A maldição do documentário é ser considerado um meio de transmissão neutro. Deixando de lado a forma narrativa, costuma-se escamotear algo essencial – o uso da linguagem que dá tratamento cinematográfico ao assunto. Dessa maneira, documentários acabam sendo usados como mero pretexto para falar de algo que independe deles.
No caso de “Quebrando o tabu”, dirigido por Fernando Grostein Andrade, a relevância do assunto – a descriminalização do consumo de drogas – é comprometida por recorrer à forma e às figuras de linguagem mais surradas do cinema de propaganda.
Depoimentos de celebridades – políticos, escritores e atores, legendas informativas, grafismos etc. estão a serviço da demonstração de uma tese, sem atentar para o poder de manipulação do cinema que permitiria provar sem dificuldade o oposto, bastando para isso fazer pequenas alterações e reordenar certos elementos.
Combinando o que há de pior no cinema didático e publicitário, “Quebrando o tabu” quer ensinar e persuadir. Desmerece, dessa maneira, a inteligência de quem for a favor da descriminalização – a quem pouco tem a dizer. E deve aborrecer quem for contra – a quem não convencerá de nada. Fica longe, assim, de lidar com o potencial de um verdadeiro documentário.
Na crítica publicada no “Globo” (6/6/2011), André Miranda é certeiro: “Vende-se uma postura mais liberal como quem vende margarina. E se comete, assim, alguns dos erros que ‘Quebrando o tabu’ tanto critica nas campanhas antidrogas.”
Mesmo admitindo a sinceridade de Fernando Henrique Cardoso quando diz que “errou” e reviu sua posição a respeito do combate às drogas e da descriminalização, “Quebrando o tabu” falha por não fazer do périplo do ex-presidente o registro de um processo de descoberta e mudança. Pouco à vontade no papel de mestre de cerimônia, chega a ser desconcertante a impressão, talvez equivocada, de que FHC, sendo quem é, está entrando em contato com certas situações pela primeira vez.
Mal concebido e realizado, “Quebrando o tabu” acaba prestando desserviço à causa que defende.