“Puxa, então você tem um rosto?!”. A mesma blague usei quando conheci Fausto Nilo e Sérgio Natureza, em diferentes ocasiões. Eu fazia piada óbvia com o fato de os letristas de canções serem famosos porém anônimos, já que não sobem ao palco nem mostram a cara nas capas de discos. E olha que já foram até mais famosos, pois houve um tempo em que as rádios faziam questão de dizer o nome da música, do intérprete e dos autores – melodista e letrista, quando era parceria -, luxo que foi dizimado nos nossos tempos apressados, para darem lugar a cada vez mais anunciantes.
Mas vamos aos fatos, ou melhor, às letras. Há uma legião de grandes poetas devotados à canção. Uma lista que pode abranger desde Humberto Teixeira e Zé Dantas até Orestes Barbosa, Paulo Sergio Valle, Paulo César Pinheiro, Abel Silva, Fernando Brandt e Aldir Blanc. Alguns dos quais nunca lançou livro, ou nem talvez sequer tenha escrito um poema com ambições “literárias”. Poetas da canção, única e exclusivamente.
Há um conversê recorrente de que Vinícius teria sido o grande responsável por “elevar” o nível das letras de canções, ou pelo menos de chamar a atenção da alta cultura para as letras de canções. Nem de todo verdade nem de todo mentira. Marcus Vinícius de Moraes, homem culto que era e diplomata bem relacionado, de fato fez uma ponte inaugural e essencial entre o beco escuro, boêmio e (ainda) malvisto da música popular e o círculo intelectual elegante dos homens de letras. Mas antes dele, outros bardos muito bem reputados, como Manuel Bandeira – que fez canções com Heitor Villa-Lobos e Jaime Ovalle (e com este último compôs nada menos que a obra-prima “Azulão”) – e Mário de Andrade, escritor, poeta, músico e pesquisador, que se aventurara muitos anos antes em suas missões de redescobrimento do Brasil cultural, tendo feito recolhas musicais fantásticas, como a bela moda “Viola Quebrada” (há rumores de que Mário a teria composto parodiando trechos melódicos de várias outras modas e criado nova letra para a colagem de melodias, fato que, se comprovado, faria dele um compositor à vera, ainda que paródico), já haviam chafurdado na lama lírica do cancioneiro popular.
Lendas à parte, fato é que a música brasileira é pródiga em poesia, talvez mais que qualquer outra – ok, os americanos têm Ira Gershwin, Cole Porter, Bob Dylan e Lou Reed; os franceses têm Serge Gainsbourg; os cubanos têm Pablo Milanés e Silvio Rodríguez; os portugueses têm Sergio Godinho e Fausto Bordalo e os sulamericanos têm Felix Luna e Victor Jara, mas nada que se compare à grande plêiade musical brazuca, fabulosa e inesgotável.