A Polícia Federal fez uma operação, na manhã desta quinta-feira (2), em Pedreiras, no interior do Maranhão, em um novo desdobramento das investigações sobre fraudes no Sistema Único de Saúde (SUS). Conforme revelou reportagem da piauí, cidades maranhenses desviaram verbas do orçamento secreto da seguinte forma: as prefeituras registravam números inflados de atendimentos médicos no SUS, e, em contrapartida, recebiam repasses muito maiores do que deveriam por meio de emendas parlamentares. Pedreiras é o caso mais emblemático desse esquema criminoso: embora tenha apenas 39 mil habitantes, o município informou ao SUS ter extraído 540 mil dentes em 2021 e outros 220 mil nos primeiros quatro meses de 2022. É como se cada morador da cidade tivesse perdido 19 dentes – mais da metade da arcada dentária – em um intervalo de dezesseis meses. Não à toa, a operação da PF desta quinta-feira foi batizada Tira-Dente.
Os policiais cumpriram onze mandados de busca e apreensão em Pedreiras, Bacabal, Lago do Junco e Lago dos Rodrigues, todos municípios do Maranhão. A investigação é feita em conjunto pela PF, o Ministério Público Federal e a Controladoria-Geral da União. Em Pedreiras, os agentes foram à sede da prefeitura. Com autorização da Justiça Federal, foi bloqueado 1,8 milhão de reais dos investigados. Um dos alvos da operação é o empresário Roberto Rodrigues de Lima, que aparece como solicitante de milhões de reais em emendas de relator-geral do orçamento para Pedreiras e outras cidades. A PF cumpriu mandado de busca na empresa dele, RR de Lima, sediada em Lago do Junco. Alguns dos investigados também foram alvo de outras medidas cautelares, como a proibição de participar em licitações públicas. A lista completa de investigados não foi divulgada.
Roberto Lima e seu irmão, Renato, já foram alvo de uma operação da PF em outubro do ano passado. Na ocasião, ambos foram presos – mas, por se tratar de prisão temporária, acabaram soltos pouco tempo depois. A operação, chamada Quebra Ossos, mirava a cidade de Igarapé Grande, vizinha de Pedreiras que exibe um padrão semelhante de fraudes no SUS.
A pedido dos investigadores, na época, a Justiça Federal autorizou o bloqueio de 78 milhões de reais das prefeituras de vinte municípios maranhenses. Isso foi resultado da atuação do Ministério Público Federal na esfera cível. Agora, Pedreiras entra na mira das investigações na esfera criminal – e não só por causa dos dados mirabolantes de extrações dentárias.
A Secretaria Municipal de Saúde de Pedreiras recebeu pagamentos de 6 milhões de reais, em 2022, oriundos do orçamento secreto para atenção primária em saúde. Analisando as contas, a polícia encontrou irregularidades em um contrato de 2,7 milhões de reais com a Center Med, empresa que teria um sócio laranja. A suspeita dos investigadores é de direcionamento de licitação. Ao conferirem as notas fiscais, os policiais identificaram um superfaturamento de ao menos 500 mil reais. O ex-secretário municipal de saúde de Pedreiras, Marcilio Lira Ximenes, exonerado no fim do ano, também é alvo da investigação.
A piauí tentou contato com os advogados de Roberto Lima e Marcilio Ximenes, que não foram localizados. O espaço segue aberto para manifestação.
Embora não tenha mandato de deputado ou senador, Roberto Lima pôde solicitar verbas do orçamento secreto ao se registrar como “usuário externo” – mecanismo adotado pelo Congresso para burlar a decisão do Supremo Tribunal Federal, de dezembro de 2021, que exigiu transparência nos repasses das emendas de relator. A piauí já revelou que o senador Weverton Rocha (PDT-MA), expoente de uma ala mais à esquerda do Centrão, foi o autor oculto de parte das emendas solicitadas por Lima para municípios do Maranhão envolvidos nas fraudes no SUS. Até o momento, no entanto, as emendas para Pedreiras – agora sob investigação da PF – ainda não tiveram seu padrinho revelado. Só se sabe que o autor formal dos pedidos foi Lima – na prática, um laranja, que assinou com o próprio CPF as indicações feitas por Weverton Rocha. O senador nega ter enviado essas emendas para Pedreiras. “Cheguei a indicar um valor, mas sequer foi empenhado, portanto o recurso não foi enviado”, afirmou, por meio de nota.
Rocha é muito próximo do deputado e atual ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União-MA). Os dois fizeram campanha eleitoral juntos no interior do Maranhão, inclusive em Pedreiras, no ano passado. A prefeita da cidade, Vanessa Maia, demonstrou gratidão. “Vocês sabem que não fazemos nada sozinhos. Termos ao nosso lado pessoas capazes e atentas às demandas de Pedreiras é o que defendemos. Por isso escolhemos quem trabalha de verdade, como Fred Maia, Juscelino Filho e Weverton”, escreveu, numa postagem feita no Instagram, em setembro. Na foto, a prefeita aparecia ao lado de Fred Maia – seu marido –, Rocha e Filho.
Pedreiras é reduto eleitoral de Juscelino Filho, que ganhou uma vaga no ministério de Lula por indicação de seu partido – e, principalmente, por ter sido apadrinhado pelo senador Davi Alcolumbre (União-AP). No ano passado, Filho foi o deputado federal eleito a obter mais votos em Pedreiras: 2,3 mil. Desde que assumiu o Ministério, há dois meses, ele acumula denúncias. Reportagens do Estadão mostraram que Filho indicou emendas para pagar o asfalto que pavimentou um terreno de sua fazenda. Além disso, tomou um voo da Força Aérea Brasileira (FAB), solicitado com urgência, para uma viagem de compromissos oficiais – mas os tais compromissos só levaram duas horas, e o ministro passou dois dias a passeio num leilão de cavalos de raça, com diárias pagas pelo contribuinte.
No universo de fraudes do SUS reveladas pela piauí, Pedreiras é, de longe, o caso mais surreal. A prefeitura registrou 760 mil exodontias (nome técnico para o arrancar de dentes) em pouco mais de um ano. Depois da publicação da reportagem Farra Ilimitada, em julho do ano passado, a prefeitura de Pedreiras disse que os números inflados foram causados por um “erro de digitação”. Quando viajou até a cidade, a reportagem encontrou uma dentista que atendia num centro de saúde e perguntou a ela sobre a incidência de extrações dentárias na região. “Antigamente, tinha mais procura por exodontia, mas agora não está tendo muito. São duas consultas, às vezes nenhuma por dia. É assim”, ela explicou, sem ser informada dos números que a cidade apresentou ao SUS.
*A reportagem foi atualizada às 17h08 de 02/03/2023 para incluir posicionamento do senador Weverton Rocha (PDT-MA).