Dentro do Pará há um Rio de Janeiro de fazendas griladas em áreas protegidas da União, como parques, florestas nacionais e terras indígenas. Entre 2018 e 2021, ao menos 91 mil cabeças de gado saíram dessas áreas griladas e se juntaram a animais criados legalmente em outras fazendas, seguindo para exportação para vários países do mundo. O problema maior é que os frigoríficos só costumam fiscalizar a procedência direta da carne, ignorando a “lavagem da boiada”: o grileiro vende o gado para uma fazenda legalizada, que por sua vez repassa o animal para o frigorífico, esquema mostrado na reportagem A lavagem da boiada, publicada na piauí_190. Os dados são do levantamento inédito feito pela piauí, em parceria com o Center for Climate Crime Analysis (CCCA), o Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP) e a agência Fiquem Sabendo. Dos 10 maiores frigoríficos do país, 6 adquiriram gado de terras públicas griladas nos últimos anos, e cerca de 2 mil foram criados em propriedades multadas pelo Ibama por desmatamento ilegal. O =igualdades desta semana desenha como funciona a “lavagem da boiada”.
De 2018 a 2021, as fazendas em áreas griladas dentro de unidades de conservação e terras indígenas no Pará totalizavam 4,95 milhões de hectares. Em comparação com estados, o número é equivalente à área total do Rio de Janeiro.
Nos últimos três anos, ao menos 91.238 cabeças de gado saíram de áreas griladas no estado do Pará. A quantidade encheria 2,5 mil caminhões trucks que, se colocados em fila, somariam 35 km de extensão – distância da Barra da Tijuca, localizada na Zona Oeste do Rio de Janeiro, até a cidade de Niterói.
Abatidas, as cabeças de gado que saíram de terras públicas griladas no Pará gerariam 22,8 mil toneladas de carne. O suficiente para garantir a fonte proteica da merenda escolar da rede pública municipal de São Paulo em aproximadamente 9 meses. Diariamente são consumidas, em média, 80,4 toneladas de proteínas (carnes e ovos) na alimentação dos alunos.
O Termo de Gerenciamento e Conduta da Carne (TAC) é um acordo firmado entre frigoríficos e o Ministério Público Federal em 2013 para tentar evitar a compra de gado diretamente de áreas invadidas ou desmatadas na Amazônia. Entre 2018 e 2021, as 31 empresas assinantes do Pará adquiriram 81% das 91 mil cabeças de gado ilegal – 73.812 – por via indireta, ou seja, de frigorificos que compram das fazendas griladas.
Entre 2018 e 2021, seis dos dez maiores frigoríficos do Brasil compraram indiretamente gado oriundo de terras públicas griladas e desmatadas no Pará – esses grandes compram de pequenos frigoríficos, que por sua vez compram de fazendas em áreas griladas. A empresa JBS foi quem mais adquiriu animais – cerca de 21 mil. Com 12 mil comprados, a Marfrig ficou em segundo lugar. A Masterboi fechou o pódio – 8 mil cabeças de gado adquiridas.
No ano passado, cerca de 1,6 milhões de hectares desmatados foram registrados no Brasil. Com 980 mil hectares de terra alvos do desmatamento, a Amazônia foi responsável por dois terços do total brasileiro. Campeão entre os estados, o Pará correspondeu a um quarto das áreas desmatadas no país – 402,5 mil hectares.
Para criar gado na Amazônia, 1 hectare recuperado é três vezes mais produtivo do que 1 hectare desmatado. Criam-se três cabeças de gado em 1 hectare de pasto reformado ao custo de 3 mil reais, enquanto, para criar os mesmos três animais, é preciso desmatar 3 hectares ao custo total de 4,5 mil reais – 50% mais caro.
Fonte: piauí; CCCA; OCCRP; Fiquem Sabendo; IBGE; Município de São Paulo; MapBiomas; Imazon