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    O general Júlio César de Arruda, ex-comandante do Exército demitido por Lula Foto: Alan Santos/PR

questões militares

Por que o general foi demitido

Comandante do Exército perdeu o cargo depois de descumprir ordem de Lula

Monica Gugliano | 22 jan 2023_12h23
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Na manhã de sexta-feira, 20 de janeiro, o presidente Lula deu uma ordem ao ministro da Defesa, José Múcio. Ele deveria transmitir ao comandante do Exército, o general Júlio César de Arruda, que revogasse a designação do tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid para chefiar o 1º Batalhão de Ações de Comandos, localizado em Goiânia. O coronel Cid, como é conhecido, foi ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, pertence a uma longa linhagem de militares e, no exercício do novo cargo, chefiaria uma unidade do Exército cujos membros dispõem de armamentos mais eficazes e são treinados para ações especiais, como infiltração, interceptação de comunicações e eliminação de alvos. Os que passam por esse treinamento se identificam como “gorro preto” e formam uma espécie de confraria dentro do Exército. Como símbolo, usam uma caveira atravessada por uma faca. Além disso, fazem parte da confraria outros bolsonaristas da gema, como Eduardo Pazuello, que fez uma gestão desastrosa no Ministério da Saúde, e Luiz Eduardo Ramos, que ocupou três cargos com status ministerial no governo passado, todos com gabinete dentro do Palácio do Planalto.

Depois da quebradeira golpista do 8 de janeiro, Lula tinha motivos para desconfiar da lealdade das Forças dos militares, diante das evidências de que parte das Forças Armadas – com Exército à frente – oscilou entre a omissão e a conivência com o levante. Lula já vinha promovendo a demissão de militares que cuidavam dos palácios de Brasília, incluindo o Palácio da Alvorada, e também dispensou um punhado de fardados que trabalhavam no Gabinete de Segurança Institucional, que foi chefiado no governo Bolsonaro pelo general Augusto Heleno. Lula não gostou de saber que o coronel Cid, que acabara de virar alvo de uma investigação sobre uso de dinheiro vivo para bancar despesas de Bolsonaro e Michelle, estava designado para ocupar um cargo tão sensível a apenas três horas de distância de Brasília.

No sábado, o ministro Múcio falou pessoalmente com o comandante do Exército e transmitiu a ordem de Lula. A conversa não caminhou bem. Uma fonte ouvida pela piauí – que testemunhou o relato detalhado da conversa feito por um dos interlocutores – contou que o general alegou que não poderia demitir o coronel Cid. Disse que o coronel vinha sendo perseguido por razões ideológicas, e pretendia mantê-lo na chefia do 1º BAC. Laços pessoais também pesaram na insubordinação do general Arruda: ele é amigo do pai do coronel Cid, o general da reserva Mauro Cesar Lorena Cid, que, por sua vez, foi colega de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras. (Hoje, Cid pai comanda o escritório da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, a Apex-Brasil, em Miami.)

Depois da conversa, tensa e inconclusa, Múcio telefonou para Lula, que, naquele momento, se preparava para embarcar para Roraima. Ao ouvir que o general se recusava a cumprir sua ordem, Lula decidiu demiti-lo. O general Arruda recebeu a notícia com surpresa. Aparentemente, achava que conseguiria desrespeitar uma ordem do presidente e, mesmo assim, continuaria no cargo. Ainda pela manhã, Arruda convocou uma reunião por videoconferência com os integrantes do Alto Comando do Exército para comunicar sua saída. Entre os presentes, estava o general Tomás Miguel Ribeiro Paiva – que, a essa altura, ainda não sabia que seria o substituto do general demitido.

 

A insubordinação do general Arruda é um limão que virou limonada. Sua nomeação para o comando do Exército fora, desde o início, um erro de cálculo do ministro da Defesa. Assim que assumiu o cargo, José Múcio tinha três opções para a chefia do Exército, entre os mais antigos: o próprio general Arruda, o general Valério Stumpf Trindade e o general Tomás Paiva. Sabia da folha corrida do general Arruda. Entre os generais do Alto Comando, Arruda fazia uma parceria bolsonarista com outros colegas: Estevam Cals Theophilo de Oliveira e Marco Antônio Freire Gomes. Com frequência, os três generais se somavam ao general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ministro da Defesa, para compor o quarteto mais permeável ao ímpeto autoritário de Bolsonaro. Por isso mesmo, Múcio achou que deveria escolher Arruda. Queria tê-lo por perto. Achava que seria melhor – e mais seguro – do que deixá-lo longe e livre. Deu no que deu.

No fim, a insubordinação do general Arruda, que desde a demissão vem sendo tratado como herói pela milícia digital bolsonarista, forçou Lula a peitá-lo – coisa que deveria ter feito desde a delinquência golpista do 8 de Janeiro. Na baderna daquele domingo, os militares deixaram o tumulto acontecer. Tudo sugere que esperavam fragilizar o governo e, quem sabe, seriam premiados com uma GLO. A operação de Garantia da Lei e da Ordem coloca uma determinada área – no caso, a segurança do Distrito Federal – sob tutela militar. Lula não caiu na armadilha. Em vez de GLO, decretou uma “intervenção civil”, colocando o jornalista Ricardo Cappelli para cuidar da segurança do DF. Assim, evitou entregar mais um naco de poder aos fardados.

Agora, com a demissão de Arruda, provocada pela nomeação de um coronel mas materializada no contexto de uma ampla desconfiança desde o levante golpista, Lula avança mais uma casa e reafirma sua autoridade. A cúpula militar já acreditava que o governo ficaria na conciliação acomodatícia – e a surpresa do general com a sua demissão é a indicação mais recente disso. Assim, o limão virou limonada. O comportamento desses militares que se omitiam ou se acumpliciaram com os golpistas, inadmissível em qualquer democracia, exigia um tratamento mais severo do governo.

O novo comandante do Exército, general Tomás Paiva, terá a dura tarefa de expulsar a política dos quartéis. Seu nome já andava na lista de preferência de Lula e seu entorno ainda antes do começo do governo. Alguns petistas graduados tinham informação de que Tomás Paiva era um militar de verdade: respeitava a legalidade, a Constituição e agia como o que de fato é: um funcionário público a serviço do Estado, e não de sua ideologia pessoal. Chefe do Comando Militar do Sudeste, o general deu provas disso no discurso que fez à tropa dias atrás, ao dizer que o Exército precisa ser “apolítico e apartidário”, os militares precisam “respeitar o resultado das urnas” e continuar “garantindo a nossa democracia”.

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