Horas após a Organização Mundial da Saúde declarar pandemia de coronavírus, os presidentes da Câmara e do Senado caminhavam lado a lado pelos corredores do Congresso Nacional – logo atrás, um séquito de seguranças e assessores; à frente, um amontoado de jornalistas. Quando o grupo dobrou um dos muitos ângulos retos do labiríntico Parlamento brasileiro, um retardatário da comitiva divisou um recém-instalado dispenser de álcool gel na quina da parede. Repetindo o gesto que dezenas de centristas, petistas e bolsonaristas haviam feito nas horas anteriores, o assessor apertou o botão e esfregou as mãos, a esquerda borrifando a direita, a direita espalhando na esquerda. A preocupação era suprapartidária e não conhecia hierarquia. “Coronavírus” era a palavra que mais escapava das conversas fugidias dos passantes, fossem as funcionárias da limpeza ou Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Os dois presidentes caminhavam simbolicamente juntos rumo a um plenário onde ouviriam o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, pedir dinheiro para combater a Covid-19, doença provocada pelo novo vírus. Políticos e seus auxiliares são vetores de soluções, de problemas, e, vez por outra, são vetores epidemiológicos. É o caso da “coronandemia”.
A comitiva que acompanhou o presidente Jair Bolsonaro na sua quarta visita aos Estados Unidos em catorze meses de mandato está em isolamento. Precisaram passar por exames laboratoriais depois que o secretário de Comunicação Social Fabio Wajngarten testou positivo para o SARS-CoV-2, como o novo coronavírus foi batizado. A Casa Branca teve que divulgar nota dizendo que o presidente Donald Trump não seria testado já que teve contato mínimo com o brasileiro contaminado. Precisou porque os mercados já estavam em histeria, com a pior queda da Bolsa de Nova York desde 1987. Nada mal para aquilo que Bolsonaro, dias antes, havia qualificado de “fantasia da imprensa”.
Trump disse “não estar preocupado” com eventual contágio, mas o senador americano pela Flórida Rick Scott e o prefeito de Miami Carlos Gimenez, que também se reuniram com os brasileiros, decidiram se isolar em casa por precaução. “Não acho que tenha interagido com a pessoa infectada, mas ela estava na mesma sala que eu”, justificou-se o prefeito. O mesmo acabou fazendo o próprio Bolsonaro. Cancelou viagem ao Rio Grande do Norte na quinta-feira, trancou-se no Palácio da Alvorada, desaconselhou amigos a visitarem-no e se submeteu aos exames que detectam a doença. Também o fez seu filho deputado federal, Eduardo, e sua mulher, Michelle, que integraram a comitiva à Flórida. No fim do dia, o presidente fez uma “live” no Facebook usando máscara cirúrgica.
Antes de os resultados do exame de Bolsonaro se tornarem públicos, o que se espera para esta sexta-feira, espalhou-se no mercado financeiro a versão segundo a qual o presidente testou positivo. A Bolsa de São Paulo fechou o dia em queda de quase 15% depois de duas paralisações do pregão forçadas pelos maus resultados das negociações. O dólar encerrou o dia valendo R$ 4,78, após atingir o pico de R$ 5.
Trump e Bolsonaro não são os únicos governantes que a Covid-19 andou espreitando. O senador americano Ted Cruz, do Texas, se impôs uma quarentena depois de ter apertado a mão de uma pessoa infectada no CPAC, a conferência conservadora realizada nos Estados Unidos no final de fevereiro, da qual também participou o deputado Eduardo Bolsonaro.
Semanas atrás, metade do gabinete que governa o Irã adoeceu da Covid-19, inclusive o ministro da Saúde – dois parlamentares e um conselheiro do líder supremo morreram. Na Itália, o vírus pegou o presidente de um dos partidos da coalizão governista. Uma deputada britânica, que também é secretária de Saúde, foi infectada. O ministro da Cultura da França e ao menos outros cinco deputados do país também. A Espanha fechou sua Câmara depois que o secretário-geral do partido Vox foi diagnosticado com a doença. O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, se impôs isolamento depois que sua mulher apresentou sintomas similares aos da Covid-19.
Por que há tantos governantes infectados? Por dever profissional, políticos mantêm mais contatos interpessoais do que a média da humanidade. Vivem com um séquito à sua volta, atendem dezenas de pessoas diariamente e são insistentemente instados a cumprimentar todos que encontram pelo caminho. Não podem recusar aperto de mão, beijo, abraço nem selfie. Frequentam lugares lotados, como comícios, congressos e festas, quase todo dia. Logo, estão expostos a muito mais oportunidades de contágio do que um não político. O contato pessoal é a principal forma de contágio do SARS-CoV-2. Além disso, o vírus saiu da Ásia para a Europa de avião. Começou a circular no Ocidente entre pessoas que têm alto poder aquisitivo ou ocupações que as obrigam a ir e voltar do exterior. É justamente o tipo de profissional que trabalha em governos ou que se relaciona com burocratas e governantes. Daí a políticos se tornarem vetores da pandemia não demora.
Se os riscos que correm são semelhantes, as reações dos governantes podem ser bem diferentes. Já no final de fevereiro, com duas mortes pelo coronavírus confirmadas na França, o presidente Emmanuel Macron entendeu a gravidade do que estava por vir, “uma epidemia está chegando”, declarou na época. Na semana passada, a chanceler da Alemanha Angela Merkel decidiu encarar publicamente o problema com o ceticismo que a velocidade de sua propagação desperta. Quando três mortes e 1.296 casos haviam sido confirmados em seu país, a maior economia europeia, Merkel não tergiversou. O consenso entre especialistas, ela antecipou, é que de 60% a 70% da população deve ser infectada enquanto perdurar o quadro atual, em que não há vacina ou tratamento disponíveis.
No canto oposto ficaram as reações dos governantes brasileiros. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, fez troça da possibilidade de a presidente do Todos pela Educação ter estado com suspeita da doença – o evento que a organização promoveu foi suspenso no meio da programação para evitar contágios, depois que Rodrigo Maia já havia participado. No Twitter, citou um salmo da Bíblia que diz: “O Senhor fará recair sobre eles a sua própria iniquidade, e os destruirá na sua própria malícia; o Senhor nosso Deus os destruirá”. Os exames laboratoriais de Priscila Cruz, a presidente do Todos pela Educação, acabaram por descartar a infecção. Já a contraprova de Wajngarten, um colega de Weintraub, deu positivo. Iniquidades da pandemia.
Até dias antes desafiado pelo Executivo, o Congresso está agora sendo bajulado pelo governo federal. Bolsonaro e equipe precisam dos parlamentares para aprovar medidas emergenciais, como a liberação de verba extra para o sistema de saúde. Alvo preferencial dos memes bolsonaristas nas redes, Rodrigo Maia, como presidente da Câmara, tem o poder de pautar ou não a votação dos pedidos emergenciais do governo. Indagado se, como Bolsonaro e sua equipe, ele iria se submeter ao teste da Covid-19, Maia disse que não. Há vantagens em manter uma relação distante com o presidente da República.