Na manhã de 31 de outubro, o perfil da Polícia Militar do Rio de Janeiro no Twitter postou a foto de um homem que havia sido preso naquele dia. Tirada de cima para baixo, a imagem mostra o homem sentado no chão, sem camisa, de mãos algemadas, olhos fechados e testa franzida. Com estética parecida à de imagens que circulam no WhatsApp, a corporação incluiu a palavra “capturado” no centro da foto. Esse não é um tipo de publicação comum na conta da instituição, ativa desde maio de 2013 – não há nenhum outro caso nos últimos 3,2 mil posts. Além do rosto do homem preso, a postagem da quinta-feira passada revela o seu nome e afirma que ele é “apontado como responsável” por atirar contra um policial. A maioria das interações do post parabeniza a instituição. Com a publicação, no entanto, a PM ignora a legislação e descumpre uma decisão judicial aplicada há três anos contra o Estado.
Em 2015, o Tribunal de Justiça fluminense proibiu o Estado de divulgar imagens de presos que aguardam julgamento, sem que exista uma justificativa para isso – como, por exemplo, se o suspeito estiver foragido da Justiça. A decisão, do desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, reafirma o que preveem a lei de abuso de autoridade, de 1965, que torna ilegal submeter a imagem de alguém sob custódia a “vexame ou constrangimento” e a lei de execução penal, de 1984, que determinou que presos devem ter “proteção contra qualquer forma de sensacionalismo”. A exemplo da postagem da semana passada, a ação julgada três anos atrás foi motivada pela divulgação de fotos de pessoas sob custódia nas redes sociais dos órgãos de segurança. Segundo a sentença, caso seja necessário compartilhar uma imagem, a polícia deve apresentar uma razão previamente – o que não aconteceu neste caso. No processo judicial de 2015, o governo do estado defendeu-se afirmando que proibir esse tipo de postagem “pode importar restrições à liberdade de imprensa” e comprometer “o efeito pedagógico da divulgação das ações policiais”. O Tribunal não acatou o argumento.
Ao saber do novo caso, a Defensoria Pública do Rio pediu na Justiça a retirada do conteúdo da internet e a convocação do comandante da PM do Rio para explicações. “A polícia não pode exibir alguém sob custódia como um troféu de caça, não pode fazer exposição humilhante sem que o caso seja julgado”, disse o defensor público Daniel Lozoya, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria. Segundo Lozoya, expor as imagens de presos também pode resultar em risco de vida para eles. “Já houve casos de inocentes que tiveram suas imagens divulgadas nas redes e nunca mais conseguiram remover. Uma vez que vai pro Facebook não tem volta”, afirmou.
Em comunicado oficial, a PM do Rio afirmou que a publicação tem o objetivo de “tranquilizar a população e comunicar a retirada das ruas de mais um indivíduo que representava perigo”. A corporação afirmou que o post serve também para que “outras possíveis vítimas dos crimes cometidos pelo preso” possam “reconhecê-lo e formalizar denúncias”, para que “o envolvido fosse responsabilizado por eventuais delitos”.
A PM também afirmou que havia um mandado de prisão contra o homem e, antes de ter sua foto publicada, era foragido da Justiça. A imagem dele, porém, não foi divulgada nas redes da polícia antes da prisão – o que poderia ter ajudado numa investigação. Questionada, a PM não respondeu sobre a sentença judicial de 2015 que proíbe divulgar imagens do rosto dos presos. A postagem continua no ar.
Quando entrou com a primeira ação sobre um caso desse tipo – que resultou na sentença de 2015 –, a Defensoria argumentou que a legislação que resguardava a imagem de presos não estava sendo cumprida, com a popularização das redes sociais. Além de barrar esse tipo de divulgação, a decisão proibiu policiais de fazerem fotos de presos com seus celulares pessoais. A sentença não impede, porém, que delegados, policiais e agentes penitenciários divulguem o nome, a descrição dos atributos físicos e o motivo da acusação de um suspeito.
Nos 3,2 mil posts da PM do Rio analisados pela reportagem, imagens de armamento e de operações são comuns – e mais numerosas do que no perfil da corporação paulista, por exemplo. Exceto pelo post da quinta-feira passada, no período analisado, a polícia fluminense costumava resguardar o rosto dos suspeitos, com postagens em que aparecem com a cabeça baixa, por exemplo, ou de costas.