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    Ilustração: Fernando Carvall

sobre armas e livros

Os paradoxos do Piauí

Mesmo sendo um dos mais pobres do país, o estado consegue bom desempenho nas áreas de segurança pública e educação

Hellen Guimarães | 13 ago 2021_14h00
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OPiauí encarna hoje dois paradoxos que intrigam o Brasil. Embora seja o estado que menos investe no combate à violência, não figura entre os mais perigosos do país. Da mesma maneira, apesar de ter um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) menor que o de 20 das 26 capitais brasileiras e o segundo menor do Nordeste, Teresina se tornou um case de sucesso em educação.

De acordo com o recém-lançado Anuário de Segurança Pública 2021, o Piauí destinou à área 785,8 milhões de reais no ano passado — ou 239,47 reais per capita, já que sua população é de cerca de 3,3 milhões de habitantes. Nenhuma unidade federativa aplicou tão pouco no setor. Em média, o país investiu quase o dobro do que os piauienses: 463,06 reais per capita. O Amapá, líder do ranking, gastou praticamente o quádruplo: 872,91 reais per capita. 

Em relação à remuneração dos policiais militares, o Piauí não se saiu melhor. A mediana dos salários brutos da corporação foi de 4,1 mil reais em 2020. Isso significa que metade dos 5,6 mil PMs piauienses ganhava acima desse valor e metade recebia abaixo. No Brasil, a mediana chegou a 5,6 mil reais. No Distrito Federal, beirou os 11 mil reais e se consolidou como a mais alta do país.

Mesmo assim, entre as 27 unidades federativas, o Piauí apresentou a nona menor taxa de homicídios por 100 mil habitantes: 21,5. O índice se revelou inferior à média nacional de 23,6. Outra seara na qual o estado se destacou positivamente foi a dos assassinatos cometidos por policiais civis e militares em serviço ou de folga. O Piauí contabilizou 36 vítimas em 2020, contra 42 em 2019. Consequentemente, ostentou a sétima menor letalidade policial absoluta do país. O Rio de Janeiro, líder do ranking, totalizou 1.245 vítimas no ano passado. Em termos relativos, o Piauí também chamou a atenção. Registrou 1,1 homicídio desse tipo para cada 100 mil habitantes. Apenas quatro unidades federativas exibiram cifras melhores: Distrito Federal (0,4), Minas Gerais (0,6), Mato Grosso do Sul (0,7) e Paraíba (0,9).

Em compensação, ainda que baixo, o índice de assassinatos por 100 mil habitantes subiu 20,1% no Piauí entre 2019 e 2020. Foi o quarto maior crescimento do país. Somente Ceará (75,1%), Maranhão (30,2%) e Paraíba (23,1%) o superaram. Outros doze estados tiveram aumento na taxa.

O Anuário de Segurança Pública 2021 diz que o fenômeno se deveu, em parte, a mudanças na dinâmica do crime organizado. A pandemia tirou as pessoas das ruas e dos demais lugares públicos, o que provocou a diminuição dos roubos no Brasil: os de veículos caíram 27,6% em 2020; os de estabelecimentos comerciais, 27,2%; os de residências, 19,1%; e os de transeuntes, 37,9%. Como essa fonte de renda estava comprometida, os criminosos buscaram alternativas. Passaram, por exemplo, a disputar mais acirradamente os pontos de narcotráfico — movimento que agravou os conflitos entre eles. Aliada ao recrudescimento do desemprego, a piora da saúde mental e das condições financeiras da população em virtude da crise sanitária também pode ter influenciado a curva da violência letal. 

A pandemia motivou, ainda, que o Conselho Nacional de Justiça recomendasse a soltura de presos a fim de reduzir a superpopulação das cadeias e restringir a circulação do coronavírus. É possível que a medida tenha contribuído igualmente para o aumento dos assassinatos, uma vez que a libertação dos prisioneiros não se deu de maneira criteriosa, na avaliação da polícia. Detentos de periculosidade variada acabaram ganhando as ruas. No Piauí, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes cresceu justamente no período de soltura. 

Não bastasse, 29,7% dos profissionais brasileiros de segurança pública — policiais, bombeiros e guardas municipais — pegaram o coronavírus e se afastaram do trabalho. As licenças geraram um déficit na capacidade operacional dessas instituições.

Durante a pandemia, a violência sexual também cresceu entre os piauienses. O estado viu os registros de estupro subirem 10% em 2020. Roraima e Rio Grande do Norte seguiram o mesmo padrão e tiveram elevações de 19,1% e 2,4%. Todas as demais unidades federativas acusaram queda nesse indicador. Nacionalmente, a diminuição foi de 14,1%.

