Há cinco anos, a astrofísica espanhola Amaya Moro-Martín, de 39 anos, decidiu voltar dos Estados Unidos, onde passara uma década estudando e trabalhando como pesquisadora. Passou pelas universidades de Princeton, do Arizona e do Colorado. Voltou para a Espanha seduzida por um programa do governo para atrair de volta cientistas espanhóis, com a promessa de que seriam abertas vagas para a contratação de pesquisadores.
De volta a seu país, Moro-Martín trabalhou por cinco anos com uma bolsa do CSIC, Conselho Superior de Investigações Científicas, que se apresenta como “a maior instituição pública de pesquisa do país e a terceira maior da Europa”. Sem perspectiva de contratação por um centro de pesquisa espanhol, decidiu voltar aos Estados Unidos, agora como pesquisadora da Nasa.
Enquanto se prepara para cruzar novamente o Atlântico, Moro-Martín publicou uma carta aberta a Mariano Rajoy, primeiro-ministro da Espanha, na qual manifestou sua decepção com as promessas não cumpridas pelo governo. A pesquisadora anexou à carta centenas de documentos necessários para seu processo de transferência.
Pesquisadores brasileiros provavelmente se identificarão com alguns dos percalços enfrentados pela colega espanhola. No parágrafo abaixo, ela contou a novela para reconhecimento do seu diploma estrangeiro:
Mais adiante, Moro-Martín – que é também porta-voz do movimento Investigación Digna – reclamou da necessidade de provar cada linha de seu currículo.
Encaminho também as 700 páginas de certificados e documentos que havia preparado para o dia em que se abrisse uma vaga com o meu perfil, algo que nunca aconteceu. Tratava-se da documentação requerida para provar a veracidade do meu currículo. Coletar toda essa documentação foi um trabalho de pesquisa tremendamente gratificante. Saiba que, nos muitos trabalhos que postulei fora da Espanha, a documentação requerida é ligeiramente mais sucinta, cerca de dez páginas: um plano de pesquisa e um breve currículo que dispensa qualquer certificado, porque a comunidade de pesquisa opera de acordo com um código de honra. Posse explicar-lhe um dia se assim o desejar.
A missivista lamentou ainda que não pudesse postular uma vaga em universidades espanholas por não ter um certificado emitido por uma agência nacional – concedido apenas para pesquisadores com algum tipo de vínculo anterior a uma universidade do país. “A ciência que farei [de volta aos Estados Unidos] não será mais espanhola, nem graças à Espanha; em vez disso, seguirei fazendo ciência apesar da Espanha”, escreveu.
Em troca do volumoso pacote encaminhado ao chefe de governo, a pesquisadora pediu que ele lhe devolvesse a dignidade como pesquisadora. “Se não for muito inconveniente, por favor devolva a dignidade a toda a comunidade de pesquisadores da Espanha, e por favor não se esqueça das humanidades.”
Moro-Martín despediu-se assim do primeiro-ministro: “Mariano, durante sua gestão a pesquisa neste país está afundando irremediavelmente no abismo da fossa das Marianas. E embora nossos colegas cientistas tenham descoberto que há vida lá embaixo, saiba que é apenas bacteriana.”
A carta pode ser lida na íntegra no site do jornal El País.
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(foto: Diana John – CC 2.0 BY-NC-SA)