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    Lula discursa ao deixar a Polícia Federal AFP

questões de poder

PT e aliados preparam campanha Lula-2022

Solto, ex-presidente vai percorrer o país e comandar oposição a Bolsonaro

Fabio Victor | 08 nov 2019_20h04
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Para o Partido dos Trabalhadores e seus aliados na esquerda, a libertação de Luiz Inácio Lula da Silva significa o início da campanha do ex-presidente por um novo mandato em 2022. A cúpula do partido e movimentos sociais parceiros se preparam para que Lula passe, a partir do começo do ano que vem, a viajar pelo país, se colocando como o principal líder de oposição ao governo Bolsonaro.

Com base em decisão do Supremo Tribunal Federal que barrou a prisão de condenados logos após a segunda instância, o juiz Danilo Pereira Júnior, da 12ª Vara Federal de Curitiba, determinou na tarde desta sexta (8/11) a soltura de Lula. Ao discursar em um palanque montadona frente da PF, Lula já avisou que iria percorrer o Brasil.

As principais lideranças do PT têm repetido que o partido continuará atuando para que a sentença de Lula seja anulada, abrindo assim espaço para que ele possa ser candidato – do contrário ele continuará inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Não é tão simples. Além da ação pela qual foi preso, referente ao tríplex do Guarujá, o ex-presidente foi condenado em primeira instância pelo processo do sítio de Atibaia (que pode ser anulado por outra decisão do STF, segundo a qual réus delatados têm direito a apresentar por último suas alegações, o que não ocorreu com Lula) e é réu em outras sete ações penais na Justiça Federal, em Curitiba, Brasília e São Paulo. “Pode ter certeza de que Lula volta fazendo aquilo que só ele faz tão bem, que é rodar o Brasil olhando no olho das pessoas, com ouvido aberto para ouvir os sofrimentos do povo e construindo mobilização e esperança”, disse o deputado federal petista Alexandre Padilha, vice-presidente do partido e integrante da Executiva Nacional e do Diretório Nacional.

“Todo mundo do PT, Haddad inclusive, defende que Lula seja o candidato do partido à Presidência em 2022. E, mais do que isso: Lula é uma liderança política incontestável num Brasil que está com um grande vazio de lideranças políticas com capacidade de agregação. Ele passa a ser uma figura indispensável para que o país saia da crise política, econômica, institucional e social em que se meteu desde o golpe que tirou a presidenta Dilma Rousseff”, afirmou o petista.

Padilha – que foi ministro das Relações Institucionais no governo Lula e ministro da Saúde no governo Dilma – rejeita a ideia de que, na estrada, o ex-presidente será um líder mais radical. “Ele poderá ser um ‘Lulinha paz e amor’ sim, ter o papel que Mandela teve na reconstrução da África. Mas isso não significa abandonar a população mais pobre. Lula vai rodar o país preocupado com o sofrimento do povo, com a destruição da soberania nacional e o rebaixamento do Brasil perante o mundo, e não com Bolsonaro. É o Bolsonaro que fica preocupado com Lula.”

Para o deputado federal, a tese de que Lula solto fortalecerá o bolsonarismo é uma falácia. “Primeiro inventaram uma interdição judicial a Lula, que o Supremo considerou inconstitucional. Agora querem inventar uma interdição política, a partir de uma narrativa de quem não tem condições de mobilizar a população para enfrentar o bolsonarismo, a regressão dos direitos sociais e essa agenda privatizante e entreguista”, disse Padilha.

Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), afirmou não ter “nenhuma dúvida” de que Lula será o candidato do movimento na campanha de 2022. “Claro que é o nosso candidato. O próximo debate vai ser a anulação de todo o processo judicial, e isso abrirá as portas para a candidatura.”

Mauro aposta que a libertação do líder petista vai agitar a murcha oposição ao governo Bolsonaro. “Muda, o cenário político tende a mudar, o Lula cumpre esse papel. Não sou daqueles que adoram lideranças, mas ele é uma espécie de catalisador. Atrai muito, ainda mais nessa crise. O cenário da América Latina é muito ruim, há um problema objetivo, de crise social com desemprego, que não deve melhorar num curto espaço de tempo. Por isso estão ocorrendo os levantes na região.”

O dirigente viu a libertação como “uma grande vitória do MST”. “Quem garantiu o acampamento em Curitiba [com militantes, vizinho à carceragem da PF] todo esse tempo fomos nós. A soltura de Lula cria um ambiente de mobilização popular, de reaglutinação de forças. Mas não deve alterar a conjuntura da reforma agrária e do desemprego. Além de não resolver o problema, no fundo não resolve a barreira de contenção, uma hora isso explode, quase naturalmente. Quando vai ser, não me atrevo a dizer.”

