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    Lucia Helena Ribeiro posa em frente a cartaz do presidenciável do PSL, na convenção que oficializou a candidatura FOTO_ARQUIVO PESSOAL

questões eleitorais

Os formadores da onda

SuperPop, comunismo e Lava Jato: sete eleitores de uma mesma família no Rio de Janeiro enumeram as razões por que votam em Bolsonaro

Roberto Kaz | 15 out 2018_16h41
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“Vou te contar um babado forte”, anunciou Lucia Helena Ribeiro Pinto, pelo telefone, um dia após o primeiro turno da eleição que comprovou o favoritismo do seu candidato, Jair Bolsonaro. “Votei e depois fui pra porta do condomínio do Jair, eu e um bando de gente. Tava muito bom, tinha até carro de som.” Sua ideia era acompanhar o pronunciamento do presidenciável, que ocorreria num hotel da vizinhança, em caso de vitória. “Quando vi que ele não ia pro hotel, fui embora. Fiquei triste porque a gente queria massacrar o PT de cabo a rabo.”

Lucia Helena é uma mulher magra, pequena e despachada que aparenta ter menos que os seus 47 anos. Costuma salpicar as frases com interjeições (“Olha só!”,“Que que acontece?”, “Aí é que tá!”) e expressões marinadas no sotaque carioca (“Sou tranquilona”, “Goixto muito”,  “Ixquierdixta”). Sua mãe é negra. Seu pai era branco. Lucia votou a maior parte da vida em candidatos do Partido dos Trabalhadores. “Você não tá entendendo! Eu era PT Futebol Clube”, enfatizou. “Eu tinha bottom, bandeira, ia em passeata na Cinelândia e na Candelária. Vermelho era minha cor preferida.” Elegeu Lula duas vezes e Dilma Rousseff, uma. “Na segunda eleição dela, anulei. Uma pessoa sensata não pode votar na Dilma, mas o Aécio também não convencia.” Nesta eleição, encontrou o messias na figura de Bolsonaro.

Conheci Lucia Helena em julho deste ano, quando marquei de encontrá-la num ponto de ônibus próximo à sua casa, na Taquara – um bairro de classe média, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. “Eu não era nascida na época da ditadura, mas acho que não devia ser tão ruim que nem as pessoas falam”, ela disse, pouco depois de nos cumprimentarmos. Em seguida apontou para um salão de beleza e comentou com a mesma naturalidade: “Olha, é ali que eu corto o cabelo.”

Na semana anterior, eu havia conversado com uma dezena de eleitores do capitão reformado. Um deles havia contratado um grupo de alpinistas para pendurar uma enorme bandeira, no morro do Corcovado, no dia do bicentenário do nascimento do filósofo alemão Karl Marx, pai do comunismo. “O Brasil jamais será vermelho – fora comunismo”, dizia a flâmula, que atacava os ex-presidentes Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso. Outro eleitor havia organizado um movimento chamado Tomataço, que prometia remunerar com 300 reais quem se aventurasse a jogar tomates no ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes. No caso de Lucia Helena, a maior extravagância era a escolha de uma dupla improvável para o Senado: um voto iria para Flávio Bolsonaro, do PSL, filho do presidenciável, e o outro para Chico Alencar, integrante do PSOL. “O Chico é um doce de pessoa, defende os professores, amo ele”, explicou. “É de esquerda, mas ainda vai se regenerar.” Pelos meses seguintes, eu acompanharia Lucia Helena, seus familiares e alguns de seus amigos, todos eleitores do ex-capitão.

 

Lucia Helena mora numa casa própria, de três pequenos quartos, com piso escuro de porcelanato. No portão de ferro que dá para a garagem há dois adesivos ligados à campanha de Bolsonaro. Um deles, que tem uma imagem do candidato usando as mãos para mimetizar duas pistolas, anuncia: “Acabou a farra!!! Bolsonaro está chegando!” O outro tem apenas uma frase: “Sem polícia não há democracia!”

Ela é separada, e divide a casa com os dois filhos, de 21 e 18 anos – aos quais se refere como Zero Um e Zero Dois, à moda militar. Como não cursou universidade, começou a trabalhar desde cedo, primeiro como professora particular, depois como secretária. Hoje vive de produzir pequenas festas de aniversário e da pensão de cerca de 3 mil reais herdada do pai, que era funcionário do Ministério da Fazenda.

