Passava das sete da noite de 11 de junho quando dois policiais militares chegaram ao Condominio Doce Lar em Hortolândia, no interior de São Paulo, depois de um chamado que relatava briga entre vizinhos. Quem os recebeu foi o professor Carlos Veiga Filho, de 61 anos. Não havia mais nenhum sinal de confusão por ali, e os policiais logo se prepararam para encerrar a ocorrência. Quando checaram a identidade do morador, porém, veio o alerta: Veiga era procurado pela Justiça desde abril e deveria estar na cadeia.
A 90 km de Hortolândia, na cidade de Serra Negra, o promotor Gustavo Pozzebon havia pedido dois meses antes a prisão do professor para que a ação penal a partir de uma denúncia da promotoria pudesse andar. É um caso em que o réu precisava ser citado pessoalmente, e ele estava sumido desde outubro, quando vendeu a casa e não deixou rastro na cidade de 30 mil habitantes.
Em abril, Veiga se tornou réu por suspeita de estupro de vulnerável e de registrar cena pornográfica envolvendo criança ou adolescente após as famílias de dois de seus alunos, menores de 14 anos, o denunciarem. O professor dava aulas de história, sociologia e teatro no Colégio Libere Vivere, em Serra Negra, onde trabalhava desde 2005.
Nas aulas de teatro, segundo o promotor, Veiga ficava sozinho com os alunos em algumas oportunidades. “Ele dizia que ia medir a energia vital dos garotos por meio dos chakras, que eles tinham que ficar nus para que ele pudesse medir essa energia vital deles. E, nesse momento, ele tirava fotos dos garotos. Ele dizia que pela fotografia ele conseguia enxergar alguma coisa sobre a energia vital e tal. Depois, que devolveria essas fotos”, conta Pozzobon. “Muitas vezes isso acontecia também no apartamento dele. Ele convidava os meninos para ir até o apartamento dele e ele fazia a mesma coisa lá.”
A notícia da prisão, sem muitos detalhes sobre sua motivação, movimentou as duas cidades e foi notícia em alguns sites e programas policiais. João Domingos, 44, mora em Londres e não pensava em Veiga havia anos. Até receber uma mensagem da irmã mais nova, com um vídeo que circulava rapidamente entre os grupos de WhatsApp de amigos dos tempos do colégio. Era um trecho do programa Brasil Urgente, da Band. “PROFESSOR PRESO POR ABUSOS”, mostrava a tela, enquanto a repórter narrava: “Dava aulas de história, sociologia e teatro”.
Domingos demorou a entender de quem se tratava. “O meu cérebro não absorveu nada”, conta. “E aí veio a foto dele.” A notícia arrastou a memória de volta a 1994. Ele tinha 14 anos e cursava o primeiro ano do Ensino Médio no Colégio Rio Branco, na Unidade da Granja Vianna. Nas fotos, o menino parece menor do que o resto da turma com que dividiu um dos chalés em um hotel fazenda. Todos estavam ali sob a responsabilidade de Veiga para um fim de semana de recreação, e João embarcou especialmente feliz: era a sua primeira viagem como parte da monitoria do Rio Branco.
O colégio é um dos mais tradicionais de São Paulo. Em 2023, segundo o Censo Escolar, tinha 2.046 alunos matriculados, somando as unidades de Higienópolis e da Granja Vianna. Os atores Antonio Fagundes e Regina Duarte, o piloto Ayrton Senna e o empresário Benjamin Steinbruch, dono da Companhia Siderúrgica Nacional, são alguns dos nomes que passaram por suas cadeiras.
A escola foi fundada em 1946 por integrantes da Fundação de Rotarianos de São Paulo, sua mantenedora até hoje, ligada ao centenário Rotary Club – organização americana que reúne empresários e líderes comunitários mundo afora dedicados a filantropia e trabalho voluntário. A mensalidade custa em torno de 4400 reais.
Até hoje, o Colégio Rio Branco oferece a monitoria, uma atividade extracurricular em que alunos mais velhos acompanhavam os mais novos em viagens de lazer e de estudos. O programa existe desde 1990, criado pelo então diretor-geral Primo Páscoli Melaré, que morreu em 2000. “É um projeto pioneiro e tradicional de nossa escola, para alunos do 9° ano do ensino fundamental à terceira série do ensino médio, que visa desenvolver liderança, responsabilidade, habilidades socioemocionais”, disse a instituição à piauí, por meio de sua assessoria de imprensa.
