A Sagração da Primavera – Igor Stravinsky
A Sagração da Primavera por Pina Baush
Em 1982 Arrigo produziu meu primeiro LP, Outros Sons, onde gravei as músicas dos então novos compositores, Arrigo, Itamar, Passoca, Paulo Barnabé e uma mini antologia da canção popular. Este trabalho, Arrigo chamou de primitivo-futurista, partindo da música Pipoca Moderna, na gravação de Caetano Veloso, onde há um entrelaçamento do antigo e do novo, da música que vem do folclore e da letra concretista de Caetano.
A música Outros Sons, de Arrigo e Carlos Rennó era, em si mesma, um manifesto: uma nova sonoridade era criada a partir da incorporação de procedimentos musicais e literários da arte de vanguarda à música popular brasileira, com alusão à Sagração da Primavera de Stravinsky. Composição atonal, com rítmica avassaladora, sonoridade percussiva, coloração timbrística original Outros Sons é um ritual que sagra o encontro entre o primitivo e o moderno, o som dos tambores, rataplãs retumbantes tã-tãs tumbadoras tambores, sacra sã sangração sagra o clã em clamantes louvores, a música de Stravinsky e a literatura de James Joyce, bababadalga ragta kami naron, konbtonton neron tuon tun trovar, nons kon, o som da queda, Finnegans Wake. No meio do rito, aparece também um super-herói: oh yeahvoé shazam!
Em Peiote, baião atonal de Paulo Barnabé, há uma alusão ao Canto dos Adolescentes, de Stockausen.
E também a citação da canção n.8, Noite, de Pierrot Lunaire, de Arnold Schoenberg, numa recriação de Augusto de Campos. Pierrot Lunaire (1912) foi composta para um ciclo de poemas de Albert Giraud, simbolista belga. O canto é uma declamação, um canto falado: na partitura só há uma indicação aproximada das notas. É o canto melancólico de um pierrot apaixonado, que vivia só cantando, versão moderna, expressionista e angustiada daquela canção de Noel Rosa e Heitor dos Prazeres:
Uma atmosfera impressionista surge na canção de Robinson Borba, Coração de árvore, um fandango com harmonia sofisticada:
O lirismo ingênuo e sofisticado está presente no som da viola da moderna moda de Passoca, Sonora Garoa:
E de meu amigo Itamar Assumpção gravei Fico Louco.
Na parte dedicada à canção popular, brasileira e americana, as canções que escolhemos foram cantadas por Orlando Silva e Sylvinha Telles. Dentre estas, a versão que Haroldo Barbosa fez de Beguin the beguine, de Cole Porter, gravada por Orlando Silva. Aprendi esta canção ouvindo Orlando Silva e Ella Fritzgerald.
Outros Sons foi chamado pela crítica musical de Novo Tropicália porque nele se realiza uma síntese do que estava acontecendo musicalmente em São Paulo no final dos anos 70 e início dos 80, a chamada vanguarda paulista. Com uma nova linguagem, quebramos as barreiras entre a dita cultura de elite e a cultura popular, entre o velho e o novo e convocamos os novos músicos e letristas para esta sagração.
Antropofagicamente, ao som de trumpetes e tambores, devoramos Stravisnsky, Schoenberg, James Joyce, felizes e velozes, vorazes e ferozes. Pipoca moderna. Pipoca aqui, ali, pipoca além. Desanoitece a manhã? Tudo mudou?