O vice-presidente Michel Temer (PMDB) tem 35% de chance de não terminar o seu mandato, caso assuma a Presidência no lugar de Dilma Rousseff (PT). De acordo com projeções da Eurasia Group, maior consultoria de risco político do mundo, os fantasmas que rondam Temer e que contribuem para esse percentual, considerado alto, são as ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pedem a cassação da chapa Dilma-Temer por eventuais irregularidades na eleição de 2014 e, num cenário menos provável, um processo de impeachment contra ele.
“35% é um risco significativo. É alto. E temos ainda o imponderável, que é a Lava Jato. Não tem como saber o que vai acontecer, e isso eleva o risco de não terminar o mandato”, afirmou, de Washington, João Augusto de Castro Neves, diretor de América Latina da Eurasia. Tanto os processos no TSE quanto o impeachment são influenciados pelas investigações originárias em Curitiba, que já atingiram a cúpula do PMDB. Dois delatores que fizeram acordo com os investigadores citam Temer como padrinho de diretores envolvidos com o esquema de propina. O vice nega irregularidades.
Para a Eurasia, são 80% as chances de o Senado aprovar o impeachment da presidente, e Temer assumir. “A possibilidade de reverter essa dinâmica é bem baixa”, declarou Castro Neves. As chances de Dilma não concluir o mandato chegam a 90%, porque ao impeachment no Senado somam-se o processo no TSE contra ela e até mesmo uma eventual renúncia da presidente.
“Se Dilma vencer o impeachment, a chance de o TSE chamar novas eleições aumenta. Se ela cair, essa chance diminui”, declarou Castro Neves. Para ele, o TSE dará uma “chance, um crédito” a Temer. “Se ele não conseguir fazer dissipar, na margem, a crise, aumenta a chance do TSE analisar a cassação”, declarou. “Quanto mais certo Temer der, maior a chance de não acontecer, de empurrarem com a barriga. Se Temer errar logo no início, se for atingido por uma bomba da Lava Jato, aumenta a chance de não terminar. Mas no começo vai haver uma lua de mel para ele dar os primeiros passos.”
Os porcentuais cravados pela Eurasia são calculados com base na interpretação da conjuntura, feita pelos analistas que conversam com integrantes do governo, oposição, mercado e jornalistas. “Tem certo grau de subjetividade”, admite Castro Neves. As conclusões são enviadas para clientes privados no Brasil e, principalmente, nos Estados Unidos, que usam essas análises para decidir se, quando e como investir no país.
Em 2014, das 24 eleições analisadas nos mercados emergentes, a Eurasia acertou o resultado de 21. A empresa foi uma das poucas cujos analistas mantiveram a avaliação de que Dilma Rousseff seria reeleita, apesar de grande parte do mercado, a partir de determinado momento da eleição, ter dado como certa a vitória do tucano Aécio Neves. Para chegar às conclusões, eles usam um modelo baseado em experiências mundo afora, segundo o qual existe uma correlação direta entre a aprovação do mandatário que disputa a reeleição ou indica o sucessor e a probabilidade de vitória. A essa visão são agregadas variáveis locais. No caso do Brasil de 2014, denúncias de corrupção e crise econômica, por exemplo.
Quando o presidente tem menos de 40% de aprovação, a chance de reeleição é de 24% e de fazer o sucessor é de apenas 11%. Quando a aprovação está acima de 60% nos seis meses que antecedem a eleição, a chance de reeleição é de 99% e de emplacar o sucessor 70%. Isso foi o que ocorreu com Lula e Dilma em 2010.
Quando a aprovação de um governante fica entre 40% e 60%, a chance de reeleição é de 85% e de fazer o sucessor 36%. Dilma estava nesta faixa intermediária em 2014, e devido às especificidades da corrida daquele ano, a consultoria apostou que a chance de vitória era de 60%. Choveram críticas, principalmente porque Aécio Neves encostou em Dilma nas pesquisas finais. “Consegui a proeza de uma consultoria norte-americana ser chamada de petista”, diz, com bom humor.
“Esse modelo nos diria que se ela terminasse o mandato, teria menos de 11% de chance de eleger o sucessor. Mas sendo Lula quem ele é, esses 11% são maiores”, declarou. “Para um partido que está há dezesseis anos no poder, com essa desorganização econômica, a chance de ganhar mais um mandato é mínima. Mas Lula certamente seria mais competitivo que isso”, avalia Castro Neves. Ele destaca o recall de Lula como um dos motivos que o fazem aparecer bem posicionado nas pesquisas de intenção de voto, mas sublinha a rejeição do petista, que chega a 57%.
“Mas é um candidato competitivo pelo fato de ser quem é e num provável cenário de fragmentação de candidaturas (a eleição de 2018 pode ter ainda Aécio, pelo PSDB, Serra, pelo PMDB e Geraldo Alckmin pelo PSB, Marina Silva pela Rede, além de candidaturas menores). Eu achava que Lula não disputaria 2018. Ele sabe que o sucesso dele se deu num momento favorável da economia global. Ele iria consumir capital político e não acumular. Agora, a Lava Jato muda o cálculo e aumenta na margem a chance de que ele queira concorrer”, analisa.
Num momento em que o governo questiona a legitimidade do impeachment, dizendo que não há crime de responsabilidade e que, portanto, se trataria de um golpe, Castro Neves diz que o processo é “vergonhoso” da maneira como foi feito, mas que não é ilegítimo. Diz também que o governo cometeu “erros enormes seguidos”. “Em nenhum país democrático, o governo teria sobrevivido a escândalos dessa magnitude.”
Castro Neves destaca que a imprensa internacional tem dado mais repercussão à visão do golpe do que a imprensa nacional. Ele acha que, se num eventual governo Temer a Operação Lava Jato prosseguir, “a narrativa do golpe será reduzida na história”.