Lucia atribui sua mudança política “a uma coisa chamada internet, que abre os olhos da gente”. “Coisa que a tevê demorava dois dias pra dar, a internet dá em duas horas”, explicou, para em seguida exemplificar: “No começo eu jurava que o Lula tinha sido induzido a erro. Mas depois de tudo o que li, hoje acho até que ele mereceu ser preso lá atrás, nos anos 80. A Dilma também. Ela sequestrou e matou [não há registro de assassinato cometido pela ex-presidente].”

Como nunca havia votado na direita, Lucia teve certo receio de apoiar Bolsonaro. “Achava que ele era homofóbico, nazista, racista, taxista, frentista, tudo que é ista”, brincou. “Mas depois entendi que isso era só o que a mídia falava.” A impressão começou a ser desfeita quando conheceu o deputado na festa de dois irmãos gêmeos, Alan e Alex Rodrigues de Oliveira, que são policias militares. “Eles tinham me contratado pra fazer um mocotó. E o Jair estava lá. Entrou na cozinha para falar com todo mundo.” (Os dois irmãos, que integraram o núcleo da campanha de Flávio Bolsonaro, foram presos em agosto, numa operação deflagrada pelo Ministério Público Estadual. “Se erraram têm que ser punidos”, disse Lucia.)

“O Jair é honesto. E honestidade hoje vale por um diploma”, ela continuou, justificando por que vota no deputado. Não se deixou abalar pela revelação de que Bolsonaro recebia auxílio-moradia, mesmo tendo um apartamento próprio em Brasília. “Sou a favor de acabar com esses auxílios todos. Mas, já que tem, deixa ele usar.” Também não se importou com o fato de ele estar cada vez mais próximo a políticos da velha guarda fisiológica, como o senador Magno Malta, do PR. “Tudo bem, desde que não seja gente citada na Lava Jato.” Avisou que não hesitaria em protestar contra Bolsonaro num caso hipotético de decepção. “O povo está gostando de política. Se o Jair começar a fazer besteira, a gente vai pra rua e bota ele pra fora. Quem tem o poder não é ele, é o povo.”

Lucia Helena é evangélica e contrária à política de cotas, apesar de vir de uma família de pessoas pardas e negras. “Tem que ter capacidade”, explicou. Não costuma ver o Jornal Nacional, embora diga gostar da GloboNews e da Rede Bandeirantes, por causa do apresentador Ricardo Boechat. Complementa a dose diária de informação com notícias que recebe de grupos de WhatsApp e do Facebook, como o “Somos Todos Bolsonaro”. “Postei ontem uma foto da minha tia nesse grupo”, contou-me, quando a encontrei novamente, em agosto, para que fôssemos juntos à casa de sua prima Simone, que também vota no capitão reformado. A imagem, que tinha 6 500 likes, mostrava uma senhora num churrasco, usando uma camiseta estampada com a cara de Bolsonaro. Lucia contou que também havia postado outra foto, em sua página pessoal, dela com o filho do general João Figueiredo – um dos cinco presidentes do período militar. “Conheci ele na convenção do Jair.”

Apesar da veneração aos militares, ela disse não ter gostado da escolha do general Hamilton Mourão para candidato a vice-presidente. “A gente precisa de flexibilidade. De maluco já basta o Jair.” Contou ter “orado pra Deus” quando o deputado foi esfaqueado, um mês atrás. “Fiquei com medo de ele morrer, porque aí ia mudar toda uma estrutura. Mas não chorei, e nem achei que era atentado partidário. O sujeito era doido mesmo.” Já sua prima Simone reagiu de maneira mais visceral: “Ela chorou muito, cismou que era coisa do Lula.”

 

Simone Sena Menezes é uma pernambucana carismática, de 50 anos, que mora no Rio de Janeiro desde os 15 anos de idade. “Meu pai chegou a ser rico lá no Recife, mas tinha muita quenga”, contou, quando me recebeu na cozinha de sua casa, no subúrbio carioca de Ricardo de Albuquerque. “Perdeu tudo. Aí trouxe a família pra cá, e as mulherada da casa teve que trabalhar.” Seu primeiro emprego, aos 16 anos, foi numa fábrica de couro. Depois trabalhou em loja, casa de família, fábrica de calcinha e posto de gasolina. Hoje cuida da casa, onde vive com o marido, duas filhas e um cachorro.

