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    Maria Cristina com o filho Yuri - Intervenção de Amanda Gorziza sobre foto de acervo pessoal

diário

“Por causa de um papel eu não podia voltar pra casa com meu bebê”

Sem documentos, jovem mãe teve alta negada por trinta dias em maternidade

Maria Cristina Oliveira de Lima | 22 fev 2022_11h21
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Quando as primeiras dores do parto chegaram para Maria Cristina de Oliveira, ela percorreu 120 km que separam sua cidade natal, Miguel Alves, de Teresina, capital do Piauí. Sua maior preocupação era a saúde do bebê, mas Yuri nasceu com saúde no dia 8 de janeiro. Mesmo assim, a jovem mãe passou trinta dias na Maternidade do Promorar, um hospital municipal na capital piauiense. Como Maria Cristina não tinha documentos, o hospital se recusava a lhe dar alta. A mãe e o bebê ficaram “morando” por trinta dias em um complexo hospitalar dividido entre maternidade, Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e recepção de síndromes gripais da capital. Desde pequena, Maria Cristina nunca teve documentos. Segundo sua mãe lhe contou, a Declaração de Nascido Vivo emitida na maternidade se perdeu. Maria Cristina não foi registrada e não tem certidão de nascimento. Viveu sempre no limbo dos registros oficiais. Não tem carteira de identidade, frequentou a escola apenas até conseguir se alfabetizar, não conseguia agendar consultas médicas ou obter atendimento de saúde, tampouco benefícios do governo. Para fazer o pré-natal, teve de pedir auxílio à Secretaria de Assistência Social da prefeitura. Quando ficou retida na maternidade com o filho, sua história comoveu a cidade e a imprensa local. Para a Defensoria Pública do estado, a alta negada foi algo irregular, tendo em vista que não há previsão legal estabelecendo restrição de alta nesses casos. “Por causa de um papel eu não podia voltar para minha casa e cuidar do meu filho”, contou à piauí. O hospital disse que apenas seguiu os protocolos exigidos e aguardou manifestação dos órgãos competentes. 

(Em depoimento a Vitória Pilar) 

*

Sábado, 8 de janeiro

As primeiras dores chegaram como pontadas. Era quase uma da manhã quando acordei o meu esposo para me levar para o Hospital Pedro Vasconcelos, em Miguel Alves. Fiquei quase doze horas aguardando atendimento porque na cidade não tem maternidade. Por volta das 13 horas, uma ambulância chegou para me levar a Teresina, na maternidade do bairro Promorar. Foi uma viagem curta, pensei que ainda ia voltar para casa no mesmo dia. Recebi os primeiros atendimentos e fiquei esperando para entrar em trabalho de parto. Às 18 horas o Yuri nasceu. 

 

Domingo, 9 de janeiro

Eu queria ter parto normal para que fosse tudo rápido, me recuperar logo e poder voltar para casa. O bebê tinha nascido saudável, graças a Deus. Como não tive complicações no parto e meu filho não apresentava alterações, a gente poderia voltar para Miguel Alves assim que o médico permitisse a alta. 

Mas as horas iam passando e ninguém me dava informação sobre minha saída. Eu amamentava, ficava com o bebê. Estava meio apreensiva. Quando questionei sobre a demora, me falaram que eu não ia poder sair com o meu filho porque eu não tinha registro civil. Meu desafio de um mês iniciou a partir daqui. 

 

Segunda-feira, 10 de janeiro 

Eu estava agoniada e liguei pra minha mãe. Sempre ouvi que, quando ela foi pra me parir, não deram a Declaração de Nascido Vivo. Ela ainda voltou para o hospital atrás desse papel, mas ficou perdido. Uma tia do meu esposo vivia tentando fazer isso em Teresina, mas era mais complicado ainda. Se eu tivesse que tirar na capital, ia demorar mais um mês. Sempre tinha um desencontro. Nunca fui registrada. Passei todo esse tempo sem documento, porque sempre que precisava, dava um jeito de resolver de outra forma – ou simplesmente desistia do processo que pedia.

Meu problema no hospital é que eu não tinha CPF para poder preencher meu prontuário. Sem registro civil, eu não tinha identidade. Em todas as soluções que apareciam, eu tinha que esperar dias. Somente para dar entrada no registro eu tinha que esperar mais de quinze dias – tudo isso no hospital. 

Uma pessoa no cartório de Miguel Alves tentou agilizar as coisas de lá da minha cidade. Ele também ficou tocado porque não tinha condição de passar mais tempo com o bebê por lá, dentro de um hospital. Muitas pessoas foram aparecendo para me dar apoio.

 

Terça-feira, 18 de janeiro

Fazia mais de uma semana que eu tinha chegado ao hospital para parir e não voltava para casa. Meu esposo passou todos esses dias comigo. A gente não era maltratado, não tinha nada pra me queixar, só queríamos voltar para casa. 

Recebíamos visitas dos parentes para ajudar com o bebê, mas a maior parte do tempo, era só eu, Ronielson e o bebê. Teve um dia que o hospital disse que não daria mais lanche e almoço para o meu marido. Ameaçamos chamar os jornalistas.

Uma assistente social apareceu no lugar que a gente ficava. Após ela saber da situação, foi permitido que ele pudesse fazer as refeições no hospital. Foi um alívio porque não tínhamos muito dinheiro para comprar comida fora. 

 

Sábado, 5 de fevereiro

Estava cansada de esperar tanto. Por causa de um papel, não podia voltar para minha casa e cuidar do meu filho. Uma tristeza misturada com desânimo, pouco a pouco, me consumia. Chorei quieta no meu canto.

 

Segunda-feira, 7 de fevereiro

A notícia sobre mim e meu filho já corria nos portais de notícias da cidade. Senti que começaria a dar certo a minha saída, mesmo sem o documento. 

 

Terça-feira, 8 fevereiro

O prefeito de Miguel Alves já estava sabendo da minha história com meu filho. Ele ficou sensibilizado com o meu caso e levou advogados para poder resolver a situação. Eu não tinha condição de pagar. Ronielson e eu moramos de aluguel. Ele largou o emprego na construção civil para poder ficar comigo no hospital. Agora está desempregado. Uma coisa tão difícil, né?

Eles (os advogados) ligaram para meus pais em Miguel Alves, e eles precisaram assinar um papel. Consegui tirar a certidão de nascimento ainda pela manhã. No entanto, quando a gente apresentou para a direção do hospital, eles não queriam me liberar – mesmo com o documento na minha mão, acredita? Eles ainda queriam um documento com foto, mas demoraria muito para tirar ainda, pelo menos uns quinze dias. 

Muita gente estava sabendo, meu caso estava rodando na televisão. Foi muita mobilização. Passei quase a tarde toda ainda de agonia.

Meu medo durante todos esses dias que passei por lá era de o meu filho pegar uma doença. Nunca se sabe, o hospital é muito grande e muita gente entra – no hospital do Promorar, lá funciona como maternidade, Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e recepcionando casos de síndromes gripais da região Sul da capital. E outra: ainda tinha muito caso de Covid rodando por lá. 

Cheguei em casa às 22 horas com o bebê nos meus braços e com a minha certidão de nascimento na bolsa – todos bem. Yuri ainda não tem certidão de nascimento. Disseram que, para isso, preciso da carteira de identidade, uma nova batalha que vou enfrentar.

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