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    ILUSTRAÇÃO: PAULA CARDOSO

tipos eleitorais

Eleitora “nem nem” decide o seu voto

Às vésperas do pleito, piauí reencontra Muniky Moura, que acabou optando por Ciro

Yasmin Santos | 03 out 2018_20h42
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Muniky Moura está entre os eleitores mais cobiçados desta disputa. Indecisa e avessa a extremismos, ela personifica um contingente que, no início do ano, chegou a 43% do eleitorado. Ao longo da campanha inteira, a assistente administrativa de 33 anos foi uma eleitora “nem nem”. Não pretendia votar nem no candidato do PT, nem em Jair Bolsonaro. Já os presidenciáveis restantes ficavam “todos no mesmo balaio”, como disse à piauí em maio, quando explicou o que é fazer parte deste tipo eleitoral. Semanas atrás, Moura escolheu seu candidato. Há convicção em sua voz, mas nenhuma animação. O voto dela é, na verdade, um não-voto ao presidenciável do PSL, de quem ela diz ter “asco”. Mas é também um não-voto no PT, partido com o qual se decepcionou. A opinião de Moura não reflete necessariamente o que pensa a média dos eleitores que estavam indecisos. No caso dela, acabou optando por Ciro.

Moradora de Parque Paulista, bairro de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, Moura trabalha em Botafogo, na Zona Sul carioca, há quase quatro anos. Entre o deslocamento e o trabalho, ela passa dezesseis horas fora de casa todo dia. A eleitora adiou a decisão do voto por falta de tempo, mas também por falta de interesse. Mãe solteira de Mariah, de 5 anos, a “nem nem” diz ter preocupações maiores do que com a política. Seu perfil se assemelha ao que costuma decidir o rumo de uma eleição, por permanecerem ignorados pela maioria das análises, como mostrou reportagem da piauí em janeiro. Pouco a pouco, esse tipo de eleitor foi se decidindo.

Nas últimas semanas, a disputa polarizou-se ainda mais entre Fernando Haddad, candidato do partido em que Moura votou três vezes, e Bolsonaro, a quem ela afirma desprezar. Esmagada entre os dois polos, a eleitora “nem nem” finalmente se decidiu. Por “falta de opção”, justificou, escolheu Ciro Gomes. A postura incisiva e negociadora do pedetista a conquistou.

 

Não existem discussões políticas calorosas nos almoços de domingo da família Moura. Não se pode dizer o mesmo de seu ambiente de trabalho. Alguns colegas traziam à tona o nome de Bolsonaro indiretamente, por meio da opinião de um “amigo”, “tio”, “primo”, “marido”. Aos poucos, os votos tímidos no candidato do PSL se tornaram declarados, especialmente depois do atentado em Juiz de Fora. Quatro meses atrás, quando Moura falou à piauí pela primeira vez, a então “nem nem” não desconfiava que 80% de sua equipe estaria, agora, declarando voto no militar reformado.

A constatação lhe foi tão surpreendente que o plano de governo de Bolsonaro foi o único a que ela realmente chegou a ler. “Quis entender o que atraía todas aquelas pessoas ao meu redor”, contou, em uma conversa no fim de setembro. A leitura a fez pensar que o problema está no próprio candidato e no que ele representa. Para ela, o entorno do presidenciável não é de todo ruim. “Se fosse outra pessoa no lugar dele, com a mesma equipe, eu talvez votasse na chapa. Não seria o ideal, mas seria só mais um político”, concluiu. Ela concorda com alguns posicionamentos de Bolsonaro, como em relação ao fim da aprovação automática nas escolas públicas e a posição contrária à intervenção militar no Rio de Janeiro. São as falas machistas, racistas e homofóbicas que causam asco em Moura. “Isso não me desce”, disse.

Enquanto o ex-capitão crescia nas pesquisas, ela se perguntava sobre o candidato petista. “O PT não vai investir em alguém? Vai ficar só vendendo o Lula?”, indagou, após declarar que nunca acreditou que o ex-presidente fosse ser solto a tempo de concorrer à Presidência.

