Quando completar dois anos e meio de mandato, o presidente Jair Bolsonaro poderá anunciar que cumpriu uma meta anunciada num jantar no mês de março de 2019, em Washington: “Nós temos é que desconstruir muita coisa (no Brasil), antes de começar a construir.” Os números mostram que ele vem conseguindo. O Brasil encolhe em PIB, renda per capita, nível educacional, saúde infantil e expectativa de vida.
A sexta economia do mundo medida por tamanho de PIB, posto conquistado em 2011, acima do Reino Unido, despencou para o 12º lugar, superada por França, Itália, Índia, Canadá, Coreia do Sul e Rússia. Em 2021, segundo previsão de economistas, deve cair para 14º lugar. Em renda per capita, o Brasil caiu no ano passado para a 85ª posição no mundo, com 14.918 dólares, no conceito por paridade de compra. Chegou a ficar na 76ª posição em 2014, com renda per capita de 15.800 dólares.
Em vez de figurar entre as dez maiores economias do mundo, o Brasil agora precisa se preocupar com a chegada dos asiáticos e latino-americanos.
Panamá, Chile, Costa Rica, República Dominicana, Uruguai e Argentina têm renda per capita maior que o Brasil. A Colômbia, se mantiver o ritmo de crescimento recente, deve nos ultrapassar nos próximos anos. Malásia, China, Tailândia e Taiwan já superaram o Brasil em renda per capita. Indonésia e Vietnã vêm aumentando ano a ano a parcela do produto nacional em mãos da população. A Índia, com seu mais de bilhão de seres humanos, cresce continuamente em termos per capita, enquanto o Brasil vem aos solavancos em torno da linha dos 15 mil dólares há uma década.
O Vietnã, por exemplo, que viveu três décadas de guerras devastadoras, ultrapassou nosso país em exportações. Em 2019, faturou 264 bilhões de dólares em mercadorias que mandou para o exterior.
O gigante de 8,5 milhões de km2, superfície 25 vezes maior que o país do sudeste asiático e sem guerras em seu território há mais de um século, ficou em 225 bilhões de dólares.
A qualidade das exportações brasileiras piorou. Cada vez mandamos pra fora mais produtos primários e menos manufaturados. A proporção em 2000, que era de 75 para 23 (manufaturados e semimanufaturados contra básicos), foi para 43 a 57 a favor dos básicos. A cada ano, o país precisa extrair tonelagem maior de produtos agropecuários e de minérios para receber menos dinheiro por isso. Não é de surpreender o aumento da devastação.
Nos últimos dois anos, a Floresta Amazônica diminuiu 10,6mil km2 por ano, área maior do que sete cidades de São Paulo. E o governo propõe reduzir o desmatamento para uma média do período entre 2016 e 2020 – 8.719 km2. Mas isso ainda é 22% superior ao desmatamento médio nos quatro anos anteriores à posse de Bolsonaro (7.146 km2 entre 2015 e 2018).
Sem contar o avanço do agronegócio em outros ecossistemas.
Em tonelagem, o Brasil exportou 192 milhões de produtos básicos em 2000. Em 2019, 569 milhões desses mesmos produtos. Quase triplicou o volume e recebeu 2,4 vezes o valor de antes, sem descontarmos inflação.
Com a mecanização da agricultura e da exploração de minério, os empregos industriais encolhem. O desemprego mais a subutilização da mão de obra, no último trimestre, medido pela PNAD contínua (novembro, dezembro e janeiro), atingem assustadores 43% da população. A desocupação vem aumentando desde 2015, quando foi de 8,5%. Nos anos seguintes escalou para 11,5%; 12,7%; 12,2%; 11,8%. Subiu pouco em 2020, para 13,5%.
A subutilização da mão de obra subiu de 23,2% para 29%, e o número de brasileiros desocupados chegou a 14,3 milhões – alta de quase 20% em relação ao mesmo período de 2020. A massa salarial caiu 6,9% na mesma comparação, trimestre contra trimestre. O percentual de domicílios sem renda do trabalho ficou em 29%, praticamente um terço do país.
A desigualdade no país medida pelo índice Gini, que já era uma das dez maiores do mundo, deve aumentar. Os efeitos da pandemia em todos os países têm sido de expandir o número de miseráveis e concentrar ainda mais a riqueza.
