Pouco depois das 19h30 do dia 31 de outubro de 2010, o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ricardo Lewandowski, telefonou para o celular de Dilma Rousseff. Anderson Dorneles, seu assessor de longa data, atendeu a chamada e levou o aparelho até a candidata, que descansava em seu quarto, na casa onde vivia em Brasília. Lewandowski deu a notícia: Dilma era a primeira mulher eleita presidente do Brasil.
Na tarde desta quarta-feira, 2 129 dias depois deste telefonema , também coube a Lewandowski, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal, comunicar a decisão do Senado de destituí-la do cargo, por 61 votos a 20. “O Senado Federal entendeu que a senhora presidente da República, Dilma Vana Rousseff, cometeu os crimes de responsabilidade”, leu o presidente do STF, para então concluir: “ficando, assim, a acusada condenada à perda do cargo de presidente da República Federativa do Brasil.”
Dilma assistia à votação do Senado na biblioteca do Palácio da Alvorada, ao lado de Lula, do presidente do PT, Rui Falcão, e dos ex-ministros Aloizio Mercadante e Jaques Wagner. Horas antes, tomara café da manhã com seu advogado, o ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para revisar o discurso que prepararam para o desfecho inevitável.
Não havia dúvidas de que o resultado não seria diferente. Desde que o Senado aprovou o afastamento de Dilma do cargo, no dia 12 de maio, a então presidente, Lula e o PT sabiam que reverter o placar era improvável, quase impossível. Naquela votação, obteve 22 votos contra 55 de seus adversários. Com o tempo, foi perdendo capacidade de mobilização e de convencimento dos senadores.
Apesar disso, Dilma ainda se surpreendeu com algumas atitudes tomadas no calor da votação. O senador Acir Gurgacz (PDT-RO), por exemplo, pela manhã foi ao Palácio da Alvorada avisá-la que votaria pelo impeachment. Ele havia prometido voto a favor de Dilma, desde que outros sete senadores hesitantes entrassem no acordo. Como Dilma não conseguiu levantar o número, Gurgacz achou por bem avisá-la pessoalmente de sua decisão. A presidente considerou um gesto nobre.
Por outro lado, decepcionou-se com o senador Telmário Mota (PDT-RR ), que ontem discursou contra o impeachment e hoje votou por sua cassação. Foi o único momento em que ficou irritada durante a votação. Ao sair da biblioteca do Alvorada, com o impeachment consumado, Dilma cumprimentou um a um os presentes na sala ao lado. Alguns choravam. A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB) chegou a comentar com Cardozo: “Você está sentindo como eu estou me sentindo? Queria sumir, me enterrar.” Dilma os alentava: “Não desanimem, estamos vivos.” Para outros, afirmava: “A luta vai continuar.”
Na entrada do palácio, cerca de 100 militantes do PT e de movimentos sociais aguardavam Dilma para cumprimentá-la. E aproveitavam para atacar a imprensa e chamá-la de mídia “golpista e fascista”. Alguns mais exaltados perseguiam os repórteres, xingando-os. Também entoavam palavras de ordem contra a Rede Globo. Parte dos militantes foi convidada a entrar no Alvorada, onde Dilma os recebeu.
À medida que os senadores contrários ao impeachment chegavam, eram saudados pelos colegas sob aplausos e aos gritos de “me representa!”. Enquanto os parlamentares esperavam pelo pronunciamento final da presidente cassada, repercutiam a decisão do Senado de não inabilitá-la para o exercício de cargo público por oito anos. Alguns aliados, porém, acharam ruim o resultado, avaliando que ele aliviava os senadores da aprovação do impeachment, decisão que julgavam extrema e injusta
Pouco depois das 15h35, Dilma caminhou cercada de aliados até o hall do Alvorada, forrado por folhas de ouro e no qual se via um púlpito, ainda com o brasão da Presidência da República. Dilma estava de vermelho, cor que evitou durante todo o processo. Ali, ao lado de ex-ministros, ex-assessores e militantes, fez o discurso mais contundente desde o começo da crise. Já não precisava mais dos votos indecisos. Já não precisava mais da política. Dilma precisava fazer valer sua versão da história.
“O golpe é contra o povo e contra a nação. O golpe é misógino. O golpe é homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do preconceito, da violência”, declarou Dilma, que citou Darcy Ribeiro: “Não gostaria de estar no lugar dos que se julgam vencedores. A história será implacável com eles como já o foi em outras décadas.” Dilma foi além. Pela primeira vez, disse que o governo que assume, o de Michel Temer, “é um grupo de corruptos investigados”.
Também mais à vontade, uma vez destituída do cargo, foi para a jugular da imprensa. “O projeto nacional progressista, inclusivo e democrático que represento está sendo interrompido por uma poderosa força conservadora e reacionária, com o apoio de uma imprensa facciosa e venal. Vão capturar as instituições do Estado para colocá-las a serviço do mais radical liberalismo econômico e do retrocesso social.”
“Esta história não acaba assim. Estou certa que a interrupção deste processo pelo golpe de Estado não é definitiva. Nós voltaremos”, disse Dilma, numa provável referência a Lula na eleição de 2018, caso o ex-presidente não se torne inelegível. O petista observava Dilma do mezanino. “Neste momento, não direi adeus a vocês. Tenho certeza de que posso dizer até daqui a pouco.”
Ao término do discurso, Dilma caminhou para a biblioteca do palácio, onde continuou reunida com ex-ministros e petistas. A imprensa tentou entrar no local, mas foi impedida por seguranças. “A presidente quer ficar sozinha com seus amigos”, disse um deles.
Lá fora, militantes pareciam preparar a recepção ao presidente Michel Temer, que deverá mudar para o palácio em algumas semanas. Cantavam “Temer, ladrão, seu lugar é na prisão.” Uma mulher segurava um rato de borracha e oferecia, de maneira irônica, à imprensa, sugerindo que os repórteres entrevistassem o roedor.
Enquanto isso, na biblioteca, Dilma era abraçada por aliados, muitos dos quais, como Lula, foram grandes críticos não só a sua gestão da crise como a seu próprio mandato. Apesar da batalha dos últimos quatro meses, a presidente cassada estava forte e resignada.