Na educação, salta aos olhos o fato de o Piauí — quinto estado com maior número de pessoas vivendo na extrema pobreza — pagar um salário médio de 3.501,66 reais para os professores da rede estadual. O valor supera a média nacional da categoria, que gira em torno de 3,4 mil reais. As informações são do Pindograma, site de jornalismo de dados criado em 2020 por estudantes brasileiros de universidades norte-americanas.  

Considerando o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), medido a cada biênio, o Piauí bateu a meta estabelecida pelo próprio estado para os anos iniciais do ensino fundamental (o quarto e o quinto). Em 2019, atingiu 6 pontos, bem acima do alvo de 4,5. Alcançou, assim, a nona posição no ranking nacional e a segunda no nordestino.

As dificuldades educacionais parecem se aprofundar à medida que os alunos vão crescendo. Também em 2019, nos anos finais do ensino fundamental (o oitavo e o nono), o Piauí ficou 0,1 ponto abaixo da meta de 4,4, o que o colocou na 19º posição do ranking nacional e na quinta do nordestino. No ensino médio, o estado tampouco cumpriu seus objetivos. Em 2017, projetava conquistar 3,6 pontos, mas obteve 3,3. Em 2019, pretendia chegar a 3,8 pontos, mas fez 3,7. Ocupou, dessa maneira, o 16º lugar no ranking nacional e o quarto no nordestino.

Em Teresina, o piso salarial dos professores da rede municipal é mais alto que o rendimento médio dos docentes estaduais. Depois do último reajuste de 12,84%, que vigora desde março de 2020, um profissional da prefeitura em começo de carreira ganhará 4.267,93 reais brutos por mês se cumprir uma carga horária de quarenta horas semanais.

A cidade detém, ainda, o melhor resultado do Ideb entre as capitais tanto nos anos iniciais como nos finais do ensino fundamental. Uma pesquisa da ONG Todos Pela Educação, publicada no mês passado, mostra que Teresina vem evoluindo de maneira acelerada e consistente nesse quesito. Em 2013, o município tinha um Ideb praticamente igual à média do Brasil. Já em 2019, o desempenho da cidade ultrapassou o do país em 1,7 ponto. O avanço ocorreu apesar de Teresina ser uma das três capitais que destinam menos recursos a estudantes do ensino fundamental.

A pesquisa da ONG aponta uma série de razões para o sucesso. Algumas delas: blindagem da Secretaria de Educação contra interesses partidários, o que levou ao preenchimento de cargos com nomes técnicos; manutenção das equipes mesmo após a troca de prefeitos; gestão do setor baseada em dados, aberta a parcerias e monitorada por um robusto sistema de avaliações; acompanhamento rigoroso da frequência de cada aluno; desenvolvimento de políticas para prevenir o abandono escolar; e valorização dos professores, que recebem bônus por mérito.

Procurado, o governo do Piauí preferiu se pronunciar por meio das respectivas secretarias estaduais. A de Segurança Pública informou que, nos últimos quatro anos, elaborou o primeiro Plano Estadual de Segurança Pública, cujas ações priorizam os eixos da prevenção primária, valorização do profissional de segurança pública, enfrentamento à criminalidade violenta e fortalecimento do trabalho de inteligência das polícias civil e militar. 

Já a de Educação afirmou que os números do Ideb resultam de ações implementadas nos últimos anos, como o sistema estadual de avaliação e programas de valorização da aprendizagem e formação continuada de professores. A Secretaria também destacou a diminuição do analfabetismo (de 30,50% em 2000 para 16% em 2019) e a expansão da educação profissional e do ensino superior como parte desses avanços.

Segundo a pasta, o número de escolas que oferecem Educação de Jovens e Adultos dobrou, saindo de 135 escolas em 2000 para 362 em 2021; na Educação Profissional, o Piauí expandiu a oferta de cursos técnicos de três municípios para 224; no Ensino Superior, o número de municípios com oferta de cursos subiu de 26 para 162. A secretaria acrescentou que o estado investiu recursos próprios no ensino superior, criando a Universidade Aberta do Piauí (UAPI). “O Piauí passará a ter oferta de curso superior nos 224 municípios e será um dos primeiros estados do Brasil a ter o Ciclo Completo da Educação (Infantil, Fundamental, Médio e Superior) em todos os municípios”, disse, em nota.

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