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Quando o marca-passo perde o ritmo

Fabricante faz recall de 157 mil aparelhos pelo mundo; paciente critica falta de informações sobre defeito que pode interromper estímulos cardíacos

Emily Almeida | 01 mar 2019_18h40
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A esteticista Bruna Lacerda Vivian ainda sentia as dores do pós-operatório do implante de um marca-passo, em janeiro deste ano, quando soube de um recall desses dispositivos no país. Ela preocupou-se com o motivo do chamado – uma falha que poderia interromper os estímulos cardíacos –, e mais ainda ao notar que a marca dos aparelhos era a Medtronic, a mesma que usava. Vivian achou que a notícia era falsa, pois não havia nada a respeito no noticiário, até que um médico confirmou a informação. A linha em recall, no fim das contas, não era a sua, mas o problema provocou-lhe uma desconfiança crônica: a de que não será informada caso haja um recall para o seu aparelho. “Se eu não tivesse procurado, não saberia”, disse a esteticista de 33 anos, que precisa do dispositivo para regularizar os batimentos cardíacos, mais lentos do que o normal. “E isso me deu muito medo, já pensou se o meu marca-passo tem um problema, e eu não fico sabendo?”

O recall que alarmou Vivian foi divulgado pela Anvisa em 28 de janeiro, e dizia respeito a uma linha de marca-passos de câmara dupla da Medtronic, comercializada em diversos países, incluindo o Brasil. A falha nos aparelhos (pausas nos estímulos por alguns momentos) foi relatada por cardiologistas de dois pacientes – de fora do Brasil, segundo a empresa. Maior fabricante mundial de dispositivos médicos, a Medtronic foi uma das empresas investigadas pelo projeto Implant Files, que revelou problemas causados por implantes defeituosos pelo mundo. Participaram da investigação global 252 jornalistas, de 59 veículos de 36 países. No Brasil, colaboraram com a apuração a revista piauí e a Agência Pública.

No caso do recall de marca-passos do fim de janeiro, além de um informe na página da Anvisa, não houve divulgação em veículos de imprensa brasileiros. No total, foram comercializados 156 957 aparelhos em todo o mundo, entre março de 2017 e janeiro de 2019. Nem a Medtronic, nem a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, informaram à reportagem quantos desses implantes foram feitos no Brasil. Questionada sobre campanhas de divulgação para esse tipo de recall, a Anvisa informou que comunica o público por meio dos alertas em seu site. A Medtronic afirmou que notificou a Anvisa no dia 22 de janeiro e, desde então, toma “as medidas necessárias” para informar os pacientes.

A descrição dos aparelhos potencialmente problemáticos, e os lotes de marca-passos afetados estão listados no alerta enviado à Anvisa. A orientação aos pacientes que tiverem implantes dessas linhas é que procurem um cardiologista. A Medtronic disse, em nota, que orientou os médicos sobre como atender a quem foi afetado. Na maioria dos casos, de acordo com a empresa, os aparelhos não deverão ser substituídos. A Medtronic suspendeu a distribuição dos dispositivos e pediu aos médicos a devolução dos aparelhos da linha afetada não utilizados. A atualização que corrige o erro, segundo a empresa, deve ser enviada às agências reguladoras no segundo semestre deste ano. A Anvisa informou que pediu à Medtronic dados e informações complementares sobre o recall, como o número de aparelhos comercializados e devolvidos.

Nos últimos dois anos, no Brasil, foram 37 problemas ou erros em dispositivos médicos da Medtronic e de uma subsidiária, a Auto Suture, registrados no site da Anvisa. A Boston Scientific, outra fabricante de aparelhos, relatou quinze falhas no país. Já a Johnson & Johnson registrou 22 ocorrências. Em casos mais graves, as fabricantes podem ser multadas. Como mostrou o Implant Files, apenas a Medtronic chegou a gastar, em dez anos, 6,7 bilhões de dólares em indenizações e processos por falhas em implantes. O projeto revelou também como funcionava o cartel dos implantes cardíacos, que fraudou licitações e estimulou cirurgias desnecessárias no Brasil durante vinte anos, e do qual a Medtronic fazia parte.

Coordenadora das UTIs cardiológicas do Hospital Sírio-Libanês, Ludhmila Abrahão Hajjar afirmou que os problemas decorrentes de falhas em marca-passos não são comuns, mas também não são raríssimos. “O marca-passo é um dispositivo seguro, os aparelhos mais novos são completamente wireless e é possível saber, por exemplo, a localização dos pacientes e o nível de bateria. Mas ele também pode ser vulnerável, como foi o caso do recall em 2017 com uma linha de marca-passos sujeitos a um ataque hacker”, disse a cardiologista. “O maior risco está na falta de monitorização. É importante que o paciente procure imediatamente um profissional, caso seja informado sobre o recall do seu modelo de dispositivo.”

Passado o susto de acreditar que havia implantado um marca-passo com problemas, a esteticista Bruna Vivian conta que vai ficar mais atenta a chamadas desse tipo. E espera não precisar passar por outra cirurgia, além da obrigatória, para troca do aparelho, dentro de dez anos. “Tive um pós-operatório muito difícil, senti dor por três meses. Espero não ter de viver isso de novo por causa de um erro. Tenho dois filhos pequenos e, quando se faz uma cirurgia como essas, a vida toda para.”

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