Lucia Helena Ribeiro (de branco e bermuda bege) e Simone Sena (camiseta vermelha), em festa de família FOTO_ARQUIVO PESSOAL

 

“Sempre votei no PT, infelizmente”, explicou Simone. “Meu pai dizia: ‘Vota no Lula. Ele é de Pernambuco, da terrinha, que nem nós.’” Sua descrença começou a aflorar com a indicação de Dilma Rousseff à sucessão presidencial. “A mulher tem a boca-mole, não sabe se expressar, falava em estocar vento.” Em 2010, votou “naquele tio de olho grande” [o tucano José Serra]. Em 2014, anulou. Hoje tem ódio visceral do conterrâneo petista. “O Lula andava na rua com aquele cabeção daquele tamanho e ninguém dava um tiro nele. Um bom sniper resolvia, cara. Pá! Mataram aquele John Kennedy assim. E o cara nem ficha-suja era. Jacqueline Kennedy, tadinha, ficou chocada.” Disse que sempre havia pensado dessa forma – “Meu pai dizia que político só tomaria vergonha na cara quando o povo fizesse justiça com as próprias mãos” –, mas que tal sentimento ficara adormecido até o surgimento da Operação Lava Jato. “Gosto do Sérgio Moro loucamente, dele e do [procurador Deltan] Dallagnol. Dou parabéns no aniversário, compartilho foto de quando ele e a Rosângela [Wolff Moro, esposa do juiz] vão a jantar, peça de teatro, show do Capital Inicial.”

A guinada de Simone à direita também foi intercalada por uma crise familiar. Em 2015, seu marido foi demitido de uma empresa de peças de banheiro e cozinha, onde trabalhava. “Foi culpa desse governo safado”, disse. “Quando o governo é corrupto, tudo vai abaixo. Meu marido trabalhava em escritório. Hoje ganha 1 200 reais carregando caixa de comida em supermercado. Se você me perguntar como o dinheiro rende, eu falo que é Deus.”

Simone disse ter decidido votar em Bolsonaro em outubro do ano passado, quando o viu dar uma entrevista de 45 minutos ao programa SuperPop, apresentado por Luciana Gimenez na RedeTV!. “Gosto da Luciana Gimenez porque ela leva gente polêmica, tipo Thammy Miranda, Bolsonaro, aquela prostituta maluca, Bruna Surfistinha, ou aquela loirinha bagunceira, ex do Marcos Paulo”, explicou. “E o Bolsonaro falou umas coisas muito verdadeiras. Disse que lugar de bandido é na prisão, que criança tem que estar na escola, que tem que reduzir a maioridade penal. Ele é como a gente. Pode se enforcar com as coisas que diz, mas é autêntico.” Considerou a entrevista mais esclarecedora do que a que ocorreria em julho deste ano, quando o candidato foi sabatinado no Roda Viva. “Eu sou dona de casa, estava doida pra saber como ia ficar aposentadoria, saúde, educação das crianças, e aí o pessoal pergunta sobre negro, escravo, coisa de 1964. Eu não era nem nascida naquela época.”

Ela também se deixou cativar pelo posicionamento do capitão contra o deputado federal Jean Wyllys, do PSOL, principal porta-voz das políticas de direitos da população LGBT. “O que mais tem na minha casa é gay”, Simone apressou-se em dizer. “É como se fossem meus filhos. Fala qualquer coisa das minhas bichas, mas não fala mal delas.” Citou três: Johnny (“a bicha inteligente”), Wallace (“a bicha burra”) e Dani, uma mulher trans que está morando na Argentina. No ano passado, Simone chegou a modificar uma foto sua, no Facebook, de forma a inserir na imagem uma bandeira do movimento LGBT e a frase: “Não há cura para o que não é doença.” (Em contrapartida, sua página também tem um vídeo do apresentador Danilo Gentili zombando da homossexualidade de Wyllys, e de uma mulher sendo presa por dois policiais, com a seguinte descrição: “Prisão da feminista que passou absorvente com sangue em uma urna e quebrou a outra”).

“Eu gostava do Jean Wyllys, votei pra ele ganhar o Big Brother”, contou. “Só que ele é meio maluco, vem com essa ideia de expor as crianças, de fazer cartilha pra quem tem 5 anos de idade.” Referia-se ao material didático encomendado pelo Ministério da Educação do governo Dilma, em 2011, para tentar combater a homofobia nas escolas; apelidado de “kit-gay” pela bancada evangélica, o projeto, defendido por Wyllys, acabou ganhando protagonismo na campanha de Bolsonaro. “Tem criança que já nasce gay, sei disso”, justificou Simone. “Mas o Jean Wyllys quer explanar muito. Tem que esperar a criança amadurecer. Ela só vai saber que é gay depois de 12 anos.”

