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Os poetas e suas escolas

Pois é, é carnaval. Como são lindas as canções que Paulinho da Viola, Cartola e Nelson Cavaquinho fizeram para suas escolas. Quanta inspiração! É sobre isso que vou escrever, é isso que vamos ouvir. Pra começar, vou contar brevemente como nasceram as escolas de samba que cativaram meu coração paulistano. Como não se render á beleza de Pranto de poeta? E Foi um rio que passou em minha vida?

Eliete Negreiros | 08 fev 2013_19h29
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Pois é, é carnaval. Como são lindas as canções que Paulinho da Viola, Cartola e Nelson Cavaquinho fizeram para suas escolas. Quanta inspiração! É sobre isso que vou escrever, é isso que vamos ouvir. Pra começar, vou contar brevemente como nasceram as escolas de samba que cativaram meu coração paulistano. Como não se render á beleza de Pranto de poeta? E se Foi um rio que passou em minha vida? Mário de Andrade em 1923 escreveu o poema Carnaval  Carioca, dedicado a Manuel Bandeira: “A fornalha estrala em mascarados cheiros silvos / Bulhas de cor bruta aos trambolhões/  Setins sedas cassas fundidas no riso febril… / Brasil! / Rio de Janeiro! / Queimadas de verão! / E ao longe, do tição do Corcovado a fumarada das nuvens pelo céu / Carnaval… / Minha frieza de paulista /…”. Acho este poema estranho. Fico com a impressão de que é um estrangeiro que está olhando para o carnaval do Rio, ele deve ter se sentido assim, engraçado, Mário que era tão brasileiro… Gosto da sonoridade ruidosa do poema, da sua brasilidade, apesar deste olhar quase estrangeiro, um paulistano que escreve sobre o carnaval carioca e dedica o poema a um recifense, Brasil.

Foi na primeira metade do século XIX que  surgiu o cordão carnavalesco e o carioca começou a brincar o carnaval em grupo. Os cordões eram agrupamentos democráticos onde brincavam aristocratas e escravos, gente dos bairros elegantes e gente dos bairros pobres. O grande cronista carioca João do Rio escreveu: “Os cordões são os núcleos irredutíveis da folia carioca, brotam como um fulgor mais vivo e são antes de tudo bem do povo, bem da terra, bem da alma encantadora e bárbara do Rio.”

Sérgio Cabral em As  Escolas de Samba do Rio de Janeiro cita a descrição que Renato de Almeida faz dos cordões carnavalescos: “Eram grupos de mascarados, velhos, palhaços, diabos, rei, rainha, sargento, baianas, índios, morcegos, mortes etc. Vinham conduzidos por um mestre a cujo apito de comando obedeciam todos. O conjunto instrumental era de percussão: adufos, cuícas, reco-reco etc. Os ‘velhos’ fazendo os seus passos que se chamavam letras, cantavam marchas lentas e ritmadas, do tipo ´ó raio, ó sol/ suspende a lua’, enquanto os palhaços cantavam chulas em ritmo acelerado como o ‘Qué qué querê, ó Ganga’. E atravessavam as ruas, nos dias e noites do carnaval.”

Dos cordões surgiria outra forma  de brincadeira em grupo, um pouco mais organizada: os ranchos, Isso no final do século XIX. Ilustre frequentador da casa da Tia Ciata, ao lado de Pixinguinha, Donga, Sinhô, João da Baiana, Heitor dos Prazeres, o tenente Hilário Jovino Ferreira foi um dos maiores animadores do carnaval carioca. Em 1893  fundou o Rancho Rei de Ouros. Entrevistado pelo cronista carnavalesco Vagalume, ele conta: “O Rei de Ouros, meu caro Vagalume, quando se apresentou, com perfeita organização de rancho, foi um sucesso. Nunca se tinha visto aquilo no Rio de Janeiro: porta-estandarte, porta-machado, batedores etc”. Os ranchos se espalharam e em breve dominariam o carnaval. Os cordões mais os ranchos viriam formar as escolas de samba.

Conta Cabral que a primeira escola de samba não era uma escola de samba. Paradoxo engraçado. O fato é que a Deixa Falar era um bloco carnavalesco criado no bairro do Estácio, berço de sambistas bambas como Ismael Silva e”por ter sido fundado pelos sambistas considerados professores do novo tipo de samba, ganhou o título de escola de samba. Além disso, sua sede improvisada era próxima a uma escola normal: “Esta formava professores para a rede escolar; o Deixa Falar, também escola, formava professores de samba”.

Foi a partir do polêmico Pelo telefone que o samba passou a imperar no carnaval carioca. Isto , no entanto, não excluiu outros gêneros musicais, como a marchinha, que teve seu apogeu com Lamartine Babo nos anos 30.  Alguns dos compositores que se destacaram na década de 20 foram Sinhô, Caninha, Donga, Pixinguinha.  Sinhô, “o rei do samba”, reinou absoluto nesta época. Esta foi a primeira geração. Viria em seguida o pessoal do Estácio – Ismael Silva, Bide, Barcelos – a segunda geração, que criou um novo samba, com rítmica diferente, mais fluente, propícia para os foliões dançarem nas ruas e clubes. Era este o samba do bloco Deixa falar, que também inovou na percussão, inventando instrumentos fundamentais para a bateria das futuras escolas de samba: Alcebíades Barcelos, o Bide, inventou o surdo e seria considerado um dos maiores ritmistas da época, além de consagrado compositor;  João Nina, inventou a cuíca.

