Os generais palacianos, que até pouco tempo atrás eram considerados a ala moderada do governo, hoje estão na linha de frente de defesa do bolsonarismo. Atacaram o Supremo Tribunal Federal, flertaram com o golpismo e dispararam em número de menções no Twitter. O ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) – que ameaçou o STF com “consequências imprevisíveis” caso o celular de Bolsonaro fosse apreendido para perícia – triplicou de tamanho na rede. Foi citado 925 mil vezes em maio, seu maior patamar desde o início do governo. Já o vice-presidente Hamilton Mourão teve 446 mil menções. Mourão, que vinha se mantendo retraído havia vários meses, escreveu um artigo para O Estado de S. Paulo afirmando que o “estrago institucional” estava conduzindo o Brasil ao “caos”. O vice-presidente não recebia tantas menções desde abril do ano passado, quando virou alvo de ataques do guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho. Os dados são da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP-FGV), que, a pedido da piauí, monitora mês a mês as citações a políticos ligados ao governo no Twitter.
A “nota à nação brasileira” que Heleno publicou no Twitter no dia 22 de maio, em ameaça velada ao STF, recebeu 154 mil curtidas. Foi seu tuíte de maior alcance até hoje. O texto veio à tona horas antes da divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril e teve enorme repercussão negativa. Ao mesmo tempo, serviu para mobilizar os grupos mais radicais do bolsonarismo. Figuras como a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e o blogueiro Allan dos Santos deram corda aos ataques contra o STF e jogaram gasolina na fogueira golpista, ajudando a impulsionar a hashtag #HelenoJáTáNaHora.
A disparada de Heleno no Twitter fez dele o segundo ministro mais citado do governo em maio, atrás apenas de Abraham Weintraub. Mais explícito que o general do GSI, o ministro da Educação explodiu em menções ao aparecer no vídeo da reunião ministerial defendendo a prisão dos ministros do Supremo e de governadores. O número de citações a Weintraub saltou de 706 mil, em abril, para 2,7 milhões em maio – ou seja, quase quadruplicou. O crescimento também se deve à campanha pelo adiamento do Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio. Depois de dizer que não mudaria a data do exame, apesar da pandemia, Weintraub foi obrigado a recuar e anunciou um adiamento de trinta a sessenta dias. O ministro acumulou desgastes no Supremo e no Congresso e hoje está pendurado por um fio no governo.
A ameaça feita por Heleno também deu coesão à esquerda, que se uniu para atacar conjuntamente o ministro. Dentre os tuítes críticos a ele, os que mais repercutiram foram o do deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ) – que pediu ao STF que Heleno fosse afastado do cargo – e o do youtuber Felipe Neto – que alardeou a “ameaça do GSI ao país”. Eles tiveram 61 mil e 43 mil curtidas, respectivamente, e foram retuitados mais de 5 mil vezes cada. Outros personagens da esquerda também ganharam destaque ao criticar o ministro, como Guilherme Boulos (Psol-SP) e o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB-MA).
Os militares têm ganhado protagonismo à medida que o governo perde força. A demissão do ministro Sergio Moro, a pandemia de Covid-19 e a crise econômica tiveram o efeito de encolher a base do bolsonarismo. Os generais, no entanto, estão cada vez mais agarrados ao presidente. Além dos nove ministérios que já ocupavam, eles agora passaram a ser responsáveis também pela Saúde, comandada pelo general Eduardo Pazuello, que lotou a pasta de militares. Isso se reflete hoje em uma atuação mais pronunciada dos generais nas redes.
Os militares têm atuado em bloco. Na segunda semana de maio, Heleno e Mourão reagiram a uma nota publicada pela coluna Radar, da Veja, noticiando que os generais palacianos tinham se reunido para assistir várias vezes ao vídeo da reunião ministerial e alinhar um discurso. Isso porque Heleno, Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil) foram convocados a depor no inquérito que investiga se Bolsonaro tentou influenciar no comando da Polícia Federal. Saindo em defesa dos colegas, Mourão tuitou: “Quem alinha discurso é bandido. Homens de honra, como Augusto Heleno, Braga Netto e Ramos, falam a verdade e cumprem a missão.” A publicação foi curtida 88 mil vezes.
