Em plena época dos redemoinhos no sertão, as bandeiras do Brasil, do Ceará e de Jaguaribara passaram a segunda-feira (6) tomando sol e vento – e ao amanhecer do dia 7 estavam hasteadas na Praça dos Três Poderes no município a 250 km de Fortaleza. Primeira cidade planejada do Ceará, Jaguaribara renasceu em 2001 depois que a antiga sede foi alagada pela barragem do Açude Castanhão. Pelo traçado largo das ruas, pelas rotatórias e curvas, alguns a chamam de “a Brasília do sertão” – e ela também concentra seus eventos mais importantes na Praça dos Três Poderes.
Se na praça homônima em Brasília a noite de 6 para 7 de setembro teve a marca da invasão à Esplanada dos Ministérios, na cidade sertaneja a véspera do feriado também foi animada, mas por outros motivos. No grupo “Jaguaribara de ontem e de hoje”, os mais de 1,3 mil participantes começaram a postar fotos de antigos desfiles do dia da Independência. O desafio era vasculhar os álbuns, tirar uma foto dos desfiles e postar também. Nos comentários, os participantes tentavam reconhecer as pessoas nas fotos e celebravam com saudosismo as boas lembranças. As fotos eram de datas diferentes, algumas mais atuais, outras das décadas de 1980 ou 1990. Em uma delas, três jovens estudantes seguram um cartaz escrito em letras garrafais vermelhas “povo organizado jamais será pisado”. O grupo se mobilizou depois do convite da Secretaria de Educação para que a população e, sobretudo, a comunidade escolar assistisse ao hasteamento dos pavilhões marcado para a manhã seguinte. Enquanto a Brasília de Bolsonaro adormecia ao som dos carros buzinando em apoio ao presidente, a Brasília do sertão era embalada pelo cacarejar fora de hora dos galos e pelas lembranças dos Setes de Setembro em tempos sem pandemia nem Bolsonaros.
Depois da noite de lembranças, o feriado começou com a cerimônia do hasteamento das bandeiras. A cidade de pouco mais de 11 mil habitantes amanheceu ensolarada como sempre. Às 7 horas, já havia gente chegando à frente da prefeitura, mas, por causa da pandemia, o evento deste ano foi menor. Cada uma das catorze escolas do município mandou poucos representantes, todos usando máscaras. Os desfiles costumam marchar dos colégios até o mastro das bandeiras na Praça dos Três Poderes e tratam de temas discutidos em cada série escolar. Figuras importantes na história da cidade também são representadas. As professoras têm que segurar as rédeas para que os jovens mantenham a organização.
O tema escolhido para as apresentações dos cartazes das escolas neste ano foi “a importância da vacinação da Covid-19”. A principal figura do evento foi o Zé Gotinha, símbolo da vacinação contra a poliomielite. As crianças carregavam corações de isopor em verde e amarelo com dizeres sobre a vacina. “Vacinar é um ato de amor”, dizia um dos cartazes firmemente segurado à frente da escadaria da prefeitura por um rapazinho minúsculo, do ensino infantil, vestindo a farda de uma das escolas municipais. O maior cartaz do evento exaltava os profissionais da saúde da cidade e ficou ao lado de uma das porta-bandeiras da única escola de ensino médio da cidade, o Liceu José Furtado de Macêdo. Nas redes sociais da prefeitura, os alunos ausentes registravam sua presença por comentários na transmissão ao vivo do evento.
A única turma que escolheu representar um tema diferente das vacinas foi uma já do ensino fundamental, que optou por falar do setembro amarelo, mês dedicado à saúde mental e à prevenção do suicídio. “Você importa” e “tire um tempo pra cuidar de você” eram as mensagens. A cerimônia de hasteamento das bandeiras foi iniciada por uma professora de história. Depois os presentes cantaram os hinos do Brasil e da cidade. O secretário de Educação, Alexandre Sena, o prefeito Joacy Alves e a presidente da Câmara, Mazé Martins, hastearam as bandeiras. “Hoje o Brasil comemora 199 anos de Independência, mas ainda estamos lutando para aperfeiçoá-la. Vivemos num país democrático que, embora tenhamos conquistas, muita coisa precisa melhorar”, discursou Alves.
Em Jaguaribara, como em muitas cidades do interior do Brasil, o Sete de Setembro é uma data marcada por desfiles cívicos das escolas e apresentações das bandas municipais. Na cidade do maior açude para múltiplos usos da América Latina, o feriado também já foi palco de reivindicações. Na época da construção do Castanhão, por exemplo, a população viu a possibilidade de levar os questionamentos para as ruas. “O Sete de Setembro era o espaço das reivindicações irem às ruas e de contar a nossa história”, relembra a pedagoga Francilene Vieira. Ducimar de Sousa, de 60 anos, ex-bailarina, lembra que passava meses ensaiando com sua turma para que pudessem, finalmente, desfilar nas ruas do centro da cidade. “A cidade inteira parava pra ver, quem não estava desfilando estava nas calçadas olhando”, lembra. “A gente organizava a farda para desfilar com antecedência, era um momento de muita expectativa, de muita euforia. Cada ala contava um pouco da nossa história.” Na época, Jaguaribara atravessava um período de risco iminente de ser demolida e inundada – o que acabou acontecendo em 2001, com a construção do Castanhão.
O desfile em Jaguaribara acabou por volta das 9 horas. Enquanto os alunos e professores iam embora caminhando pelas ruas da cidade sertaneja com os cartazes sobre a vacina e saúde mental ainda em mãos, Bolsonaro desfilava num Rolls-Royce pelas ruas de Brasília e era aplaudido por seus apoiadores, quase todos sem máscaras.
Em Fortaleza, manifestantes pró-Bolsonaro se reuniram nos arredores da Praça Portugal, no coração do bairro Aldeota, um dos mais ricos da cidade. Rodeada de prédios comerciais e lojas, a praça é um conhecido ponto de encontro dos bolsonaristas. Os manifestantes vieram em carreata desde o estádio Castelão e se concentraram na praça durante toda a manhã. O deputado federal Capitão Wagner (Pros), um dos apoiadores do motim da Polícia Militar no Ceará em 2020, lançou sua candidatura ao governo do estado.