De todos os compositores deste bloco, entre os quais Bide e Buci, o mais bem sucedido foi, sem dúvida, o grande Ismael Silva.  Se Você Jurar foi um grande sucesso no carnaval de 31. Linda melodia. A letra trata do tema da regeneração do malandro, um motivo recorrente nos sambas da época: a promessa de abandonar a malandragem em troca de uma jura de amor .

Se Você Jurar, Ismael Silva e Nilton Bastos, com Francisco Alves e Mário Reis

Quem também cantou o Estácio foi Luiz Melodia, isso em 1973. Um lindo samba-canção, quase um bolero, “se alguém quer matar-me de amor que me mate no Estácio”, “O Estácio acalma o sentido dos erros que faço”: Clique aqui para ouvir Estácio, Holly Estácio.

A Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira era, assim como o Deixa Falar, um bloco: como ensinava samba, era chamado escola. Entre seus bambas, Cartola, Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho, Nelson Sargento. Fundada em 28 de abril de 1929 é considerada a segunda escola de samba a ser criada. Tanto o nome como as cores, o verde e rosa, foram dados por Cartola. O nome surgiu por que a Mangueira é a primeira estação dos trens que vinham de Francisco de Sá ou Barão de Mauá. As cores eram as do Rancho dos Arrepiados, do qual Cartola fez parte. Seu nome já aparece num samba que Cartola fez para o bloco dos Arengueiros, do qual fez parte “ Chega de demanda / Com esse time temos que ganhar / Somos a estação primeira / Salve o Morro de Mangueira.

Mestre Cartola, Nelson Cavaquinho, Chico Buarque, cantaram o seu grande amor à Mangueira. Na mais que inspirada Sala de Recepção (1977) Cartola nos fala da beleza da vida simples, “Pois então saiba que não desejamos mais nada / A noite e a lua prateada, silenciosa / Ouvindo as nossas canções”, e da paz e da concórdia que ali reina pois “ aqui se abraça o inimigo/  como se fosse um irmão”:

Sala de Recepção, Cartola, com Cartola e participação de Creuza

Verde que te quero rosa, Cartola e Dalmo Castelo (1977) com Cartola

Fiz por você o que pude, com Cartola e Paulinho da Viola.

Folhas Secas, Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, com os dois

Pranto do poeta, Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito, com Nelson Cavaquinho

Estação Derradeira, Chico Buarque

Piano na Mangueira, Tom Jobim e Chico Buarque, com Jamelão e Chico

Piano na Mangueira, com Tom e Chico.

Pode-se dizer que Paulo Benjamin de Oliveira, o Paulo da Portela (1901-1949) tornou-se um mito. Carioca, ainda jovem foi morar no subúrbio de Oswaldo Cruz. Foi ele que, em 1926, juntamente com Rufino e Antonio Caetano, fundou o “Conjunto Carnavalesco Escola de Samba Oswaldo Cruz, semente da futura Portela, segundo relatam João Baptista M. Vargen e Carlos Monte no livro A velha guarda da Portela: Paulo imprimiu seu modo de ser, polido e educado, aos companheiros, que se aproximavam e somavam esforços para dar corpo à ideia dos três pioneiros. Era um líder natural e seus métodos de comandar a turma era bem diferente dos utilizados pelos sambistas do centro da cidade. Primava pela elegância e pela fidalguia e cunhou a frase que até hoje é lembrada por seus discípulos da Portela ‘Quero todo mundo com os pés e o pescoço ocupado!’ Paulo fazia questão de que os componentes da Portela não desprezassem o uso do sapato e da gravata”.Dentre os bambas da Portela, estão Paulinho da Viola, Candeia e Zé Kéti, Alvaiade e Argemiro, Casquinha e Monarco, Jair do Cavaquinho e Mijinha.

Linda Borboleta

Cocorocó, Paulo da Portela com Clementina de Jesus e Roberto Ribeiro

Este modo elegante de ser continua existindo entre os portelenses. Basta lembrar Paulinho da Viola. O amor imenso de Paulinho da Viola pela Portela foi cantado num samba antológico: Não posso definir aquele azul, não era do céu, nem era do mar / Foi um rio que passou em minha vida / E meu coração se deixou levar”. Este ano a Portela homenageia Paulinho da Viola, sucessor de Paulo da Portela, sambista genial que soube, como ninguém, conciliar tradição – a Velha Guarda da Portela- com inovação. Num de seus sambas, ele explica seu modo de ser e compor: “Quando penso no futuro / Não esqueço meu passado”.

De Paulo da Portela a Paulinho da Viola, Monarco e Francisco Santana, com Monarco e Velha Guarda da Portela

Clique aqui para ouvir Passado de Glória, de Monarco, com Monarco e Velha Guarda da Portela

Filme O mistério do samba, de Carolina Jabor e Lula Buarque de Holanda

A jaqueira da Portela, Zé Kéti, com Paulinho a Viola, LP Paulinho da Viola ( 1975)

Foi um rio que passou em minha vida, Paulinho da Viola. Cena do Filme Meu tempo é hoje,  de Izabel Jaguaribe, com Paulinho da Viola e Velha Guarda da Portela

Samba enredo da Portela 2013, Madureira, onde meu coração se deixou levar, de Luiz Carlos Maximo, Tuninho Nascimento, Wanderley Monteiro, André do Posto 7

 

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