A candidatura de Marina Silva derreteu justamente entre quem mais a apoiava. Desde o início oficial da campanha eleitoral, a evolução das pesquisas tem retratado o abandono das mulheres à candidata da Rede. Em 22 de agosto, Marina liderava nesse segmento, com 19% das intenções de votos femininos. Em menos de um mês, perdeu mais da metade desse eleitorado e caiu para o quarto lugar entre as mulheres. Em 14 de setembro, tinha o voto de só 9% delas, segundo o Datafolha. Nada indica que tenha parado de cair. Suas eleitoras migraram para Fernando Haddad, mas também para Jair Bolsonaro e Ciro Gomes. As razões da debandada vão da cobrança por clareza sobre assuntos como segurança pública à descrença em relação à capacidade de ela governar.
Maria José tem 52 anos, três filhos e é casada com Jonas, que trabalha numa oficina mecânica de Itanhaém, no litoral paulista. A família vive em Mongaguá, também no litoral, no bairro Plataforma, e vive numa casa construída num terreno herdado do pai de Jonas. A cunhada mora nos fundos, com um casal de filhos. Até esta eleição, Maria José era o que se podia chamar de marinista convicta: votou nela no primeiro turno em 2014 e, fiel à candidata, apoiou o tucano Aécio Neves no segundo turno – unicamente por orientação de Marina. “Ela tem um jeito amigo de falar com as pessoas. Por isso gostava tanto”, disse Maria José, antes de discorrer sobre as razões pelas quais mudou de ideia. Falta de “firmeza” no discurso, especialmente em relação à criminalidade e à “corrupção” estão entre os fatores.
Funcionária de uma colônia de férias mantida por um sindicato de trabalhadores, ela morre de medo de perder o emprego. “A gente vê a situação por aí e sabe o tanto de pai de família que está desempregado”, disse Maria José, que há sete anos faz de tudo no clube, da arrumação dos quartos à ajuda na cozinha. Não gosta de política, mas começou a simpatizar com Marina em 2014, depois que ela assumiu a cabeça da chapa de Eduardo Campos – morto num acidente aéreo em Santos. O discurso ambientalista também agradava à eleitora. “A gente precisa dar um jeito de impedir a invasão e o deslizamento de terrenos no morro”, afirmou, referindo-se às encostas da Serra do Mar que vê do quintal de sua casa.
Mas aos poucos a confiança em Marina foi se abalando. “Ela não conseguiu me convencer de que vai enfrentar a bandidagem do jeito que tem de ser feito”, disse. Foi depois do atentado contra Jair Bolsonaro, dia 6, que mudou de ideia de vez. Decidiu seguir o marido e optar pelo candidato do PSL. “Tem bandido embaixo, na rua, e bandido em cima, na política. Acho que agora só alguém como Bolsonaro pode dar um jeito nisso, e por isso tentaram matá-lo”, afirmou Maria, que cursou até o primeiro ano do antigo colegial numa escola pública da Praia Grande, município vizinho de Mongaguá onde nasceu e passou boa parte da vida.
Ela cita o aumento do número de jovens “ouvindo funk e fumando maconha na cara dura” perto de sua casa. “A polícia passa, olha, mas não pode fazer nada porque os traficantes já dominaram a área.” Pelo histórico eleitoral, Maria José poderia até ter flertado com Alckmin. Na eleição municipal de 2012, ela votou em Artur Procida, do PSDB – preso em maio numa operação da Polícia Federal com 4,6 milhões de reais e 216 mil dólares em espécie escondidos em casa, no Centro de Mongaguá. A prisão de Procida afastou qualquer possibilidade de voto no tucano Geraldo Alckmin. “E, como a Marina não tem chance, tem de ser o Bolsonaro. Se ele é corrupto, ninguém descobriu ainda.”
Maria José personifica a queda de Marina entre as mulheres e também a migração das intenções de votos femininos para Jair Bolsonaro. Embora seja também o mais rejeitado (passou de 43% para 49% de rejeição), o ex-capitão ultrapassou Marina e hoje lidera entre as mulheres. O candidato do PSL passou de 14% de intenções de votos em 22 de agosto para 18% em 14 de setembro. As mulheres são 52% do total de eleitores, segundo o Tribunal Superior Eleitoral.
No período entre as pesquisas, ocorreram os três eventos mais significativos da campanha até aqui: o início da propaganda na tevê, o ataque a Bolsonaro em Juiz de Fora, e a impugnação da candidatura de Lula, substituído por Fernando Haddad.
