinco minutos o post já pode ser lido.
Sem querer jogar para a plateia e sem fazer demagogia barata, acho o suposto erro do Flamengo pior que o da Portuguesa. O Flamengo sabia do entrave quanto à escalação do André Santos, tanto que foi feita uma consulta ao Departamento Jurídico do clube. E se havia um pingo de dúvida que fosse, pra que escalar André Santos num jogo que não valia nada e no qual o clube já estava poupando quatro titulares? Era melhor ter entrado com dez ou com o João Paulo – o que dá na mesma.
Bom. Vira de um lado para o outro, volta de outro para um, e no fim das contas o blogueiro vai ficar em cima do muro? Jeito nenhum. Apenas defendo que devemos varrer as paixões para debaixo do tapetão e analisar com serenidade os argumentos de cada um. Por mim: Portuguesa na primeira divisão, desde que assine um termo de ajuste de conduta que a obrigue a abandonar o complexo de coitadinha; já o Fluminense precisa parar de temer a série B como os personagens do filme A vila temem o que existe naquele bosque, e como se Icasa, Bragantino e ABC fossem “aqueles de quem não se pode dizer o nome”. A série B não tem nada de bicho-papão. Vai lá, atravessa o bosque, passa o ano acertando o time, aplica goleadas, quebra recordes de pontos, ataque mais positivo e defesa menos vazada, e volta forte em 2015. Ninguém vai morrer por causa disso.
Para finalizar: é por essas e outras que faço sérias ressalvas ao rebaixamento. E para quem teve a paciência de ler até aqui, peço mais cinco minutinhos para dar uma olhada no post publicado em 8 de julho, com o título “Repensando o rebaixamento”. Creio que vale o debate.