Segundo a escola, a monitoria é aberta a todos. “Os alunos que desejam ser monitores passam por um curso específico de formação que envolve ações antibullying, atividades recreativas, trabalho colaborativo, primeiros-socorros, entre outros. A partir de então, podem apoiar diversas atividades da escola, sempre com a supervisão de educadores.”
Carlos Veiga Filho atuou na coordenadoria de alunos do Rio Branco de 1990 e 2003. Pelo menos desde 1986, supervisionava o grupo de teatro estudantil – naquele ano, seu nome apareceu no anúncio da apresentação da peça Luas e Luas, encenada em 5 de setembro no auditório da unidade da Granja Vianna.
Nos anos 1990, segundo nove ex-alunos ouvidos pela reportagem, Veiga escolhia os adolescentes que mais chamavam a sua atenção para participar da monitoria. Os participantes não pagavam pelas excursões e automaticamente ascendiam ao panteão de popularidade da escola. Nas viagens, eles se distinguiam dos demais pelo apito pendurado com uma corda no pescoço e por usar uma camiseta com a palavra “monitoria” estampada.
“Os monitores eram alunos mais velhos, basicamente, viajavam com as séries mais novas, organizando o que tivesse a ver com a viagem. Coisas como contar a presença de quem estivesse no ônibus, como hospedagem, cama, distribuir lanches. Eram viagens que o Veiga ia a todas elas. Todas. Posso estar enganada, mas na minha memória nunca houve uma a que ele não fosse”, lembra a escritora Júlia de Carvalho Hansen, 40 anos. Ela estudou na unidade da Granja Viana entre 1997 e 2001, e foi monitora durante o ensino médio.
“Hoje eu entendo que aquele sistema era completamente semelhante às high school que vemos em seriados e filmes. Um sistema de validação entre os alunos completamente norte-americanizado da escola. Aqueles que eram monitores eram mais populares do que quem não era.”
Dentro da monitoria, Veiga criou outro sistema de hierarquia: os monitores sênior, um grupo ainda mais fechado, em que todos precisavam jurar segredo e lealdade.
João Domingos foi um desses escolhidos. Já na primeira viagem ao hotel fazenda (que ficava na cidade de Serra Negra, onde Veiga se tornaria professor mais tarde), os mais velhos repassaram o convite de Veiga para que João se tornasse um monitor sênior. A sensação quando ouviu do professor o que aquilo significaria para a vida dele era a de pisar em nuvens. “Coisas boas viriam, os outros monitores não iam viajar tanto, só esse grupo seleto de monitores sênior”, relembra João.
“O que não estava explícito era que existia um pacto secreto por trás dessa promoção, vamos dizer assim, desse privilégio. Esse pacto secreto envolvia um batismo e um grande segredo, que tinha que ser preservado”, conta. “É perfeito isso, né, para uma criança. Mas hoje me deixa apavorado quando penso nos meus filhos.”
Na noite seguinte, ninguém mais estava acordado no hotel quando um monitor mais velho foi buscar João em seu quarto. Ele e um amigo – que pediu para não ser identificado – caminharam pela noite até um outro local do hotel, onde Veiga e outros monitores “sênior” os aguardavam para o batismo. Os mais velhos, então, orientavam que os novatos se despissem, ficassem só de cuecas e colocassem vendas nos olhos. Depois, passavam tinta guache colorida pelos corpos seminus dos adolescentes com as mãos e usando pincéis.
João gravou na memória o toque gelado do pincel sobre sua pele e o cheiro da guache. E os cliques da câmera de Veiga, fotografando todo o ritual de iniciação.
A reportagem ouviu outros quatro ex-alunos do Colégio Rio Branco que também passaram pelo mesmo batismo da “monitoria sênior”. Alguns totalmente nus, outros ficaram de cuecas – apenas os meninos passavam por esse ritual. Todos relatam terem sido fotografados dessa forma, com ou sem a roupa íntima, pelo professor Carlos Veiga Filho, em histórias que se repetiram em diferentes turmas, das unidades de Higienópolis e da Granja Vianna, entre 1995 e 1999. Esses quatro homens pediram para conversar sob anonimato, por medo da exposição e por temer algum tipo de retaliação.
A piauí também teve acesso a um depoimento que um ex-aluno do Rio Branco enviou para a promotoria de Serra Negra, escrito a próprio punho, com caneta de tinta azul. Em duas folhas de fichário, o ex-aluno do Rio Branco em Higienópolis relata abusos. “No final do ano de 2002, fui chamado a conversar pelo Sr. Carlos no pátio do colégio Rio Branco, onde estudei a infância e a adolescência inteira. Junto comigo, estavam outros quatro garotos de idades entre 13 e 14 anos.”
