Havia previsão de chuva em Brasília para o domingo, dia 1º de janeiro, mas, quando cheguei de moto a um local próximo da Esplanada dos Ministérios, por volta de 8h30, o Sol parecia disposto a não perder nenhum lance da posse de Lula.
Com duas câmeras mais as lentes, um saquinho de castanha e uma garrafa de água, estacionei e atravessei os 4 km ao longo da Esplanada dos Ministérios até a Praça dos Três Poderes, local próximo de onde ocorreriam os principais eventos. Sou brasiliense, mas raramente faço a pé esse percurso, que leva em torno de 40 minutos a passos lentos e durante o qual é difícil encontrar um lugar com sombra para aliviar o calor.
Às 10h, depois de enfrentar a fila de revista para ter acesso à praça, eu estava lá dentro, cercado por uma multidão de aproximadamente 40 mil pessoas, o número máximo permitido no local. Muitas pessoas gritavam seus lugares de origem, a cidade e o estado, como se quisessem indicar que tinham vindo de longe, às vezes de muito longe. Outras exclamavam em coro: “Lula, guerreiro do povo brasileiro”. Também cantavam, dançavam, se abraçavam. Estavam todos muito alegres, sorrindo sem parar: era impossível fotografar alguém triste na Praça dos Três Poderes.
Mas não havia uma sombra sequer no local. Fazia calor, faltava água, e a comida começou a escassear. As filas dos pontos de distribuição de água eram imensas: levava-se mais de uma hora para conseguir a bebida. Algumas pessoas decidiram dividir o que tinham, enquanto improvisavam sombras com bandeiras e roupas.
Quando a temperatura se aproximou dos 27ºC, e havia várias pessoas passando mal, apareceram carros de bombeiros. Jatos d’água começaram a ser lançados sobre a multidão. Foi um refrigério. Foi um êxtase. Tão grande, que o mote usado para louvar Lula acabou sendo empregado em uma nova saudação: “Bombeiro, guerreiro do povo brasileiro”.
Os bombeiros piraram com a homenagem: passaram a fazer fotos da multidão e a se esmerar ainda mais água nos jatos d’água. Foi bonito ver essa festa coletiva – e muito úmida. A água dos bombeiros, porém, era insuficiente para aplacar o calor do pico do dia. E a presença na posse foi se tornando uma prova de resistência.
Por volta das quatro da tarde, Lula finalmente apareceu para receber a faixa. A euforia tomou conta da praça, e o Sol ainda quente pareceu virar um detalhe. Todos gritavam muito: de alegria, mas também de alívio, porque já estavam no limite físico.
No momento em que Lula começou a discursar no Parlatório, a Praça dos Três Poderes emudeceu. Ninguém queria perder uma palavra sequer, ainda mais que as caixas de som não estavam ajudando. As pessoas ouviam muito atentas, emocionadas, várias choravam. De repente, no fim de uma frase do presidente, explodiam aplausos e gritos. Depois: silêncio novamente. Lula continuava e, quando ele pigarreava, alguém na multidão aconselhava: “Cuida dessa garganta!” Ou: “Fala mais devagar!” Era como se dirigissem a uma pessoa da família com uma preocupação, um carinho.
A festa finalmente acabou, e as pessoas começaram a deixar a Praça dos Três Poderes. Já eram quase seis da tarde , o calor diminuía. Todos estavam exaustos, mas satisfeitos por terem testemunhado aquele momento histórico e constatarem com os próprios olhos e corpos que o Brasil estava se recriando novamente, livre dos arautos nefastos da tristeza, da truculência, do rancor, da intolerância, da mentira e da violência.