A desilusão e a desconfiança alimentadas depois dos treze anos de mandatos petistas não lhe provocaram nem curiosidade em relação ao plano de governo. Para ela, Haddad é apenas “o menino do Lula” e a vitória do PT nas urnas é a chancela de que o país será governado não do Palácio da Alvorada, mas de uma cela da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. “Pode até ser teoria da conspiração minha”, disse, com o tom de voz diminuindo, como se contasse um segredo: “Mas se ele [Haddad] entra, tiram ele.” Seu voto só seria convertido ao petista pelo receio de ver o país governado por Bolsonaro. Em qualquer outro caso, disse ela, jamais confirmaria o 13 na urna nesta eleição.

 

Estão todos no mesmo balaio, como ela disse. Mas é em Ciro Gomes que Moura enxerga uma saída capaz de restabelecer o mínimo de estabilidade política ao país. Já ouviu muito sobre a postura truculenta do candidato pedetista, mas não a viu refletida nos últimos debates e sabatinas. Chegou a elogiar o comportamento de Ciro durante a entrevista ao Jornal Nacional em 27 de agosto, na qual ele foi “claramente atacado”, segundo ela.

O bate-boca entre os apresentadores e o comportado Ciro Gomes não atraiu apenas os olhares de Moura. A pesquisa do Ibope realizada entre 1º e 3 de setembro apontou um crescimento de três pontos percentuais para o pedetista, com relação àquela realizada dias antes à entrevista. Jair Bolsonaro e Geraldo Alckmin – sabatinados nos dias 28 e 29, respectivamente – também se beneficiaram após a entrevista. O candidato do PSL e o tucano subiram, cada um, dois pontos percentuais. Marina Silva permaneceu inerte com seus 12% de intenção de voto no primeiro turno. Foi mais ou menos nesse período que Muniky Moura decidiu seu voto.

À piauí, a eleitora “nem nem” disse que o presidente ideal deveria “fazer o trabalho dele”. De preferência, sem roubar. “Esse governo mata gente”, ela disse, com a voz embargada, em maio. Agora, quatro meses depois, Moura pensa em outras possibilidades e define uma espécie de presidenciável Frankenstein: seu presidente reuniria características de quase todos os candidatos ao Planalto, e alguma das propostas defendidas por eles.

Do tucano Geraldo Alckmin, aproveitaria algumas ideias sobre saúde pública, como uma melhor cobertura pelo Sistema Único de Saúde. De Bolsonaro, citou o posicionamento contra a intervenção militar no Rio. Pegaria de Haddad – que, para ela, “é Lula” –, a preocupação, “pelo menos no discurso”, com os trabalhadores. Seu candidato teria a postura pública de Ciro Gomes – incisivo, mas comedido. E a “visão de negócios” viria do empresário João Amoêdo, do Partido Novo.

Marina Silva, Guilherme Boulos, Henrique Meirelles e Cabo Daciolo ficariam de fora desse candidato remendado. Nem o discurso feminista da candidata da Rede consegue fisgar Muniky Moura. Henrique Meirelles não entra na disputa por estar associado ao presidente Temer. “De lá não deve vir coisa boa, não.” Para ela, Boulos vive num “mundo à parte”, utópico, distante do povo. Em outro plano espiritual, há o Cabo Daciolo. Desse ela pegaria a cara de pau. “Não é todo mundo que tem coragem de falar as sandices que pensa em público como ele”, brincou.

 

Há alguns anos, Moura ouviu um grande empresário dizer que “o governo quer que se comece a fabricar pessoas com deficiência”. Ele fazia referência à lei 8.213, de 1991, que regula a exigência de que toda empresa com cem ou mais funcionários deve destinar de 2% a 5% de seus cargos a deficientes físicos.

A assistente administrativa nasceu com deformações nos dedos das mãos. Durante o período eleitoral, busca, quase sem esperanças, propostas que possam trazer maior igualdade de oportunidades, mas não encontra nada substancial. Neste ano, esbarrou com um vídeo de Bolsonaro em que declara que as minorias deverão se curvar às maiorias em seu governo. Moura teme que, mais uma vez, sua capacidade seja reduzida a um atributo físico.

No fim de setembro, Muniky Moura estampava uma charge de autor desconhecido como capa do seu Facebook. Ao fundo, uma placa: “Fale ao motorista somente o indispensável.” Um passageiro entra no ônibus e diz #EleNão.

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