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depoimento

Peregrinação pela gasolina

Depois de abandonar emprego para ser motorista de aplicativo, piauiense agora percorre 500 quilômetros para comprar combustível mais barato

Rafael de Oliveira | 15 jun 2022_10h42
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Em todo o país, a alta no preço do petróleo tem feito os brasileiros sentirem no bolso o custo da gasolina. Especialmente em Teresina, a capital com a gasolina mais cara do Brasil, onde o litro do combustível chega a custar 7,99 reais – segundo o último levantamento da Agência Nacional do Petróleo (ANP). A situação é bem diferente de cinco anos atrás, quando a gasolina custava em torno de 3,60 reais por litro. Em 2017, Rafael de Oliveira, de 35 anos, largou o emprego de carteira assinada para viver exclusivamente de corridas como motorista de aplicativo. A ideia parecia casar com o que ele queria: horários flexíveis e maior remuneração. “E o melhor de tudo: eu era meu próprio patrão”, conta à piauí. Havia poucos motoristas do tipo na capital piauiense, e as plataformas faziam propostas irresistíveis aos pretendentes. No início, a cada quinze viagens, uma empresa enviava incentivos de até 200 reais – suficiente para encher o tanque duas vezes. Aí veio a pandemia. Enquanto o total de passageiros diminuía, o preço do combustível galopava nos postos. Agora, para fugir da inflação, Oliveira viaja até São Luís, no Maranhão, a 436 quilômetros de casa, para poder trabalhar. A gasolina custa 1 real a menos na capital maranhense.

Em depoimento a Vitória Pilar

Antes de ser motorista de aplicativo, eu trabalhava como auxiliar de pendências fiscais em uma transportadora de cargas. Como eu trabalhava em período integral, não conseguia fazer bicos para ganhar algum dinheiro por fora. Em 2017, não havia tantos motoristas como agora. O aplicativo era uma novidade em Teresina, comparada ao Ceará, que já tinha a cultura dos “motoristas de plataforma”. Os aplicativos estavam recrutando pessoas para fazer o negócio funcionar na capital piauiense. Faziam chamadas em todo lugar: redes sociais, televisão, outdoor. Apelavam para promoções absurdas, como por exemplo: faça quinze viagens e ganhe mais 200 reais por fora – incomum para quem dirige pelas plataformas nos dias atuais. Fiquei abismado. Larguei a carteira assinada e embarquei no aplicativo. 

Sempre gostei de dirigir. Era um prazer que eu tinha ao longo do dia: indo para o trabalho, voltando para casa, passeando com a família. Veio a calhar quando eu pedi para sair da empresa – eu já estava lá havia quase três anos. Tomei gosto pela coisa e acabei conhecendo muita gente. Eu era aquele motorista dedicado: limpava o carro todo dia, comprava balinhas, água, brindes. Durante o Natal, eu até decorava o carro para parecer um trenó natalino. Era meu emprego perfeito, do jeito que sempre sonhei:  fazia meus horários, parava quando eu queria, ganhava quase o triplo do que eu recebia de carteira assinada no meu outro emprego trabalhando por menos tempo. Para se ter uma ideia, em menos de cinco anos, eu cheguei a trocar de carro três vezes. E o melhor de tudo: eu era meu próprio patrão. 

Foram tempos de ouro até, mais ou menos, a chegada da Covid-19. As corridas diminuíram bastante, com menos gente tendo que circular na cidade. Em contrapartida, a gasolina ia galopando nos postos de combustíveis. Quando eu comecei a trabalhar de carro, a gasolina custava 3,25 reais por litro. Com sorte, achava até de 3 reais em postos de bairros mais distantes. Para quem rodava muito de carro, não era difícil abastecer nesses locais mais remotos porque sempre estamos circulando. Até o ano passado eu lembro que cheguei a encher tanque com gasolina custando 6 reais por litro. Hoje em dia, a gasolina mais que dobrou. Não tem um posto na cidade que a gasolina não chegue a 8,30 reais. Encontrar gasolina custando 8 reais por litro é um milagre.

Com a gasolina aumentando, não tem sentido investir nas corridas. Parei de comprar doces, águas e brindes. Na verdade, a cada mês tenho tido mais desgosto com os aplicativos mais famosos. Essas plataformas não escutam os motoristas, expulsam colaboradores sem explicações e não dão mais incentivos para quem cede seu carro para fazer viagens. Prefiro investir em plataformas mais locais, que acabaram nascendo durante a pandemia – as taxas são menores e eles buscam saber o que aconteceu durante algum conflito entre motorista e passageiro. Mas o pior mesmo é que, se antes eu chegava a ganhar mais que o triplo do meu antigo salário, agora tem sido difícil tirar um salário mínimo. 

Antigamente, eu conseguia encher o tanque do meu carro com menos de 100 reais. Nem lembro mais qual foi a última vez que pedi para um frentista fazer isso aqui em Teresina. Preciso de mais de 300 reais para encher um tanque, e hoje esse valor é quase um terço do meu faturamento diário com corridas na cidade. 

A solução tem sido fugir da bomba. De quinze em quinze dias, eu vou para São Luís, no Maranhão. É uma viagem de quase sete horas, enfrentando 436 quilômetros longe de casa, onde moro com minha mãe e meu filho. Por lá, a gasolina ainda beira os 7 reais – o que dá para fazer corridas, encher o tanque e ficar no lucro. Um amigo tem disponibilizado um quarto na residência dele, então já economizo com hospedagem. O meu faturamento tem aumentado em torno de 50% a 60% quando faço essa migração. Quando coloco na ponta da caneta, percebo como um real a menos pode fazer a diferença na hora de abastecer. 

Caso o mês esteja muito bom, ainda estico vinte dias na capital maranhense e volto para o Piauí. Com sorte, ainda consigo encomendas para transportar documentos ou pessoas entre São Luís e Teresina – assim tiro mais uns trocados. Observando o preço da gasolina no país, tenho quase certeza que compensa ser motorista de aplicativo em qualquer capital do Brasil que não seja Teresina. Até  julho, quero voltar para o emprego formal. Pretendo ser porteiro. Além de ter curso e ser certificado para o trabalho, consigo trabalhar em dias alternados – quando não houver expediente, posso ser motorista de aplicativo. A ideia é juntar dinheiro para montar o meu próprio negócio, um sonho. Quem sabe, uma loja de açaí. Enfim, vou arriscar. O que não dá mais é para viver correndo para lá e para cá, sem saber se amanhã vou conseguir dirigir porque a gasolina aumentou mais uma vez.

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