Desde a última quarta-feira, dia 3 de maio, o e-mail, o inbox do Facebook e a caixa de mensagens do celular de James Green, professor de história latino-americana da Brown University, estão abarrotados. Em suas postagens nas redes sociais também passaram a transbordar comentários do tipo: “Aeeee Dilminha!” “Cuide bem dela…” “Mais amor, menos golpe.” “Que lindo! Ela merece.” “James, so now you’re Dilma’s new affair?”
Por telefone, ele parecia bem-humorado quando perguntei sobre o assunto. “Não ouviu a boa notícia? Eu e Dilma vamos nos casar!”, disse-me em tom de troça. E emendou: “Sabe que a gente realmente se deu muito bem? Ela é tão inteligente, a gente teve conversas maravilhosas. Ela conhece melhor os impressionistas franceses do que eu, e olha que eu conheço bem”, disse.
Naquele dia, uma reportagem no portal RD1 dera o tom da balbúrdia: “Saiba detalhes sobre o novo affair de Dilma Rousseff.” A matéria tinha uma galeria de fotos da dupla – em frente ao Lincoln Center em Nova York, juntos no sebo The Strand, abraçados num restaurante. O texto, citando “duas fontes […] que preferem não ser identificadas”, dizia que o professor estava “encantado” pela ex-presidente e que os dois ficaram “inseparáveis” durante a turnê dela por várias faculdades norte-americanas. “Mas é claro que estávamos inseparáveis, eu estava ajudando a organizar as palestras, passei vários dias como o intérprete dela”, disse James – conhecido como Jim pelos amigos norte-americanos e Jimmy pelos brasileiros. A única resposta que ele deu para os veículos de comunicação e curiosos querendo saber do romance: “Bobagem.”`
Os dois haviam se conhecido no dia 7 de junho do ano passado. Foi num evento em que um grupo de historiadores foi até o Palácio da Alvorada, residência oficial, para manifestar sua solidariedade com a presidente, afastada da função desde a votação do dia 12 de maio. Green, autor do livro Apesar de Vocês, sobre a resistência à ditadura brasileira que partiu dos Estados Unidos, e de Além do Carnaval, uma história da homossexualidade masculina no Brasil, foi o último a falar, sentado ao lado esquerdo de Dilma. “Foi uma mesa lotada de acadêmicas e ativistas incríveis. Estava bem ansioso, como sempre, quando falo em português. Tem que acertar o gênero, se é ‘o’ ou ‘a’, se tem que usar o subjuntivo… E eu falei da solidariedade internacional, e de como, enquanto ela estava sendo submetida à tortura no Brasil, pessoas nos Estados Unidos estavam se mobilizando em solidariedade. Eu estava tão tenso que nem olhava para ela, mas as pessoas comentaram comigo depois que ela estava prestando muita atenção.”
Depois das palestras, Green comentou com a ex-presidente que estava escrevendo um livro sobre Herbert Daniel, companheiro de luta com quem ela morou na clandestinidade no Rio de Janeiro em 1969. O livro, Brazilian Gay Revolutionary: The Life and Times of Herbert Daniel, sairá em breve pela Duke University Press. Dilma ficou encantada ao saber do tema do livro e topou ser entrevistada sobre o amigo e o período da clandestinidade. Duas semanas mais tarde, James voltou ao Alvorada, desta vez para um encontro particular. Dilma parabenizou-o pelo manuscrito, disse ter passado três noites seguidas lendo. O que era para ser uma entrevista de 45 minutos acabou sendo uma conversa de duas horas e meia.
“Já que eu estou pesquisando esse livro há oito anos, conheço até detalhes que Dilma nem lembrava mais”, relembrou Green. “Ela falava: ‘Você conhece melhor minha vida em 1969 do que eu!’” Por meio de depoimentos de presos políticos e relatórios policiais, o professor havia reconstruído uma sequência de eventos e encontros sigilosos do grupo revolucionário do qual Dilma e Herbert Daniel participaram. De forma tangencial, a pesquisa dele abriu uma porta para o passado da ex-presidente, para um ano em que ela vivia as suas convicções da forma mais intensa possível. “Ela me contou lá em Brasília que 1969 foi um dos melhores anos da vida dela.” Green ficou incrédulo. No ano seguinte, ela seria presa e torturada no Departamento de Ordem Política e Social, o Dops. “Mas estávamos vivendo o que acreditávamos”, Dilma explicou.
