Com terços nas mãos, oitenta devotos foram protestar na última terça-feira à noite diante da Diocese de Santo Amaro, na Zona Sul de São Paulo. Ali reside o bispo dom José Negri, responsável pelas 110 igrejas de uma região que totaliza 3,5 milhões de habitantes. Os fiéis traziam cartazes e faixas com dizeres como “Deus é a verdade e não há nele injustiças”, de Deuteronômio 32:4, e #DEIXAOPADREMARCOSFICAR. O padre, no caso, é Marcos de Miranda, um dos religiosos mais populares da capital paulista. Há uma década, ele responde pela paróquia de Santa Terezinha do Menino Jesus, no bairro de Pedreiras, onde celebra missas que são transmitidas por seu canal no YouTube. Tem 43 anos, gosta de cantar durante as cerimônias, agrega 21,8 mil seguidores no Instagram e participa de programas da TV Evangelizar, que pertence a uma associação mantida por Reginaldo Manzotti, o padre-celebridade de Curitiba.
O protesto foi marcado pela internet depois de o bispo Negri afastar o padre Miranda de suas atividades religiosas. Diz o comunicado episcopal: “A Diocese de Santo Amaro, tendo o compromisso de obediência às normativas promulgadas pelo (…) papa Francisco em 4 de junho de 2016 (…), determina que o padre Marcos de Miranda fique afastado temporariamente de suas funções ministeriais para que o Tribunal Eclesiástico (…) averigue os fundamentos de uma denúncia formalizada contra ele.” O texto, divulgado nas redes sociais da diocese, não informa a natureza da acusação.
A Igreja Católica começou a investigar o padre em agosto de 2020, quando uma mulher, de iniciais R.S., protocolou uma denúncia no Tribunal Eclesiástico. Ela contou que seu filho, nascido em janeiro de 2019, é fruto de um relacionamento com o sacerdote. Dom Negri logo instaurou uma investigação. Na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), ele dirige uma comissão que apura abusos cometidos contra crianças e adolescentes no meio eclesiástico. Em 2020, numa entrevista, dom Negri disse adotar “tolerância zero” em relação a desvios de conduta. No mês passado, antes de afastar o padre Miranda, o bispo lhe pediu para fazer um exame de DNA que confirmasse ou não a paternidade.
No mesmo dia do protesto em frente à diocese, dom Negri reforçou o pedido em nova carta enviada ao sacerdote investigado. O padre compareceu ao Tribunal Eclesiástico na tarde daquela terça-feira, mas não levou nenhum exame. Ele apresentou apenas uma cópia da certidão de nascimento do menino. O documento cita outro homem como pai da criança. A diocese manteve, assim, a decisão de afastar o pároco e encaminhou o caso para o Vaticano, que dará continuidade à apuração
Depois dos protestos, por volta das 20 horas, a piauí visitou o Santuário Mãe da Misericórdia, na Capela do Socorro, também na Zona Sul paulistana. Ali, o padre Miranda celebrou sua última missa antes de entregar a batina. Cerca de trezentos fiéis lotaram o barracão com teto de zinco. Antes da cerimônia, o sacerdote recebeu a reportagem ao ar livre, perto da entrada que levava até o palco. Bastante emocionado, negou ter quebrado o celibato e explicou que a Igreja não o autorizara a conceder entrevistas. Indagado se pretendia mover alguma ação contra a denunciante, o padre disse que não.
“Ele é respeitado por todos. Não faz sentido essa acusação”, afirma Sonia Hansen, líder do santuário e do Instituto Amigos da Fé, organização assistencial que o sacerdote preside. Ela lembra que, desde o início da pandemia, o pároco arrecada e distribui mil cestas básicas por mês para comunidades carentes. O padre também está construindo um santuário onde hoje fica a paróquia de Santa Terezinha.
Quando subiu no púlpito, o sacerdote mencionou a investigação. “Recebi um dispositivo canônico de afastamento para um período investigativo. Quanto dura? Não sei. Neste momento, essa não é nossa preocupação.” O padre aproveitou para informar que seguirá à frente do Instituto Amigos da Fé. A entidade acolhe crianças em situação de vulnerabilidade. Os fiéis o aplaudiram e gritaram palavras de ordem, pedindo para o bispo não afastar o subordinado.
Em carta endereçada ao conselho do Tribunal Eclesiástico, dom Negri elencou as razões do afastamento. A principal: “prevenir escândalos durante a investigação prévia atualmente em curso nesta diocese.” Como gerar filho com uma mulher adulta não implica nenhuma ilegalidade fora da Igreja, o bispo não precisa comunicar o caso à Justiça comum. Procurado pela piauí, dom Negri não respondeu às solicitações de entrevista.
Integrante da Renovação Carismática Católica, movimento de viés conservador que reúne vários padres-cantores, como Marcelo Rossi e o próprio Reginaldo Manzotti, o pároco de Santa Terezinha terá de deixar a residência eclesiástica onde vive e devolverá à diocese o carro com o qual circula, uma S10 cabine dupla, de 2018. Ele continuará recebendo seu salário (ou côngrua, segundo o vocabulário da Igreja) até a conclusão das apurações.
Enquanto os devotos se manifestavam na terça-feira, o bispo pediu a presença de uma viatura da PM com receio de sofrer ataques. No entanto, tudo correu de forma pacífica. Para Maria do Socorro dos Santos, líder da Pastoral da Pessoa Idosa e vizinha da paróquia onde o sacerdote atuava, ele não deveria deixar o cargo: “O padre faz um trabalho social lindo. Merece todo nosso apoio, ainda que a gente respeite o bispo.”