O texto segue, dizendo que Veiga os procurou naquela ocasião para convidá-los a se tornar “monitor sênior” e que, para isso, precisavam seguir a tradição do batismo, conhecido pelos alunos como “Asdrúbal”. “Ele afirmou que era um segredo guardado por várias gerações e que demonstrava a cumplicidade dentro desse grupo da monitoria. Afirmou também que muito embora existisse o cargo de monitora sênior para as meninas, elas não tinham conhecimento e nem praticavam esse ato de batismo.”
“Após a conversa no pátio do Colégio Rio Branco, fomos conduzidos a um flat próximo da escola, na rua São Vicente de Paula (ou na rua paralela a essa). Os alunos ficavam totalmente nus enquanto o Sr. Carlos assistia a cena, fotografava e fornecia as tintas para os alunos se pintarem. Posteriormente, tomamos banho no flat para limpar a tinta e fomos embora. Em data futura, me foram entregues negativos das fotos, que não pude identificar se guardavam relação ou não com as fotos do dia em questão.”
O testemunho por escrito desse ex-aluno registra que ele presenciou novamente essa prática em 2003, durante uma viagem escolar ao Hotel Fazenda Akropolis, também em Serra Negra. “Após os alunos terem ido dormir, os monitores sênior se dirigiram à piscina para se pintar e nadar pelados, enquanto o Sr. Carlos fazia registros fotográficos.”
Nas conversas de WhatsApp que se seguiram à notícia da prisão, ex-alunos do Rio Branco, alguns dos meninos – hoje homens perto dos 40 anos – relataram experiências semelhantes, que enxergam como abuso. Por iniciativa de uma ex-aluna, um formulário circulou pelo aplicativo, oferecendo um espaço seguro para denúncias anônimas que poderiam colaborar com o trabalho do Ministério Público. Em apenas uma semana, houve 23 relatos anônimos indicando abuso nos batismos promovidos pelo professor.
A piauí questionou o Colégio Rio Branco sobre essas denúncias de estudantes que passaram por lá. “Considerando a gravidade do que foi mencionado na pergunta, esclarecemos que está em total desacordo com as diretrizes que nortearam a criação da Monitoria Rio Branco, que perdura até hoje. A Fundação de Rotarianos de São Paulo reitera o compromisso com a formação, o desenvolvimento e a integridade”, disse o colégio, em nota.
O que indignou particularmente João Domingos foi a resposta do Rio Branco ao Brasil Urgente, dizendo que não havia registro de conduta inadequada contra o professor no colégio. Ele conta que, em 2002, quando já estava na faculdade, foi com o seu melhor amigo da escola – o mesmo com quem foi batizado – para denunciar o ex-professor na sede do colégio, em Higienópolis. Esse amigo, com quem João não conversa há alguns anos, confirmou o relato à piauí.
“Era um final de dia na escola, à tarde, e pedimos para falar com a direção porque queríamos denunciar um professor. Alguém passa a ligação, a gente é chamado para subir e é recebido por um diretor da época, que era uma pessoa mais velha”, conta João. Ele não tem certeza do nome do profissional.
“Esse diretor fica extremamente chocado e diz que é para a gente não se preocupar, que isso está errado, mesmo, e que iria tomar uma atitude certa naquela hora.” O ex-aluno saiu contente com o encontro, e combinou que retornaria passados alguns dias. “Na segunda reunião, o tom já era completamente diferente. O tom foi de intimidar a gente, dizendo que não era bom ter os nossos nomes vinculados a uma história assim, que isso era muito sério e a escola ia tomar as medidas cabíveis para se defender dessas acusações.”
“E a gente começou a não entender nada, né? Porque a gente achava que a escola ia estar do nosso lado quando fizesse a denúncia”, diz João.
À piauí, o Colégio Rio Branco disse que a atual gestão da Fundação de Rotarianos de São Paulo desconhece os relatos de batismos e também não tem “registros de denúncias que possam ter sido feitas, bem como de medidas que possam ter sido tomadas ou não pela direção à época”. A escola disse ainda que tem uma ouvidoria para receber sugestões ou denúncias e reclamações anônimas. “Embora esse canal esteja continuamente aberto, não foi recebida nenhuma denúncia dessa natureza. Permanecemos à disposição para prestar todas as informações que se fizerem necessárias”, afirmou a instituição.
