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    FOTO: SERGIO LIMA_FOLHA PRESS

questões da política

Para onde levam as pistas de Cerveró

Inquérito da Comissão de Valores Mobiliários pode corroborar a versão de Cerveró sobre a compra da Ipiranga pela Petrobras

Malu Gaspar | 10 jun 2016_18h12
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É do ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, uma das expressões mais repetidas nos bastidores da Operação Lava Jato: “Você puxa uma pena, vem uma galinha.” Desde que Zavascki disse isso, em julho passado, várias galinhas já foram descobertas, expondo mais e mais ramificações do Petrolão. Na delação de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras e da BR Distribuidora, divulgada na semana passada, há um galináceo esperando para vir à luz: a compra da Ipiranga pela Petrobras, em 2007, por 4 bilhões de dólares. Segundo Cerveró, o mercado estimava que a empresa valia, na época, 2 bilhões de dólares. O ex-diretor classificou a operação como “um escândalo” e disse que a compra levantou questionamentos dentro da própria estatal. “Houve um constrangimento muito grande, mas houve uma discussão. A própria Dilma questionou”, declarou Cerveró aos procuradores.  “Eu era contra, mas não quer dizer que meu voto fosse… Estava resolvido.” O ex-diretor afirma ter ficado sabendo que parte do dinheiro envolvido na transação foi desviado para o PT.

Como em alguns de seus relatos, Cerveró não apresenta provas do que diz. Mas há peninhas soltas por aí, caso a Lava Jato queira procurá-las. Várias podem ser encontradas no inquérito RJ/2009/01, conduzido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o xerife do mercado de capitais brasileiro. Ele foi aberto a partir de uma reclamação dos acionistas minoritários da empresa, que alegaram ter recebido bem menos por suas ações do que os majoritários. Em junho passado, contra a recomendação dos técnicos, o colegiado da CVM absolveu os investigados.  Mas, antes de fazê-lo, a comissão produziu milhares de páginas de documentos detalhando as negociações. piauí teve acesso à papelada e encontrou mensagens que podem corroborar a versão de Cerveró.

Num e-mail do dia 26 de novembro de 2006, quando a Petrobras ainda começava a formular sua proposta de compra, o gerente da estatal que respondia pela rede de postos questionou o assessor financeiro sobre a forma como ele estava calculando o preço da Ipiranga. Contratado pela presidência da Petrobras e respondendo diretamente ao então presidente José Sergio Gabrielli, o assessor financeiro havia considerado em suas contas que a Ipiranga ganhara participação de mercado, quando na verdade, segundo os técnicos da Petrobras, ela estava era perdendo espaço, e as margens de lucro estavam diminuindo. “Precisamos olhar também o curto prazo para entendermos o quadro como ele realmente é e apresentar uma proposta que retrate o que a Ipiranga realmente vale”, disse o gerente da rede de postos no email.

Técnicos que avaliaram a aquisição na época me disseram que os meses seguintes foram de intensas discussões sobre o valor da compra, até que, no início de 2007, numa reunião com o pessoal da BR Distribuidora, a equipe de petroquímica e os assessores da presidência, o diretor de abastecimento Paulo Roberto Costa e o presidente Gabrielli encerraram a polêmica. Disseram que a aquisição era estratégica e tinha de ser feita.

A Petrobras ainda contratou um avaliador independente para determinar qual seria o preço justo a ser pago pela Ipiranga. Mas, segundo mostram os documentos coletados pela CVM, o avaliador e a assessoria contratada pela estatal fizeram reuniões que levaram os técnicos da CVM a suspeitar que estava havendo uma combinação destinada a corroborar os preços que a presidência da Petrobras queria pagar – e não uma avaliação verdadeiramente independente. A proposta formal de compra foi aprovada pelo conselho da estatal em 18 de março de 2007. No dia seguinte, foi divulgada e aceita pela Ipiranga. O contrato foi assinado de madrugada, sem que ninguém exigisse uma auditoria nos números da empresa comprada.

Os documentos da CVM estão anexados também ao processo que os acionistas minoritários movem contra os controladores da Ipiranga, o que deu origem a uma disputa bizarra. A Petrobras, apesar de não ter nada a ver com a ação, tenta impedir que o material da CVM seja avaliado pelos peritos judiciais, alegando que os dados ali contidos são sigilosos e estratégicos. Como teve o pedido indeferido na primeira e na segunda instâncias, a estatal recorreu ao Superior Tribunal de Justiça. Conseguiu uma liminar, mas até agora o ministro do STJ responsável pelo caso não julgou a questão em definitivo.

Depois da aquisição, a Petrobras repartiu os postos de combustível com o grupo privado Ultra, até então concentrado na distribuição de gás de cozinha, e dividiu a área de petroquímica com a Braskem, empresa em que era sócia da Odebrecht.  Nos meses seguintes, a Petrobras compraria outra petroquímica, a Suzano, por mais do que dobro do valor da empresa na Bolsa. No final de 2007, o setor petroquímico havia sido todo reorganizado e dividido entre a Braskem, que se tornou a maior do país, a Unipar, segunda maior, e a Petrobras. Em 2010, a Braskem comprou as participações acionárias da Unipar e ficou praticamente sozinha no mercado, dividindo espaço apenas com a Petrobras. Ao que tudo indica, puxando as peninhas do caso Ipiranga, a Lava Jato corre o risco de descobrir não só uma galinha, mas a granja inteira.

*

No início de maio, Eike Batista foi a Curitiba, acompanhado de um advogado, oferecer-se para depor. Soube que os investigadores da Operação Lava Jato estavam analisando seus negócios e tentou se adiantar. Na conversa, tentou descobrir o que os procuradores já sabiam sobre o grupo X. Mas continuou no escuro – e não prestou depoimento.

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