A conversa foi interrompida bruscamente por Lucia Helena, que comentou com a voz alarmada: “Tô passada com o que acabou de acontecer na minha rua.” Lucia contou que acabara de ler, no Facebook, que uma criança de 4 anos havia sido estuprada por um adolescente. O texto trazia o nome e a foto do rapaz acusado. “Conheço ele, joga futebol com os meus garotos.” Questionei se a fonte da notícia – uma página chamada “Bangu News” – era segura. Foi Simone quem respondeu: “É seguríssima. Tudo que vem do ‘Bangu News’ é verdade. É igual ao ‘Guadalupe News’. Esses dois não é fake. É fato.”

 

Naquela tarde, ainda conversei com Viviane Sena Menezes – a filha caçula de Simone –, e com seu namorado, Daniel Oliveira da Silva. Os dois têm 20 anos; os dois votariam em Bolsonaro. Viviane não se lembrava em quem havia votado na eleição anterior, e não sabia explicar o porquê da escolha pelo capitão reformado. “A Vivi é boa de falar de funk e shopping. De política não fala”, explicou Simone, diante do silêncio da menina. Daniel se sentiu mais à vontade: “Sou vibração, né, cara? Sou adrenalina. Quero ser policial militar.” Ele é magro, pardo, usa óculos e tem tio e padrinho policiais. Chegou a fazer prova em 2014, mas acabou reprovado em redação. “Joguei recurso. Até espero que o Bolsonaro ajude a gente nisso aí, de ter mais policial.”

Além de Simone, Viviane e Daniel, Lucia Helena havia me apresentado, semanas antes, ao seu primo Marcelo Nascimento, um homem de 44 anos, magro, de pele escura e homossexual, que segue o candomblé e também apoia Bolsonaro. A escolha pouco previsível havia se dado por influência de um sobrinho, que é militar. “No começo fui resistente. Sou gay, e diziam que ele era homofóbico”, explicou Marcelo. “Mas aí o meu sobrinho me mostrou que isso era a Globo fazendo mídia contra. Ele disse que o Bolsonaro tem um plano para a população LGBT. Na verdade não é só pra LGBT, é pra geral.”

Marcelo estava acompanhado de seu marido, Rodrigo Gonçalves, um homem negro, de 37 anos, que deu prosseguimento à explicação: “Me preocupo muito com meus direitos. Mas quero ter direitos porque sou humano, não porque sou LGBT. Isso é rotular.” Usou o mesmo raciocínio para criticar a política de cotas: “Já tive a oportunidade de fazer um curso técnico porque eu era negro. Não quis. Mas minha irmã entrou na faculdade por cotas. Ela fala três línguas e fez o secundário em escola particular.” Comparou: “Aí ela entra, e você, que é branco de olhos azuis, não. Essa igualdade que o PT colocou no país faz com que as pessoas tirem vantagem.” Rodrigo é natural de Santos, e se mudou para o Rio de Janeiro cinco anos atrás, depois de conhecer Marcelo pelo Facebook. “Minha família também era petista”, contou. “Tanto que eu cheguei a trabalhar na campanha da Professora Odinete, do PT, que foi candidata a vereadora lá em Santos.” Sua decepção com o partido foi ocasionada pelo endividamento da mãe, que tomou um empréstimo para comprar um carro durante o governo Lula. “Ela tinha acabado de se aposentar. Passou a pagar uns 700 reais por mês, o que deu certo por um tempo.” Em um dado momento, a mãe não conseguiu mais pagar os juros, o que a deixou sem o carro, e com o nome sujo no serviço de proteção ao crédito. Rodrigo atribui toda a culpa à política petista. “Minha mãe era formada em administração. Sempre cuidou do financeiro da casa. Só que aí o PT abriu esse leque de oportunidades – primeira casa, primeiro carro, universidade –, mas não deu condições de pagar. Aumentou tudo, menos o salário.” A mãe morreu sem sanar a dívida. “Ela falava que a única coisa que o ser humano tem é o nome, mas que o dela não estava mais limpo, por causa do PT.”

