Durante a disputa entre o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e o empresário Elon Musk, dono do X, em abril, o Netlab – Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) –, fez durante dois dias a análise de 90 mil publicações em português e inglês postadas no ex-Twitter. O laboratório concluiu que cerca de 40% das publicações tinham sido enviadas por contas falsas, ou seja, foram postadas por robôs. Dentre as postagens que apoiavam Musk, 48% vinham de contas inautênticas; no caso dos apoiadores de Moraes, 36% eram robôs. “O Elon Musk estava totalmente anabolizado por bots nessa disputa”, diz a pesquisadora Rose Marie Santini, diretora do NetLab, a Bernardo Esteves, na edição deste mês da piauí. O termo bot é a abreviação de robô em inglês.
No dia em que o relatório foi divulgado, o empresário bolsonarista Leandro Ruschel criticou em sua newsletter a atuação do Netlab, dizendo que ilustrava como funciona “o complexo da censura no Brasil”. No site do laboratório, Ruschel verificou que o Netlab tinha uma parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (então presidido por Alexandre de Moraes), que era apoiado pelo governo federal e financiado, nas suas palavras, “pelas fundações de extrema esquerda globalistas, como a Open Society de George Soros”. Para ele, isso é prova de que o Netlab “não passa de um aparelho de extrema esquerda”.
Em maio, o NetLab divulgou um estudo sobre a onda de desinformação que vinha circulando nas redes sociais depois das enchentes no Rio Grande do Sul. Os pesquisadores constataram que, no auge da tragédia, circularam postagens contestando a associação entre o aquecimento global e as chuvas, e até negando a própria crise climática. Mas o principal achado era de natureza política: o grupo identificou que influenciadores, sites e políticos de extrema direita estavam utilizando a comoção gerada para se autopromover e espalhar desinformação, com o intuito de atacar e descredibilizar o governo. Entre os mais ativos na mentira, estava Pablo Marçal, do PRTB, que acusou falsamente a Polícia Rodoviária Federal de impedir que doações do Brasil todo chegassem aos gaúchos.
As investidas contra o laboratório então ganharam escala. No dia 22 de maio, o deputado Marcel van Hattem (Novo/RS) publicou um artigo no jornal Gazeta do Povo: chamando o estudo de “aberração”. Ao pesquisar as fontes de financiamento do NetLab, Van Hattem descobriu que havia bolsistas do NetLab pagos com recursos do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), vinculado ao Ministério da Justiça.
Na semana seguinte, o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), outro bolsonarista, enviou um requerimento de informações ao Ministério da Justiça e Segurança Pública para questionar o uso de recursos do FDD para financiar os estudos do NetLab. Seguiu-se uma enxurrada de requerimentos parecidos. Houve ofícios enviados ao Ministério da Educação, ao Ministério das Mulheres, que também financia um projeto do laboratório, e ao próprio NetLab, via Controladoria-Geral da União (CGU).
A repercussão da ofensiva dos extremistas ajudou a fermentar a tese de que governo e pesquisadores estão unidos no que os seguidores de Donald Trump chamam de “complexo industrial da censura”, cujo objetivo seria solapar a liberdade de expressão. A cientista Kate Starbird matou a charada num editorial na revista Science, assinado também pelo jurista Ryan Calo: os direitistas alegam que os estudiosos da desinformação estão tentando silenciá-los, mas as evidências indicam exatamente o oposto. O que está em perigo não é a liberdade de expressão, mas a liberdade acadêmica.
Assinantes da revista podem ler a íntegra da reportagem neste link.