O filme de Wim Wenders seria feito Pina Bausch, mas acabou só podendo ser realizado para ela. Mas mesmo ausente, Pina Bausch impregna Pina, ou For Pina, como chegou a ser chamado, pairando sobre cada momento.
Pina Bausch morreu em julho de 2009, uma semana antes de serem filmados os testes previstos por Wim Wenders para mostrar a ela o efeito do registro em 3D, que nunca tinha visto.
A circunstância trágica imprevista levou o projeto a ser abandonado. Tornara-se impossível fazer o filme planejado que, conforme Wenders prometera, não seria sobre Pina Bausch.
Foi por iniciativa e com apoio dos dançarinos do grupo dela que Wenders retomou a produção, conforme conta no depoimento disponível no site dele:
“Foi um choque para nós, de um dia para outro. Nenhum de nós tinha pensado que isso fosse possível, nenhum dos dançarinos, toda a companhia dela ficou profundamente abalada … a família dela. Ela soube que tinha câncer e morreu uma semana depois.
Isso foi o fim do filme como eu o tinha planejado. Cancelamos tudo, suspendemos a produção.
Foi só muitas semanas depois que os dançarinos me disseram: ‘Olha, nós vamos dançar todas essas coreografias que vocês dois puseram na programação, vamos apresentá-las, e é uma pena que você não vá filmar por que o olhar de Pina continua nelas, e você deve isso a ela. Ela quereria que você filmasse. E nós queremos que você filme’.
Então, percebemos que talvez não nos perdoaríamos, em um ano ou dois, se não tivessemos filmado. Então, retomamos o projeto e decidimos fazer um outro filme. Obviamente, não Pina, mas para Pina. E junto com os dançarinos dela mergulhamos nesse trabalho que agora era muito mais uma hommage, e era também para todos nós um trabalho para superar aquele choque e aprender a lidar com o fato que nenhum de nós tinha podido dizer adeus a ela. Então o filme se tornou a maneira de nós dizermos adeus a ela.
E como Pina nos momentos mais difíceis da vida dela sempre foi alegre, especialmente quando havia razão suficiente para ficar deprimida, e mesmo no momento mais sombrio dela, Pina sempre lidou com dificuldades rindo, então sentimos que nós também não devíamos agora, depois da morte dela, apenas cruzar os braços e chorar, mas que devíamos fazer esse filme de uma maneira alegre. É isso que ela teria tido vontade de fazer. Então retomamos o filme. E rimos muito por que devíamos isso a ela.”
(entrevista completa de Wim Wenders disponível aqui)
Pina Bausch se foi, mas suas coreografias e seu grupo permanecem, perpetuados agora em 3D ao alcance de um público mais amplo do que jamais tiveram.
Por pudor, talvez, Wenders não incluiu seu depoimento reproduzido acima como prólogo a Pina, o que teria explicitado a circunstância em que o documentário foi feito, e potencializando sua carga emotiva. Preferiu ser discreto, e aliar à simplicidade o avanço tecnológico do registro e a complexidade técnica de gravação em 3D. A opção de Wenders é compreensível, mas o preço pago é ter omitido de Pina a relação dele com sua personagem – essência de todo documentário do gênero.
Além das apresentações no palco, salvo breves exibições de imagens de arquivo de Pina Bausch, Pina alterna apenas duas situações – depoimentos curtos, e comovidos, dos dançarinos e trechos dançados nos parques e ruas de Wuppertal, na Alemanha, sede da companhia de Pina Bausch. A ressalva possível a esse minimalismo é as sequências se tornarem repetitivas e o filme longo demais.
Fora esse senão, Pina é empolgante e vigoroso. Deslocar as coreografias para o espaço urbano é recurso eficaz e harmonioso que comprova a eficácia do 3D. Nas suas coreografias, Pina Bausch traz para palco terra, água, pedra etc. Ao levar o espetáculo para fora do teatro, Wenders revela a adequação entre o movimento desconjuntado dos corpos e a paisagem urbana.
Wenders oferece ao espectador o privilégio de ter a mesma sensação que ele teve ao ver as coreografias de Pina Bausch pela primeira vez: “pessoas atuando se moviam de maneira diferente do que eu conhecia e que me comoveram como nunca tinha sido comovido antes. Isso não era teatro, nem pantomima, nem balé e muito menos ópera. Pina é, como sabem, a criadora de uma nova arte. Teatro dançado.”
Resta aproveitar essa bela oportunidade.