Em Gramado, cidade gaúcha que fez do chamado Natal Luz um de seus principais atrativos turísticos, a pandemia não tirou os ares natalinos das ruas. Mas deixou tudo mais vazio e triste. Em outros anos, nesta mesma época, a cidade estaria bem mais lotada de turistas. Este ano, os hotéis só funcionam com 60% da capacidade. O recepcionista Guilherme Prestes, de 29 anos, funcionário de uma rede hoteleira, trabalhou nos últimos oito natais na cidade. Em março, no início da pandemia no Brasil, foi demitido de um hotel prestes a ser inaugurado. E conta como tem sido equilibrar o trabalho com o medo da pandemia – e manter o mínimo de espírito natalino.
Em depoimento a Lianne Ceará.
Há oito anos estou aqui em Gramado e, desde 2012, eu nunca tinha visto esta cidade tão vazia no fim de ano. Vim para cá em busca de emprego, de possibilidades, porque na minha cidade natal, São Borja – com mais ou menos 60 mil habitantes, na fronteira com a Argentina – não havia muito projeto de futuro pra mim e para a minha esposa. Lá, a economia gira em torno do agronegócio: soja, milho, arroz… Por isso e pelo envolvimento da minha família com a área, sou tecnólogo em gestão do agronegócio. Mas, na verdade, exerci a carreira de militar. Depois de dois anos servindo como soldado, dei baixa na minha carteira, e decidimos, eu e ela, nos mudarmos para cá.
Meu primeiro emprego na cidade foi numa rede de hotéis, e todas as outras oportunidades que apareciam eram sempre voltadas para o turismo… restaurantes, hotéis, parques. Minha mulher, hoje em dia, também trabalha com turismo, como gestora de um hotel. A economia da cidade é voltada para isso, é o que faz a renda do município. Quando saí da rede de hotéis, trabalhei numa churrascaria fazendo o traslado de turistas dos hotéis para lá. No natal passado eu ainda estava lá, era uma movimentação enorme! Em questão de duas horas eu fazia de vinte a trinta viagens. Além da movimentação, tinha muita coisa que não tem com a pandemia, os shows do Natal Luz, alguns parques que hoje estão fechados… O restaurante estava sempre com 100% de lotação. Agora todos os restaurantes só podem funcionar com um limite certo de pessoas no ambiente.
No final do ano passado, foram ofertadas muitas vagas temporárias nos restaurantes e hotéis, assim como todo ano. 2020 também começou muito bom aqui pra cidade, muitos estabelecimentos estavam abrindo. Daí logo depois do fim do ano passado, eu saí da churrascaria e fui trabalhar em um desses hotéis que estavam abrindo. A equipe ainda estava em treinamento, o hotel ia abrir no dia 25 de março. A gente estava naquela expectativa toda. Mas março foi o mês que a pandemia estourou aqui, daí, no dia 19 de março, a Prefeitura da cidade baixou lá e pediu para suspender o treinamento, acabar com a inauguração, com tudo… Muitos estabelecimentos fecharam. A empresa preferiu demitir todos os funcionários porque ficou sem previsão de abertura. Em setembro, quando a pandemia deu uma trégua, eles recontrataram parte do time, mas eu não fui recontratado.
Agora, neste final de ano, a gente percebe a baixa dos turistas. E, claro, a diminuição que teve nas ofertas de vagas do mercado hoteleiro e gastronômico. Mas consegui garantir uma vaga temporária num hotel, por indicação de uma outra pessoa com quem eu já tinha trabalhado. Em anos anteriores, a rua que dava acesso à cidade de Gramado e essa da saída, que vai para Canela, não andava de carro. O engarrafamento era quilométrico, hoje você vê esse esvaziamento, as pessoas estão com medo, né? Apesar de ter gente, não chega a ser nem 20% do que era antes. No hotel, por exemplo, nesse período, com certeza estaríamos com 100% de lotação em um ano normal. Mas só podemos trabalhar com 60% agora, a fiscalização da vigilância sanitária é rigorosa.
Eu atribuo muita coisa da minha vida a Gramado, foi aqui que eu consegui estabilidade financeira, hoje em dia tenho casa e carro. Essa cidade me acolheu, mudei minha vida do dia pra noite, conquistei muita coisa. A gente que trabalha com turismo sente falta de ter esse contato mais próximo com as pessoas, de conversar, de levar a bagagem, de apresentar as áreas do hotel, o quarto… A pandemia nos tirou isso, mas espero que o mundo, Gramado, o Natal, tudo volte a ser o que era antes.