A maior migração do voto feminino foi justamente para o candidato petista, que tinha 3% em 22 de agosto, passou para 9% em 10 de setembro (um dia antes do lançamento oficial de sua candidatura) e chegou a 13% na pesquisa de 14 de setembro. Ciro Gomes também subiu, de 9% para 13%, e ultrapassou a candidata da Rede. Geraldo Alckmin se manteve estável (oscilou dentro da margem de erro, de 9% a 10% entre as mulheres) e empatou com Marina. A rejeição da candidata também aumentou entre o eleitorado feminino: de 23% para 27%.
Como as más notícias vêm sendo uma constante nesta campanha para Marina, a última pesquisa Datafolha mostra também que ela tem o voto menos consolidado entre os candidatos com chance de chegar ao segundo turno. Apenas 29% dos que pretendem votar nela afirmam que não mudarão sua decisão, enquanto Bolsonaro e Haddad têm os votos mais cristalizados (74% e 67%, respectivamente).
Com uma campanha com menos recursos do que em 2014 e tempo de tevê reduzido, Marina tem dificuldades de segurar até mesmo o eleitorado com quem já tinha imagem positiva. Ciro é a opção de outra ex-eleitora de Marina, a auxiliar de enfermagem Ana Luíza, de Fortaleza. Ela tem 27 anos, é mãe solteira de uma menina de 3, e pretende terminar o curso superior de enfermagem que interrompeu em 2014, quando engravidou.
Ana Luíza e a filha, Camila, moram com a mãe e o avô no bairro de Papicu, na capital cearense. Ela conheceu pessoalmente Marina numa visita que a então candidata fez em 2014 ao hospital público onde ela trabalha. “Vi nela sinceridade e a força da mulher do Norte. Ainda acho que um dia ela vai ser presidente”, afirma. “Mas acho que agora é a vez do Ciro.”
A mudança da intenção de voto se deve a dois fatores práticos. Ela diz gostar do trabalho que o prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, do PDT – mesmo partido de Ciro –, faz pela saúde pública e não acredita na capacidade política de Marina de fazer o mesmo, como presidente. “Acho que Marina não tem apoio dos deputados para fazer o governo que ela gostaria”, explicou Ana Luíza. “Já o Ciro deve eleger o Cid Gomes para o Senado e vai poder governar com mais tranquilidade. Os cearenses sempre tiveram um pouco de desconfiança da família Ferreira Gomes, mas sabem que eles têm força entre os outros poderosos.”
Um dos principais fatores que a aproximaram de Marina, contou Ana Luíza, foi o fato de ela ser mulher. Confrontada com as acusações de adversários de Ciro, segundo as quais ele teria adotado posições machistas ao se referir à ex-mulher Patricia Pillar, a ex-marinista se justifica: “Ele fez carreira no Nordeste, tem um jeito duro de falar certas coisas, mas se fosse machista a própria Patricia teria denunciado. E ela não fez isso.”
“Marina não defendeu nenhuma ideia que eu seja contra. Mas acho que ela não consegue se impor muito em relação a alguns assuntos. E acho que é por isso que ela não cresce”, disse Ana Carolina, 21 anos, desempregada, moradora de Ermelino Matarazzo, na Zona Leste de São Paulo. “Ela sempre chega com força e depois cai por isso, pela falta de posições mais firmes.”
Ana Carolina admira a história política de Marina e estava convencida a votar nela em outubro, mas mudou de ideia principalmente pelo temor de uma vitória de Jair Bolsonaro. Agora ela quer votar em Haddad, e não descarta Ciro. “Votaria em Haddad porque votaria no Lula. Ele fala muito sobre inclusão social e o partido apoia as ideologias que eu defendo”, disse, detalhando as possibilidades ante o mau desempenho de Marina nas pesquisas. “E o Ciro ganha do Bolsonaro no segundo turno em qualquer situação.”
Estudante de psicologia – “tive de trancar o curso na metade do segundo ano por falta de condições financeiras” –, Ana Carolina mora numa casa com outras três mulheres: a avó, a mãe e uma tia. “Feminista moderada”, como se define, ela afirma que Marina teria muito mais força entre as mulheres se expusesse com mais clareza suas convicções. “Há sempre um receio de que ela faça muitas concessões à igreja evangélica, por exemplo. Acho que isso não seria incômodo se ela deixasse claro os pontos que defende.”