Guilherme Boulos, coordenador nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e candidato do Psol à Presidência em 2018, se diz seguro de que, livre, Lula se torna o principal líder de oposição ao governo Bolsonaro, viajando pelo país e agitando a militância. “Se ele estiver com disposição de rodar o Brasil, seguramente vai ser uma atividade não somente para defender a inocência dele e denunciar os abusos de Moro e da Lava Jato, mas também uma caravana de oposição ao governo Bolsonaro e tudo de ruim que ele tem feito para o país.”

Apontado pelo próprio Lula como uma das principais jovens lideranças da esquerda brasileira, Boulos ironizou setores desse espectro que defendem um Lula mais conciliador com a saída da prisão. “Tem um monte de gente no Brasil em busca do centro perdido, idealizando um centro democrático que não existe, que já se perdeu. Acho isso uma furada, não confio em lideranças de centro-esquerda que estão entrando nessa.”

O líder do MTST tem sido instado por dirigentes do Psol a ser candidato à Prefeitura de São Paulo no ano que vem, mas disse que não se definiu sobre o assunto. “Meu foco tem sido rodar o Brasil e fortalecer a oposição ao governo Bolsonaro.”

Aliado histórico do PT, a quem apoiou em todas as campanhas presidenciais desde 1989, o PCdoB se afastou do parceiro desde a prisão de Lula. O partido se queixa, por exemplo, que sua presidente, Luciana Santos, só foi autorizada pelos petistas a visitar o ex-presidente em Curitiba quando ele já estava preso havia um ano – que foi visto como sintoma da blindagem do PT em torno do seu líder.

Um dos quadros do PCdoB mais próximos de Lula no passado, o deputado federal Orlando Silva (SP) observa que a prisão de Lula provavelmente resultará num político menos aglutinador. “Já tive uma relação melhor com Lula do que tenho hoje, porque nesse período final ele foi aos poucos se fechando em torno do partido dele. O pano de fundo é a violência política de que ele é alvo. Por isso ele ficou hipersensível, com uma visão parcial, unilateral, muito partidária. Temo que saia de lá uma liderança mais facciosa”, disse Silva.

Na avaliação do deputado, a decisão do STF, “apesar de reparar uma violência”, produziu alguns vencedores: o próprio Lula e o PT, de um lado, e, de outro, Bolsonaro e Moro. “A tendência é que, após a decisão do STF, vivamos uma nova fase da polarização política no Brasil, com esses dois polos mais fortalecidos.”

Silva lembra que, desde os tempos de líder sindical, Lula sempre foi um conciliador, que negociava com adversários e mantinha sempre as portas abertas ao diálogo. Mas, para o parlamentar do PCdoB, a possível polarização que se seguirá à soltura de Lula sugere “que o que virá não será paz e amor, mas um personagem inédito, fruto de uma violência brutal que foi alimentada por sectarismo. Lula tende a ser um homem mais fechado. Talvez com o tempo retome a alma dele, que é a de um homem do diálogo”.

Orlando Silva foi um dos políticos que acorreram ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em abril do ano passado, quando Moro decretou a prisão de Lula. Questionado se voltaria ao local neste sábado (9/11), no ato para festejar a libertação do petista, o deputado respondeu: “Não, estou preparando a minha campanha à Prefeitura [de São Paulo no ano que vem].”

Outra dúvida surgida com a libertação é sobre onde Lula vai morar. Quando deixou a Presidência, ele voltou para São Bernardo do Campo, cidade na Grande São Paulo que adotou desde os tempos de sindicalista. Mas, em entrevista concedida ao site Brasil de Fato no final de outubro, quando ainda estava preso, revelou que pretende se mudar.

“Obviamente, eu fico sonhando em sair daqui, decidir onde eu vou morar. Quando eu deixei a Presidência, tinha vontade de morar no Nordeste, vontade de voltar para o meu Pernambuco, vontade de morar não perto da praia, mas num lugar em que eu pudesse ir à praia. Pensava em ir para Bahia, Rio Grande do Norte, mas a Marisa não quis ir porque ela nasceu em São Bernardo [do Campo], e o mundo dela era São Bernardo. Eu não tenho mais o que fazer em São Bernardo. Eu, quando sair daqui, eu quero… Não sei pra onde ir, mas eu quero me mudar pra outro lugar.”

Segundo Alexandre Padilha, a escolha de Lula – que será tomada em conjunto com sua nova companheira, a socióloga Rosangela da Silva, a Janja – não vai interferir na estratégia política do partido. “Lula sempre teve um carinho especial pelo Nordeste e pelo povo nordestino. Desde o tempo da Presidência dizia que queria morar numa praia do Nordeste. É uma decisão de cunho absolutamente pessoal, que envolve, além dele, sua nova parceira de vida e os filhos. Independente de onde seja sua residência oficial, ele estará rodando o país.”

Na opinião de Boulos, “a última coisa em que ele está pensando agora é onde vai morar”.

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