O que ajudou a aproximar os dois foi o fato de, o próprio Green, ter militado contra a ditadura dentro do Brasil no final dos anos 70, e ter ajudado a organizar uma campanha internacional reunindo acadêmicos contrários ao processo de impeachment. “Acho que ganhei um amigo novo”, Green lembra dela comentar no final da conversa.
O reencontro dos dois se deu no mês passado. Dilma deu palestras em nove universidades na Costa Leste norte-americana, entre elas a Brown, onde James dá aula. Depois do evento na Brown, em Providence, Rhode Island, ela discursou na City University of New York. No dia de folga da ex-presidente em Nova York, o estudioso a levou para passear no Central Park (“já que sei que ela gosta de exercício físico”), ao Metropolitan Museum of Art, e ao Lincoln Center, onde assistiram a uma produção de Eugene Onegin (“Ela adora ópera e eu também”). Os dois se viram novamente quando a ex-presidente deu uma palestra em Harvard, no final da viagem. Green fez as vezes de intérprete quando Dilma se encontrou com Jane Sanders, mulher de Bernie Sanders, e com o ator Danny Glover. “E foi só isso. Foi uma temporada muito agradável.”
Em conversas com amigos e em textos do Facebook, o professor americano frisa o quanto Dilma não se parece em nada com a imagem que pintam dela, de ser uma mulher severa e inarticulada. “Ela é brilhante”, disse enfaticamente. Relatou que Dilma quis comprar um livro sobre Lord Palmerston, primeiro ministro da Inglaterra em meados do século XIX, para entender melhor a política dele em relação à Guerra Civil norte-americana. Foram para The Strand – daí a foto dos dois folheando livros – e fuçaram nas prateleiras até achar um tomo dedicado ao tema. “Daí ela falou, ‘Preciso de mais contexto’, e fomos atrás de mais três ou quatro livros sobre a história da Grã-Bretanha no século XIX para que ela pudesse entender melhor a conjuntura política.” Green também rejeita a imagem da ex-presidente como durona, descrevendo-a como divertida e engraçada. Foi com o intuito de desfazer essas percepções negativas que ele escreveu uma postagem no dia 23 de abril sobre a visita de Dilma e o tempo que passaram juntos:
[…] eu sempre tive dúvidas e críticas em relação aos governos de Lula e Dilma. Porém, o que mais me impressionou durante esta semana intensa de eventos, reuniões e interações foi a crença firme de Dilma na democracia. As pessoas que viveram o choque elétrico do regime militar, a censura da imprensa, os decretos arbitrários e os silêncios impostos sobre a nação compreendem que sem democracia não há justiça e sem justiça real e igualdade socioeconômica não há democracia.
A pessoa que eu tive a honra de conhecer um pouquinho nesta última semana é profundamente honesta e uma pessoa íntegra. Estou muito grato pela oportunidade de compartilhar este tempo com ela. […]”
Ao terminar de relatar o tempo que passaram juntos, o tom de Green mudou. “O curioso sobre esse boato [do namoro] é que reflete toda a misoginia que ronda a Dilma. Tem a percepção de que uma mulher não pode ser livre e independente, que ela tem que ter sempre algum homem para apoiá-la. Daí quando ela aparece com qualquer pessoa, surge essa especulação imediata sobre um relacionamento romântico, se ela vai casar.”
James disse não saber quem poderia estar por trás das informações passadas à RD1. “Não tenho ideia. Ah, vai, é ridículo.” Quanto à foto em que os dois aparecem abraçados no restaurante: “Eu tinha passado o dia inteiro fazendo crowd control de todas as pessoas que queriam tirar foto com ela. À noite eu me dei conta de que não tinha nenhuma foto com ela, aí pedi para tirarem.” E na foto em que ele aparece do lado dela numa das palestras, contemplando-a com evidente admiração: “Claro que admiro ela! Ela foi presidente do Brasil e lutou contra a ditadura. Admiro todos os que lutaram.”
Antes de desligar, perguntei de outra pessoa que talvez se interessasse com a notícia dessa nova amizade: Moshe Sluhovsky, o companheiro de Green, com quem está casado há 24 anos. “Ele está super ciumento”, brincou, “e a Dilma disse que ele tem toda a razão para estar.”