Nos anos 1990, o Rio Branco era conhecido por exigir disciplina rigorosa dos alunos. Crianças e adolescentes cantavam o Hino Nacional e tinham de fazer juramento à bandeira de manhã, com um inspetor com pinta de militar circulando como se estivesse revistando uma tropa.
O então diretor-geral, Primo Páscoli Melaré, contou à Folha de S.Paulo que proibiu um aluno de entrar na escola porque ele havia raspado parte do cabelo, e só o deixou assistir às aulas depois de raspar o restante.
Namoros eram expressamente controlados e os casais homossexuais, proibidos. No ano 2000, um casal gay chegou a ser expulso pelo relato de que se beijaram no colégio. Na época, uma aluna relatou ao jornal que um professor incentivava piadas homofóbicas. “Ele posa de machão nas aulas e incita os alunos a fazer piadas com um cara que é tachado de gay. Sempre que entra na sala, ele cumprimenta os meninos, as meninas e os ‘outros’. E ainda fala: ‘Espero que não existam outros'”, ela contou à Folha.
Nessa mesma reportagem, o ex-diretor Melaré disse que aconselharia uma transferência sigilosa se flagrasse rapazes se beijando no colégio. Também disse que casais heterossexuais podiam namorar no Rio Branco, desde que sem beijos. “Não podemos permitir o que a família não permite dentro de casa”, afirmou ao jornal.
No teatro estudantil do Rio Branco, Carlos Veiga Filho montou adaptações de clássicos como Romeu e Julieta e de musicais da Broadway, como Grease. Mas pouco se sabia sobre seu trabalho na monitoria. Parecia “encoberto por uma névoa”, disse à piauí uma pessoa que trabalhou no colégio, que também pediu para não ter sua identidade revelada. Ela contou que, na época, ficava intrigada e chegou a tentar entender o que acontecia nas viagens da monitoria com os alunos, mas eles desviavam do assunto. Até houve rumores de que havia algo errado nesse clube secreto, mas ninguém na escola, disse esse educador, tomou providências. E os alunos continuavam se recusando a falar, dizendo que era um segredo entre eles e o professor.
Veiga era amável com todos, mas não estabelecia com os outros docentes do Rio Branco o mesmo entrosamento que tinha com os alunos — alguns o apelidaram carinhosamente de Gordo. Gostava de cumprimentar os estudantes com beijinhos no rosto e abraços. Uma pessoa com quem a reportagem conversou relatou que alguns alunos eram tão próximos que tinham a chave de sua casa – um apartamento na Rua Conselheiro Brotero, em Higienópolis, a quatro minutos a pé do Rio Branco. Duas pessoas relataram anonimamente à reportagem que, ao entrar na sala do professor, já viram colegas sentados no colo dele.
”Pensando hoje, acho que ele, para mim, tinha uma ambiguidade de um cara que parecia meio abandonado, meio deprimido e, ao mesmo tempo, tinha um ar bonachão”, descreve Júlia Hansen. “Eu diria que as pessoas gostavam dele. No geral, ele era visto como, sei lá, fofo, bonzinho. Um cara que ajudava, dava caminho. Os alunos confiavam nele. Tudo levava a confiar.”
Alguma coisa nele, no entanto, incomodava Júlia – algo que ela só foi entender quando soube da prisão do ex-professor. “Esses dias, conversei com meus amigos de escola sobre o absurdo dos abusos, e, curiosamente, ninguém se surpreendeu. Embora a indignação, a tristeza e o nojo… Ninguém com quem falei se mostrou surpreso. Eu falei com umas 15 pessoas e, ao saberem das violências sexuais, todas falaram: caralho, isso estava na nossa cara. Como não notamos?”
Segundo o Rio Branco, Carlos Veiga FIlho foi demitido em 2003 em uma estruturação interna. “Na ocasião, 196 profissionais de diferentes áreas também foram desligados”, afirmou a escola. O professor, então, se mudou para Serra Negra, onde em princípio trabalhou com recriação em um dos hotéis fazenda que frequentava com as excursões do Rio Branco. Em 2005, conseguiu um emprego no Colégio Libere Vivere, onde dava aulas de história, sociologia, teatro e importou o modelo de monitoria extracurricular.
