Não é a reforma no tríplex do Guarujá nem a remodelagem do sítio em Atibaia. Aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que dividem com ele os momentos de reflexão sobre a crise que o arrastou para o centro das investigações da Lava Jato, enumeram os “verdadeiros” pecados do ex-presidente. Em todos eles, Lula é vítima da imprensa e de instituições como Polícia Federal e Ministério Público.
O primeiro pecado de Lula, dizem, foi não fomentar a criação de veículos de comunicação de massa alinhados ao seu governo, que servissem de contraponto à cobertura feita pelas principais rádios e tevês. O ex-presidente, avaliam esses petistas, deveria ter “encorajado” – leia-se, acenado com verbas – empresários simpáticos ao partido para que comprassem uma emissora de tevê ou um jornal no circuito Rio-São Paulo. Lula também deveria, dizem, ter mantido uma porta aberta com a Globo. “Lula achava que resolvia tudo com um telefonema para o João Roberto (Marinho, vice-presidente do Grupo Globo). O João Roberto, com aquela cara cândida, dizia sempre que não sabia de nada, que aquele era um problema da redação. Temos enormes instrumentos de dialogar com os caras. Se tivéssemos criado uma política mais complexa, pelo menos os constrangeríamos na hora de falarem mal de nós”, disse um ex-ministro de Lula.
Segundo essa visão, muito comum entre amigos e colaboradores do ex-presidente, Lula deixou o bonde passar em 2003, quando a Globo estava endividada e reestruturando a sua dívida, em dólar. Recém eleito, o petista deveria ter usado a força do governo num momento de fragilidade do grupo para criar uma relação mais forte entre ele e a família Marinho.
Na contramão dessa estratégia, Lula nomeou Franklin Martins ministro da Comunicação Social em seu segundo mandato e aumentou o fosso com o maior grupo de comunicação do país. Ex-funcionário e desafeto da Globo, Franklin defendia o fortalecimento da Record como contraponto ao império dos Marinho. Além disso, insistiu no projeto de regulamentação da imprensa, criando uma queda de braço com os principais veículos de comunicação do país. “Foi uma brutal perda de tempo”, avalia o ex-ministro.
O segundo pecado de Lula, na opinião dos aliados, passa pela escolha do procurador-geral da República, responsável por apresentar denúncias contra o presidente e políticos com foro privilegiado. Ao assumir o governo, em 2003, Lula resolveu nomear para o cargo de procurador-geral o vencedor de uma votação organizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Até então, o presidente escolhia o procurador que lhe fosse mais conveniente. FHC indicou por quatro vezes Geraldo Brindeiro, ignorando, inclusive, a votação da ANPR, na qual o seu escolhido não ficou nem entre os três primeiros colocados. Com a decisão de Lula, os procuradores passaram a fazer política entre os seus pares em busca de votos, ignorando a bajulação presidencial. Passaram a atuar no ataque, deixando para o folclore político o papel de “engavetador-mor da República”, apelido pelo qual Brindeiro ficou conhecido ao não dar prosseguimento às investigações que não interessavam a FHC.
O modelo escolhido por Lula teria se voltado contra ele mesmo, em 2007, quando o então procurador-geral Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, indicado por ele em 2005 e reconduzido ao posto em 2007, foi autor da denúncia do mensalão, que enviou para a cadeia a cúpula do PT.
Por fim, Lula teria “provado do seu próprio veneno”, segundo um alto dirigente do PT, com a criação da Controladoria-Geral da União, que investiga desvios da própria administração (terceiro pecado), e a reestruturação da Polícia Federal, proposta por seu ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que descentralizou os inquéritos e reaparelhou sua estrutura (quarto pecado).
No caso da PF, a situação foi agravada pela gestão do atual ministro José Eduardo Cardozo, considerado fraco por Lula. O ex-presidente diz que Cardozo não controla a polícia. A gota d’água veio no ano passado, com a intimação, às 23 horas, de seu filho caçula, Luís Cláudio, para depor no inquérito da Operação Zelotes, que apura a venda de medidas provisórias para o setor automobilístico. Pressionado por Dilma, Cardozo teve de pedir aos delegados do caso uma apuração para saber se houve abuso. Recebeu como resposta um material, com literatura internacional e um Manual dos Oficiais de Justiça, mostrando que a prática era comum. Para ódio de Lula, Cardozo considerou que não haveria razões para punir ninguém. Mas pediu à PF que fizesse uma proposta de normatização das intimações.
Hoje, o ex-presidente teria de comparecer ao Fórum da Barra Funda, em São Paulo, para prestar depoimento na investigação aberta pelo Ministério Público Estadual sobre a compra do tríplex do Guarujá. Uma liminar, porém, prorrogou o seu depoimento. Ainda assim é pouco provável que, quando estiver na frente dos promotores, Lula admita quaisquer outros pecados além dos descritos acima.