Mesmo antes de a reunião ministerial tomar conta do debate político, Heleno e Mourão já vinham radicalizando o discurso em defesa do governo. No dia 4 de maio – um dia depois de Bolsonaro ter comparecido a um protesto em Brasília e afirmado que as Forças Armadas estão “ao lado do povo, pela lei, pela ordem, pela democracia” –, Mourão defendeu o presidente. Disse que ninguém iria descumprir a Constituição, mas que “cada Poder tem seus limites e responsabilidades”. Ele se referia ao STF, que, na véspera, tinha barrado a nomeação de Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal. O tuíte foi a primeira manifestação clara de que os militares compravam a briga com o Supremo. A publicação de Mourão recebeu 89 mil curtidas. Foi seu tuíte de maior impacto no mês.
O ex-ministro da Justiça Sergio Moro manteve um patamar alto de menções no Twitter em maio. Foi citado 4,9 milhões de vezes, contra 6,9 milhões no mês anterior, quando deixou o governo e protagonizou sua maior crise até aqui. No entanto, sem o respaldo da militância bolsonarista ou uma base política definida, tendência é que Moro perca alcance nas redes. Seu engajamento hoje depende de polêmicas ou de novos fatos relacionados à investigação sobre a interferência de Bolsonaro na PF. Por isso, o ex-ministro se tornou uma espécie de comentarista crítico do governo no Twitter. No fim de maio, ironizou o protesto feito pelo grupo “300 do Brasil” em frente ao STF, no meio da madrugada. “Tão loucos mas, ainda bem, tão poucos. O único inverno chegando é o das quatro estações”, escreveu, fazendo trocadilho com o nome da ativista Sara Winter (Winter significa inverno em inglês).
Se antes Moro era muito citado por conta de pautas positivas do governo – como o combate à corrupção e à violência –, agora boa parte das menções a seu nome vem de ataques, tanto pela direita quanto pela esquerda. Ao pedir demissão, no final de abril, o ex-ministro passou a ser achincalhado pelos bolsonaristas. Mais recentemente, começou a ser zombado pela oposição. O perfil do ex-presidente Lula tuitou, em 27 de maio: “Agora estou vendo o Moro exigir que os juízes deem a ele o que ele não me deu. Acho fantástico isso.”
Ainda assim, com 4,9 milhões de menções, Moro continua sendo mais citado no Twitter do que qualquer membro do governo Bolsonaro. E mais, também, do que todos os outros adversários do bolsonarismo. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que em abril teve um pico de 5,1 milhões de menções – fruto de uma série de ataques de apoiadores do governo –, foi citado apenas 1,1 milhão de vezes em maio. De certa maneira, Maia deixou de ser alvo prioritário das redes bolsonaristas, o que reflete sua situação no Congresso. Desde que Bolsonaro passou a fazer acenos e concessões a parlamentares do Centrão, o presidente da Câmara teve seu poder de barganha reduzido. Com isso, perdeu força política e, não por acaso, reduziu a frequência com que faz críticas ao governo.
É uma tendência parecida com a de João Doria (PSDB-SP). O governador de São Paulo foi alçado, desde o início da pandemia, ao posto de inimigo número um de Bolsonaro. Em abril, depois de trocar farpas com o presidente, foi citado 3,6 milhões de vezes no Twitter. Só ficou atrás de Maia, Moro e do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Em maio, Doria retrocedeu para 2,7 milhões de citações na rede. Ainda é um patamar alto – maior do que o de todos os ministros do governo –, mas sinaliza uma tendência de queda. Afinal, a quarentena em São Paulo, objeto de sua desavença com Bolsonaro, vem sendo afrouxada. Hoje, nem Doria tem motivos para contrastar com Bolsonaro, nem Bolsonaro tem motivos para atacar Doria.
Por outro lado, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC-RJ), cresceu em número de menções no Twitter: passou de 988 mil, em abril, para 1,6 milhão em maio. Foi seu maior patamar desde o início da pandemia. O governador entrou em foco por conta da investigação da Polícia Federal que apura o desvio de verbas públicas destinadas à construção de hospitais de campanha. No fim de maio, policiais fizeram buscas no Palácio das Laranjeiras, na residência de Witzel e de outros investigados. A operação foi material farto para a militância bolsonarista. O tuíte mais curtido em maio, no entanto, foi uma provocação feita no dia seguinte pelo próprio Witzel: “Senador Flavio Bolsonaro, o senhor, que some com o Queiroz e foge da Justiça, faça como eu”, escreveu o governador. “Meu sigilo está à disposição da Justiça. Aguardo o seu. Quem não deve não teme.”