O ator e professor Breno Floriz, que é filho da diretora da escola e foi seu amigo e colega de trabalho, conhece Veiga desde aquela época. “Ele produziu muitas peças, os alunos gostavam dele. Era uma pessoa querida, muito inteligente, um ótimo professor. Isso não diminui a gravidade do problema”, diz Floriz. “Não houve conivência da escola em momento nenhum. A partir do momento em que a escola soube da grave importunação, demitiu e fez a denúncia.”
A exposição começou com um deslize do próprio Veiga. Num final de semana em setembro passado, o professor postou fotos de adolescentes sem camisa no status do WhatsApp, funcionalidade semelhante aos “stories” do Instagram em que publicações somem após 24 horas (e no qual não é raro alguém postar algo por engano, ao desejar mandar uma imagem para outra pessoa). “Não eram alunos da escola. A diretora da escola, quando percebeu tudo isso e analisou essa conduta antiprofissional dele, já o demitiu”, diz o advogado Eduardo Leite, representante legal do Colégio Libere Vivere.
Dias depois da demissão, a escola começou a receber denúncias de abusos de Veiga com alunos. “Uma psicóloga, que não é a psicóloga da escola, atendia um aluno e nos procurou, relatando um suposto abuso. Depois, mais dois alunos também relataram”, conta Leite. A escola analisou os casos, conversou com os pais e pediu autorização deles para reportar as denúncias à delegacia de Serra Negra. “Em outubro, levamos todos esses casos ao conhecimento da delegacia. Desde as fotos de WhatsApp, quando ele foi demitido, até os relatos dos menores do que havia se passado”, afirma o advogado.
Breno Floriz diz que ainda dói pensar no que aconteceu. “A gente vive ainda um luto, né, por todos esses anos,” diz. Veiga, para ele, era um professor inteligente e querido pelos estudantes. “Ele lamentava as férias, coisa estranha, né? Ele gostava de estar perto dos alunos”, lembra.
Em 2018, o professor teve uma trombose séria e quase perdeu a perna, conta Floriz, e a escola se mobilizou para ajudá-lo. Alguns colegas, entre eles o ator, organizaram uma força-tarefa para limpar o apartamento dele. Floriz conta que Veiga tinha uma coleção de fotos de alunos e ex-alunos desde a época do Rio Branco, organizadas e catalogadas em pastas.
“Eu mesmo conhecia a trajetória dele do teatro lá através dessas pastas que ele tinha com fotos dos alunos, o que cada aluno fazia, tanto de meninos quanto de meninas. Eu não achava isso estranho. Eu achava isso até interessante, né? Como um historiador, alguém que quer registrar os próprios trabalhos com as pessoas que conviveu”, Floriz conta.
Ele diz que nunca viu fotos de batismos ou rituais nesse arquivo. “Não, não. Eram fotos do teatro. Teatro e monitoria. Ele colocava geralmente o nome da viagem, a data. E quando era teatro, o nome do ator, da atriz, do aluno e o nome do personagem.”
Carlos Veiga Filho cumpre prisão preventiva em Sorocaba. Desde que o caso se tornou público, o Ministério Público em Serra Negra tem recebido denúncias feitas por ex-alunos do Rio Branco. Esses casos já estão prescritos, mas mesmo assim auxiliam a investigação a embasar o pedido para que o professor continuasse preso, diz o promotor Gustavo Pozzebon. “Diante desses novos elementos, nós pudemos afirmar agora que ele age de forma reiterada há décadas. Dessa forma justifica-se que ele fique preso preventivamente para que não cometa mais crimes”, afirma.
“O estupro de vulnerável não precisa necessariamente uma relação sexual. Ele manipulava os meninos para que eles ficassem nus diante dele. Tirava fotografias, filmava. Então, isso é o que configura o crime de estupro de vulnerável”, explica o promotor. A Justiça acatou o pedido da promotoria e manteve a prisão de Veiga. Os advogados do professor pediram um habeas corpus, que será julgado pelo Tribunal de Justiça. Em 20 de agosto, Veiga comparecerá ao tribunal para uma audiência, onde também falarão outras testemunhas do caso.
A piauí solicitou uma entrevista a Carlos Veiga Filho por meio de uma carta aos cuidados de seu advogado, Jhonatan Wilke. Ele preferiu não se manifestar.
Em nota, a defesa diz que o professor nega a autoria dos crimes. “Nunca cometeu nenhum crime durante sua carreira de mais de 30 anos como professor. Apenas prestou assistência aos estudantes que estavam enfrentando um momento difícil na família. Dessa forma, se declara inocente de todas as acusações”, disse Wilke.