O Brasil nunca esteve tão perto de aprovar a criação de um santuário de baleias no Atlântico Sul, uma antiga reivindicação do país. A proposta será votada na próxima reunião da Comissão Internacional da Baleia, que acontece no mês que vem. O biólogo Ugo Vercillo, um dos coordenadores do projeto, aproveitou sua participação no Congresso Mundial de Conservação, que acontece em Honolulu, no Havaí, para fazer lobby junto a representantes dos países que se opõem à medida. “Precisamos virar quatro votos”, Vercillo disse ao blog durante o evento.
A proposta – disponível para consulta no site da Comissão – é encampada por outros quatro países: Argentina, Uruguai, Gabão e África do Sul. Apresentado pelo Brasil em 1998, o projeto foi colocado em votação pela primeira vez em 2001 e sofreu algumas derrotas desde então. Da última vez que foi a plenário, passou perto de conseguir os 75% de votos necessários para aprovação. Na ocasião, 40 países membros da comissão votaram a favor, 18 se opuseram e 2 se abstiveram – confira como votou cada nação.
Se for aprovado, o Santuário de Baleias do Atlântico Sul protegerá todas as baleias de passagem pelas águas desse oceano situadas abaixo da linha do Equador. Nesse caso, ele se juntará às outras duas iniciativas do gênero existentes: o Santuário do Índico, criado em 1979, e o do Oceano Antártico, de 1994. A iniciativa pretende incentivar a pesquisa, a observação e o uso sustentável desses mamíferos marinhos. O vídeo abaixo, produzido pelo Ministério do Meio Ambiente, dá mais detalhes sobre a proposta.
De acordo com Ugo Vercillo, do Ministério do Meio Ambiente, uma das principais espécies beneficiadas pela criação do santuário seria a baleia jubarte, que teve 95% de sua população reduzida até o fim do século passado. “A baleia franca, uma espécie costeira, também foi muito pescada. E o Atlântico Sul também é parte do roteiro de outras espécies migratórias que não são costeiras, como a baleia-fin e a baleia-sei”, acrescentou Vercillo, um biólogo de 36 anos natural de Brasília.
Estima-se que quase 3 milhões de baleias foram exterminadas no século XX, 71% das quais em mares do Hemisfério Sul. A pesca comercial de baleias foi proibida no papel em 1985, mas países como Japão, Noruega e Islândia continuam a matar os cetáceos sob pretexto de fazerem pesquisa científica. O número de baleias dizimadas desde o estabelecimento da moratória se conta na casa das dezenas de milhares, de acordo com estatísticas da comissão.
Para conseguir os votos necessários para a aprovação do santuário, o Brasil deposita suas fichas na articulação com o Gabão. A esperança é que esse aliado recém-cooptado para a causa do santuário ajude a conquistar o apoio de vizinhos como Benin, Camarões, Guiné ou Marrocos, que não apoiaram a proposta na última consulta. “São países francófonos, que têm relação forte com o Gabão pela língua e pela proximidade”, afirmou Vercillo. “Se conseguirmos convencê-los, isso muda o cenário.”
O biólogo explicou que alguns desses países votam com o Japão porque têm relações comerciais com a nação asiática, que estimula a atividade pesqueira na África. Em eleições passadas o Japão já foi acusado de comprar votos e recorrer a outros expedientes escusos para conquistar a adesão de algumas delegações.
O Brasil tem feito articulações diplomáticas na busca por votos. Em Honolulu, Vercillo também buscou adesões. Ao final de uma coletiva para a imprensa, o biólogo foi procurado por um ambientalista de Gana, país que votou contra a proposta em 2012. Vercillo consultou um documento em sua pasta e informou ao ambientalista o nome do representante do Ministério da Pesca que fala em nome do país africano na comissão. “Se conquistarmos esse voto seria ótimo”, comentou Vercillo depois que o interlocutor se afastou.
A próxima reunião da Comissão Internacional da Baleia começa em 20 de outubro em Portoroz, na Eslovênia.
O blog viajou a Honolulu com bolsa da Earth Journalism Network.