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    Foto: Divulgação/Pfizer

questões imunológicas

Pesquisadores debatem riscos sanitários e éticos de liberar vacinas sem eficácia total comprovada

Camille Lichotti | 22 set 2020_17h04
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Alguns pesquisadores defendem a liberação emergencial da vacina, mesmo antes do fim da última fase de ensaios clínicos, que testa eficácia e segurança. O oncologista Bruno Filardi, diretor científico do Instituto do Câncer Brasil, usou sua conta no Twitter para entrar no debate depois que os protocolos de pesquisa foram liberados pelas empresas Pfizer, Moderna e AstraZeneca. Nos documentos, os pesquisadores estabelecem as regras para as análises interinas dos dados – que podem embasar um pedido de liberação para uso emergencial. “Imaginem que o estudo seja negativo e a vacina não funcione, para que submeter mais pessoas a uma vacina que não tem eficácia mínima?”, escreveu. “Se for possível determinar eficácia antes do fim do estudo, para que aguardar o uso em populações de maior risco onde a doença é grave?” 

 

Em seu perfil, o pesquisador Eric Topol, especialista em ensaios clínicos na Scripps Research, aponta problemas no ritmo acelerado das pesquisas. Entre eles, a dificuldade de analisar efeitos colaterais raros e o possível descrédito que isso traria para a ciência. Topol é incisivo: “Precisamos fazer uma pressão intensa nas companhias, no FDA [agência reguladora americana] e HHS [Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos] para evitar qualquer autorização para uso emergencial até que a fase 3 dos ensaios clínicos esteja totalmente finalizada.” 

 

Entre as empresas que publicaram seus protocolos de pesquisa, a Pfizer fará a primeira análise interina com o menor número de infecções, 32. A Moderna, primeira a liberar o documento, vai realizar duas análises interinas – com 53 e 106 infecções (o estudo acaba oficialmente quando atingir 151 voluntários infectados). Outra crítica feita por Topol é em relação às regras que definem os casos nas análises de ínterim. Tanto no estudo da Moderna quanto no da Pfizer, casos leves e médios já são suficientes para realizar a primeira investigação – no caso da Pfizer, é necessário desenvolver apenas um sintoma para que o caso seja levado em conta. “Isso deixa qualquer assertividade de eficácia menos convincente”, escreve Topol. Esse plano pode deixar de avaliar o comportamento, eficácia e segurança da vacina em casos mais graves.         

 

A AstraZeneca fará apenas uma análise interina, com 75 casos da doença entre os participantes. Em compensação, a eficácia mínima estabelecida pelos pesquisadores da AstraZeneca é de 50% – o valor mais baixo aceito pelo FDA. Nesta segunda-feira (21), a cientista-chefe da OMS declarou que a organização pode aprovar uma vacina que tenha 50% de eficácia. As demais companhias que trabalham no desenvolvimento de vacinas não publicaram o protocolo de seus ensaios clínicos. Entre elas, a SinoVac, que no Brasil desenvolve a vacina em parceria com o Instituto Butantan. Nesta segunda-feira (21), o governador João Doria afirmou que toda a população de São Paulo será vacinada até fevereiro de 2021. Mas nada garante que a terceira fase já tenha sido concluída até lá. Além disso, o governo pretende arrecadar 160 milhões de reais na iniciativa privada para construir uma fábrica de vacinas até novembro.   

 

“Esse é obviamente um trabalho urgente – uma corrida entre companhias com grandes apostas políticas. Uma vez que a aprovação de uso emergencial é emitida, todo o horizonte muda”, escreve Topol. Ele lembra que a aprovação emergencial para uma vacina só aconteceu uma vez na história, no caso da Anthrax, usada contra infecções bacterianas – e os resultados não foram bons. Em 2004, a vacinação obrigatória para militares foi suspensa por ordem judicial, porque o FDA não seguiu o protocolo para aprovação. Em 2001, antes de a autorização para uso emergencial ser regulamentada por lei, a vacina foi oferecida a trabalhadores postais sob um protocolo de investigação. A adesão foi baixa. Os trabalhadores se sentiram usados como “macacos de laboratório” e “ratos de experimento”. 

 

No caso das vacinas de coronavírus, a pausa antecipada nos estudos também levanta discussões sobre a ética científica. “Se a vacina for considerada eficaz [nas análises interinas], os participantes no grupo placebo devem, eticamente, receber a vacina também. Nenhuma análise posterior poderá ser finalizada”, escreveu Jeremy Ratcliff, doutorando do departamento de saúde da Universidade de Oxford. Mas, mesmo com o uso emergencial, não há garantia de que toda a população mundial será vacinada de uma só vez. No começo do mês, a Academia Nacional de Ciência, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos propôs um plano de vacinação de cinco fases para definir os grupos que terão prioridade. Em primeiro lugar estão os profissionais de saúde. Depois, pessoas com comorbidades que aumentam o risco de morte por Covid-19. Só então seriam vacinados professores, moradores de abrigos, presidiários, ou pessoas com risco médio de adoecer. Logo depois, os jovens adultos, crianças e trabalhadores com alta exposição ao vírus. Na última fase, a vacina chegaria ao restante da população americana. Por ora, nada está definido. “Precisamos de um tiro na luz, não de um tiro no escuro”, escreve Topol.  

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