Em vez de encarar o problema, o governo prefere brigar com os números, como fez com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em 2019. Critica e fragiliza o IBGE, inviabiliza pesquisas e o próprio Censo. Com os seguidos ataques aos fatos e aos jornalistas, conduziu o país a descer do 107º lugar na classificação de liberdade de imprensa feita pelo Repórteres sem Fronteiras para o 111º.
A educação no país também encolhe. Nos dois primeiros anos de Bolsonaro, os investimentos do MEC caíram 47% em relação aos anos de 2015 e 2016 e atingiram seu menor nível histórico, 3,3 bilhões de reais. Com a pandemia, o tempo médio de escola do grupo de alunos de 6 a 15 anos em setembro do ano passado foi de 2h22m por dia, muito inferior ao mínimo estabelecido pela Lei de Diretrizes Básicas da Educação (4h), segundo dados calculados com base nos microdados da PNAD Covid por Marcelo Neri e Manuel Osorio, da FGV Social. Os grupos com menos horas de escolaridade são os mais pobres e que moram em lugares mais distantes. A falta de atividade dos alunos aconteceu porque eles não receberam material dos gestores educacionais (12% dos casos). No Pará, o não envio chegou a 38,9%.
Com o descontrole da pandemia, o brasileiro perdeu também esperança de vida em 2020. Dois anos, segundo a demógrafa Marcia Castro, professora de Harvard; 2,2 anos segundo Ana Amélia Camarano, do IPEA. O brasileiro, que viveria em média 77 anos, agora tem uma esperança de 75, nas contas da pesquisadora de Harvard. Em alguns estados, ainda menos. Com as perdas de vidas em 2021, a expectativa de vida dos brasileiros deve encolher ainda mais.
Em abril de 2021, o país passou a ter o maior coeficiente (óbitos relativos à população) de mortalidade da América Latina por causa da Covid. Na região Sul, no mês de março, houve mais mortes que nascimentos; o mesmo aconteceu no Sudeste nos primeiros 20 dias de abril. Em 2021, o país poderá ter um encolhimento populacional – algo jamais visto na história do Brasil.
A projeção do IBGE era de que o número de óbitos só superaria o de nascimentos em 2047. Mas as mortes por Covid, somadas ao adiamento da decisão de casais de terem filhos por causa do caos hospitalar, à queda do número de casamentos, ao aumento das separações, podem gerar queda populacional, segundo José Eustáquio Alves, doutor em demografia e professor titular da Escola Nacional de Estatística do IBGE até 2019.
Não só a pandemia vem afetando a saúde dos brasileiros. Os cuidados básicos com as crianças dão sinais preocupantes. O país teve a pior cobertura de vacinação desde 2013. O percentual de bebês que recebeu a BCG foi de 85,1%, e de 82,6% o que foi vacinado contra a poliomielite, projetando uma juventude menos saudável mais adiante.
As mortes violentas voltaram a aumentar entre os jovens entre 2019 e 2020, de 41.730 para 43.892. O país está entre os mais violentos do mundo, com taxa de homicídios cinco vezes superior à média mundial e dez vezes a média europeia.
Todos esses fatores somados devem rebaixar o Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano, que leva em conta justamente fatores como renda, expectativa de vida e educação. O país já tinha perdido posições entre 2015 e 2019. No relatório divulgado em 2020, que se baseia em números referentes a 2019, a China, com 6,5 vezes a população brasileira, aparece praticamente empatada com nosso país, na 84/85ª colocação. Mas acelerando.
Os números de 2020 estarão no relatório de 2021. Vão mostrar que a economia do Brasil encolheu 4,1%. Já a chinesa cresceu 2,3%. Expectativa de vida e educação certamente aumentarão, já que a China controlou a pandemia e o Brasil não. Os chineses vão crescer no IDH, e nosso país vai encolher mais neste índice.
Brasileiros residentes em Portugal chegam hoje ao número recorde de 151 mil. É como se o país voltasse ao tempo dos primeiros povoamentos, quando até os papagaios sabiam que os fidalgos só pensavam em retornar à terrinha. “Papagaio real para Portugal”, repetiam as aves, como registra o primeiro historiador do país, Frei Vicente do Salvador.