Há duas semanas (21/5/13), em Salvador, o projeto Sala de Música promoveu a exibição do documentário , para um grupo de cerca de 100 alunos de uma escola pública da periferia, todos devidamente uniformizados. Alguns, já com 17/18 anos, fazendo o curso supletivo do Ensino Fundamental; outros, com 15/16 anos, cursando o Ensino Médio.
Felizes com a rara oportunidade de uma atividade fora da escola, e mais ainda com a expectativa do lanche a ser servido depois da projeção, os alunos assistiram ao filme, nos momentos em que havia alguém falando, em relativo silêncio e aparente atenção. Na maior parte do tempo, porém, durante o qual Paulo Moura toca 25 composições do seu repertório, conversaram uns com os outros, relegando as execuções instrumentais a música de fundo.
Pouco antes do fim da projeção, ouviu-se uma barulheira do saguão, parecendo que um tumulto estava para irromper dentro do cinema. Gritos e assobios de protesto foram num crescendo por alguns instantes até que o silêncio anterior, de repente, voltou a reinar.
A revolta, soube-se em seguida, foi provocada por um trecho do filme sem imagem, em que a tela fica preta durante 30 segundos e o narrador diz: “Não fomos autorizados a incluir a gravação do sarau de despedida de Paulo Moura feita em julho de 2010. Também não foi possível usar algumas cenas de arquivo, por ter sido negada autorização pelos detentores dos direitos. Poderes mesquinhos tentam controlar o passado e apagar nossa memória.”
Teria sido lindo se o protesto dos estudantes tivesse sido uma manifestação de solidariedade com as vítimas dos poderes mesquinhos. Mas não foi. Na verdade, reclamaram por terem achado que a tela preta era um defeito da projeção.
Para coroar a tarde educativa, na qual ficou explícita a defasagem entre altos propósitos narrativos e dificuldade de discernimento de uma pequena amostra do povo, uma das professoras que acompanhava os alunos declarou que possivelmente, depois de terem visto o filme, eles não soubessem que tinham ouvido música brasileira. Segundo ela, música brasileira, para eles, seria apenas pagode e funk.
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No mesmo dia, à noite, houve outra sessão do outro lado da cidade, também promovida pelo projeto Sala de Música, no Cine Vivo, no Shopping Paseo Itaigara. Dessa vez, aberta ao público, com ingressos gratuitos. Ainda assim, poucos espectadores, ocupando talvez um terço da sala, entre eles Zeca Freitas, autor da música Alma brasileira. Visto com atenção, em silêncio, a receptividade pareceu positiva e não houve protestos quando a tela fica preta por 30 segundos.
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São dois mundos à parte, com os quais o filme não se comunica da mesma maneira.
Foto Luiz Garrido/Divulgação