Rodrigo disse que o episódio o fez ver que “as propostas do PT eram ilusórias”: “O financiamento ficou fácil, mas será que as pessoas conseguiram terminar de pagar? Eu trabalhava no mercado imobiliário. Vi muita gente entrando em financiamento do Minha Casa Minha Vida e acabando inadimplente.” Com a mudança para o Rio, em 2013, passou a justificar o voto. Dessa vez, estava disposto a ir para Santos, para votar em Bolsonaro. “Converso muito com um colega de trabalho, que também é gay e casado. Ele me mostrou como as coisas que o Bolsonaro diz são mal interpretadas. É muito fácil viralizar um vídeo com conteúdo errado.”

 

O oráculo político de Lucia Helena é sua amiga, “quase irmã”, Luciana Alves, uma empresária branca e loura de 46 anos, que já foi assessora de um vereador do PCdoB – o Partido Comunista do Brasil – e candidata a vereadora pelo PTB – o feudo presidido por Roberto Jefferson, preso no escândalo do Mensalão. Apesar desse passado, ela se orgulha de já votar em Bolsonaro há três legislaturas. “Minha filha de 17 anos, que quer ser do Exército, também é fã dele de carteirinha, discute na escola e tudo.”

Luciana mora numa casa alugada, de três quartos, no bairro de Bangu, onde fica o maior complexo penitenciário do Rio de Janeiro. Além da caçula, ela divide o espaço com o filho mais velho, a nora, o neto e o marido, que é policial militar aposentado. Diz que a renda mensal da família passa dos 10 mil reais – soma do que ganha o marido como segurança particular e ela como confeiteira e pensionista da União (o benefício, vitalício, foi deixado pelo pai, que era tenente-coronel do Corpo de Bombeiros). Frequenta a Assembleia de Deus, e costuma ver filmes de temática evangélica: “Mas não os da Universal, que aquilo é uma seita.”

A empresária Luciana Alves, ao lado do então deputado Flávio Bolsonaro (PSL) FOTO_ARQUIVO PESSOAL

 

Luciana também não chegou a terminar a universidade. Trabalhou em restaurante e camelódromo até virar proprietária de uma loja de roupas, a Lu Fashion, que durou cinco anos. “Fui confiar muito nas pessoas, me roubaram tanto que fali”, contou. Passou a se envolver com política por volta de 2011, quando se mudou para Seropédica, município fluminense de 86 mil habitantes onde moram suas primas. Primeiro trabalhou como assessora do vereador Luciano DJ – o do Partido Comunista do Brasil –, que acabou assassinado em 2015, segundo ela, por motivação política. “Ele tinha balançado a cidade. Fez como vereador tudo que o prefeito não fazia. Ia sair candidato à prefeitura e ia ganhar no primeiro turno.” Nos anos seguintes, arriscou concorrer a vereadora pelo PTB de Roberto Jefferson. “Os outros partidos não tinham lugar para mim, e eu precisava competir”, justificou-se.

Teve 879 votos, cerca de 300 a menos do que precisaria para ocupar uma das dez vagas na Câmara dos Vereadores da pequena cidade. “Aceitei o resultado, mas não confio em urna eletrônica. Se eu tivesse sentado naquela cadeira, ia virar prefeita”, especulou. “Eu defendia muito a mulherada. Queria construir creche pras mães.” Perguntei se não era contraditório ela defender a mulherada e apoiar um candidato que disse, em 2017, que o nascimento de sua única filha foi causado por uma “fraquejada”. “Era uma brincadeira. Não acho que tenha falado a sério”, respondeu. Perguntei se a mesma lógica se aplicava ao caso envolvendo a deputada Maria do Rosário. “Ela chamou o Bolsonaro de estuprador antes. Para toda ação tem uma reação.”

A exemplo de seu candidato, Luciana costuma usar a palavra “vagabundo” para se referir a um espectro amplo de pessoas, que podem ser traficantes, políticos, artistas ou trabalhadores sem terra. Também fala em direitos humanos como se fossem uma entidade de esquerda, e não garantias essenciais: “Perto da minha casa, quatro bandidos tentaram assaltar um PM nessa madrugada. Ele matou os quatro. Mas aí chegam os Direitos Humanos, e colocam os caras como coitados.” Ela defende o porte de armas e odeia o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: “O MST não pega fazenda do Lula, da Dilma e do Temer. Cambada de bandido, vagabundo. Ninguém é pobrezinho, não. Fatiam as terras dos outros e vão para as próximas.” Revolta-se, também, contra os artistas que financiam suas produções através da renúncia fiscal. “Lei Rouanet dá 1 milhão e pouco pra Daniela Mercury fazer show, e nós não temos saúde, segurança. Quem precisa fica do lado de fora.”

