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    Ataque contra o escritor Salman Rushdie, nos Estados Unidos Foto: Reprodução de redes sociais/Mary Newsom

anais da violência

Pela liberdade de dizer

Depois do atroz ataque contra o escritor Salman Rushdie, o Nobel de Literatura da Turquia faz seu pequeno libelo em defesa da liberdade de expressão

Orhan Pamuk | 15 ago 2022_18h20
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Tradução de Isa Mara Lando

 

Nos últimos vinte anos, tive muitas longas conversas com escritores que receberam ameaças de morte, especialmente vindas de “islâmicos” ou “extremistas islâmicos”. Ou com escritores que, por diversas razões, vivem sob ameaça em países muçulmanos e precisam ser protegidos por guarda-costas. Eu sou um deles[1]. Há quinze anos, vivo sob proteção de guarda-costas, que me foram assegurados pelo governo da Turquia. Por mais gentis que sejam os guarda-costas, e por mais que eles tentem não dar na vista, não é uma experiência agradável. Eu sei, pela minha própria situação, que depois dos primeiros anos mais perigosos, o escritor que está sob proteção quer acreditar que “o pior já passou”; talvez ele não precise mais de guarda-costas e possa voltar à sua antiga vida, tão bonita e “normal”. Em geral, não é uma decisão realista. Portanto, as universidades, organizações, fundações e cidades que convidam um escritor rebelde, que diz o que pensa publicamente e está sob ameaça, devem, automaticamente, proteger sua segurança – seja lá o que for que ele ou ela pense ou diga sobre a sua condição.

Sempre que um escritor sofre um ataque físico, todos começam a falar sobre responder às palavras com mais palavras, responder aos livros com mais livros. Mas será que esse velho adágio faz sentido? Em geral, os que puxam o gatilho ou empunham a faca leram poucos livros na vida. Se lessem mais livros, ou se tivessem condições de escrever um livro, seriam capazes de cometer esse tipo de violência? Seriam capazes de publicar seu próprio livro? Podemos reconhecer o papel das diferenças de classe na sociedade – o sentimento de ser um cidadão de segunda ou terceira classe, de se sentir invisível, não representado, alguém sem importância. Mesmo assim, diante de um ataque tão feroz aos escritores, aos livros e à liberdade de expressão, esse reconhecimento não invalida nossa defesa da liberdade de expressão. Pelo contrário – lembrar as diferenças culturais e de classe e os ressentimentos nacionalistas que em geral são subjacentes a essas ameaças e ataques só serve para fortalecer nosso compromisso com a liberdade de expressão.

Também é deprimente ver a maneira como esse ataque horrendo foi recebido com aprovação, aplausos e prazer explícito e indisfarçado, não só no Irã como em muitos outros países muçulmanos. As pessoas nos países muçulmanos que sinceramente deploram e condenam o ataque só farão isso a portas fechadas e entre amigos, e nem mesmo os defensores da liberdade de expressão não vão se manifestar. Alguns amigos que sabem que estou escrevendo este breve texto já me alertaram para tomar cuidado – mesmo sabendo que estou protegido por guarda-costas.

© 2022, Orhan Pamuk.


[1] O escritor Orhan Pamuk tem sido perseguido e ameaçado por duas razões: sua defesa dos direitos políticos dos curdos, considerada a maior etnia do mundo que não dispõe de um território próprio, e por suas críticas públicas ao genocídio contra o povo armênio, promovido pelos turcos durante a Primeira Guerra Mundial, um assunto considerado um tabu nacional na Turquia.

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