A partida entre França e Nigéria, pelas oitavas de final da Copa do Mundo, foi mais difícil do que se imaginava e os franceses só abriram o placar aos 33 do segundo tempo, gol de Pogba. Um pouco depois, Valbuena recebeu um escanteio curto de Benzema, cruzou para a área e, sem ter como finalizar, Griezmann fez o corta-luz, a bola bateu na perna do zagueiro nigeriano Yobo e entrou, assegurando a vitória da seleção francesa. Apesar de ter colaborado de forma inteligente e decisiva para o gol, Griezmann saiu caminhando e sorrindo sem jeito, como se avisasse aos companheiros, a quem estivesse no estádio e à gigantesca audiência que assistia ao jogo pela tevê que o gol não fora dele. [confira o lance aqui]
No Campeonato Brasileiro do ano passado, o ex-atacante são-paulino Aloísio impediu que seu time empatasse a partida que perdia para a Portuguesa de Desportos, ao meter propositalmente a mão numa bola que entraria de qualquer jeito. Para Aloísio, o mais importante não era o São Paulo empatar, e sim que o gol fosse dele. [confira o lance aqui]
Entre tantas das insuportáveis manias dos nossos jogadores, uma delas é a de cair semimorto no gramado quando seu time está vencendo. Não há um jogo de futebol no Brasil em que isso não aconteça. Entretanto, na Copa, pudemos ver o contrário. Jogavam Alemanha e Argélia pelas oitavas de final. Parada duríssima, prorrogação e a Alemanha vencia por um a zero, quando Schweinsteiger sentiu algo e caiu a dois metros da linha lateral. Como a bola estava em jogo, o melhor da Copa tomou a iniciativa de rolar para fora de campo, a fim de ser atendido sem interromper a partida. Se pertencesse a um clube brasileiro, Schweinsteiger seria chamado de burro pela torcida e repreendido pelo treinador no vestiário.
As diferenças entre o gesto de Griezmann e o de Aloísio, e entre o que fez Schweinsteiger e o que fazem nossos jogadores, podem não ser significativas, mas representam pequenos retratos dos problemas de formação no futebol brasileiro.
Todos temos falado muito sobre isso. As mudanças promovidas no futebol alemão, o investimento na base – tanto em garotos de talento quanto em treinadores que saibam lidar com eles –, a preocupação em moldar jogadores que reúnam capacidade individual, consciência coletiva, caráter, e que tenham facilidade para perceber como o jogo deve ser jogado.
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Quando Seedorf estava no Botafogo, assisti pela tevê a um episódio curioso. O atacante Vitinho dava uma entrevista na saída para o intervalo, quando Seedorf se aproximou, semblante sério, pegou-o pelo braço e o conduziu ao vestiário. Depois do jogo, questionado pelo gesto, Seedorf afirmou que não havia problema algum em dar entrevistas no final da partida, mas que, no intervalo, ajudava a tirar o foco.
Um dos sonhos de consumo do torcedor brasileiro, desde a queda de Mano Menezes até a recente demissão do gaúcho de bigode, era ver Guardiola no comando da seleção. Pois não podemos esquecer que, quando era técnico do Barcelona, Guardiola comeu Daniel Alves no esporro porque o lateral comemorou um gol com dancinha.
Tem gente que acha exagero. Seedorf foi chamado de chato, ranzinza, metido a dono do time. A dancinha também tem defensores. Mas penso diferente, e para isso me apoio nos grandes. Pelé, Tostão, Rivellino, Gérson, Dirceu Lopes, Ademir da Guia, Careca, Zico, Falcão, Sócrates, Raí. Quando alguém viu qualquer um desses caras fazer gol e comemorar com dancinha ou mandando a torcida adversária calar a boca? Levar a bola para um canto morto do campo e rebolar à frente do zagueiro? Retardar uma jogada de ataque para dar uma caneta ou um lençol?
O comportamento que muitos dos nossos jogadores têm na seleção ou nos grandes clubes brasileiros também são fruto do nosso jeito pueril de ver o jogo. Não se trata de desestimular o talento ou abortar a ousadia, mas de preparar a garotada para uma prática que, além de habilidade, exige aplicação e concentração nos noventa minutos. Querem ousar? Pois então criem um drible no goleiro adversário sem tocar na bola. Deem um chute em que a bola parece ir reta mas, de repente, cai suave em direção ao gol. Apliquem elásticos como o que Rivellino deu em Alcir, numa jogada que parecia sem ter como evoluir e foi parar dentro do gol do Vasco. Isso é inventar o jogo, e não fazer firulas tolas.
A única coisa de futebol que vi, neste final de semana, foi Fluminense e Santos. Um jogo sofrível, mas com penteados de impressionar. Fiquei com a sensação de que, se nossos treinadores permanecem no século passado, pelo menos nossos cabeleireiros estão batendo um bolão.
Em que o cabelo interfere na hora da bola rolar? Provavelmente, em nada. Os jogadores da seleção alemã entram em campo com penteados que qualquer barbeiro de trinta reais é capaz de fazer, estão se lixando para quem vai ser o artilheiro do time, não se atiram no chão a cada disputa de bola e jamais comemoram seus gols com provocações idiotas.
Mas tudo isso é mera coincidência. E, mesmo, não temos nada a aprender com eles.