Recentemente, Luciana e Lucia Helena se filiaram ao PSL. Ainda assim, Luciana disse ter perdido a fé na democracia. “Sou a favor do militarismo”, explicou. “Gostaria que os generais assumissem o país e devolvessem com tudo em ordem daqui quatro anos.”

 

Voltei a falar com Lucia Helena, Simone e Luciana nesta semana, para saber como estavam após o resultado das urnas. Quase todas haviam votado no mesmo escrete: Bolsonaro para presidente, Wilson Witzel para governador, Flávio Bolsonaro e Arolde de Oliveira para senadores, subtenente Hélio Lopes – também conhecido como Hélio Bolsonaro – para deputado federal, e a sargento Alana Passos para estadual. Bolsonaro e Witzel estão no segundo turno, como favoritos. Os demais candidatos foram eleitos. A lista de Lucia Helena só diferia na escolha de Chico Alencar, do PSOL, como segunda opção para o Senado. “Arrumei discórdia na família por causa do Chico”, ela disse.

Todas as três acreditam que as pesquisas de intenção de voto – que, até a véspera, não mostravam o favoritismo de Wilson Witzel e Arolde de Oliveira – haviam sido manipuladas. “Nunca fui entrevistada por esses Datafolha aí, tu foi?”, perguntou Simone, de maneira retórica. “Disseram que a Dilma ia ganhar pro Senado em Minas, e agora cadê ela?” [Dilma Rousseff ficou em quarto lugar]. Luciana, a amiga, disse ter certeza, também, de que as urnas haviam sido fraudadas. “Teve muita urna com defeito, e fila de cinco horas, pra fazer o ser humano desistir.” Ela desconfia, principalmente, dos números do Nordeste – única região onde Bolsonaro perdeu para Haddad: “Na eleição passada, uma urna no Nordeste já veio com 400 votos pra Dilma. A gente tá mexendo com gente grande. Nossa luta não é contra o Haddad ou o Lula. É contra o PT, os comunistas.”

Perguntei o que elas haviam achado dos eleitores de Bolsonaro que se filmaram usando armas para apertar as teclas com o número do candidato. Lucia Helena condenou: “Achei ridículo, assim como achei ridículo os caras terem arrebentado a placa com o nome da Marielle.” Referia-se aos candidatos Daniel Silveira e Rodrigo Amorim, eleitos deputados pelo PSL do Rio de Janeiro, que haviam subido num palanque, no domingo anterior à eleição, orgulhosos de terem quebrado uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada no começo do ano. “Não é porque é do meu partido que vou passar a mão na cabeça.” Já Luciana tentou relativizar as cenas das urnas: “As pessoas estão revoltadas. Bandido aparece na tevê, cidadão de bem que perdeu a família, não. Votaram daquela maneira, com as armas, por um ato de repúdio.” Relativizou também os atos de violência perpetrados por eleitores de Bolsonaro, que ocorreram de uma semana para cá. “Tudo que tá acontecendo sempre houve. Mulher sempre ganhou menos que homem, sempre houve discriminação e morte de homossexuais. Agora jogaram tudo em cima do Bolsonaro. Falam dele, mas foi ele que foi esfaqueado.”

Simone se disse triste com o fato de Bolsonaro não ter ganhado no primeiro turno, mas feliz que o seu rival, agora, seja Fernando Haddad. “Melhor assim, porque o Ciro era capaz de levar.” Ficou revoltada com a visita do candidato petista ao ex-presidente Lula, preso em Curitiba, no dia seguinte à eleição. “É tipo Ana Maria Braga e Louro José”, comparou. “Ele pelo menos podia ter ido daqui a umas duas semanas, escondido. Isso é uma afronta ao povo.” Disse que uma possível vitória de Bolsonaro lhe dará a esperança de “sair e ostentar um celular, um relógio, sem ser abordada com arma na cabeça”.

No dia 28 – data do segundo turno –, as três devem ir para a frente do condomínio de Bolsonaro, na Barra da Tijuca, para acompanhar a apuração. “As pessoas vão chegando, nem precisa organizar”, disse Luciana. Lucia Helena completou: “Vocês têm que aprender uma coisa. Ninguém tá surfando uma onda que tá passando. O Bolsonaro é que tá botando a onda pro pessoal surfar.”

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No domingo do primeiro turno, o podcast Foro de Teresina veiculou uma conversa do repórter Roberto Kaz com três integrantes da família. Para ouvir, clique no player abaixo:

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