Sejamos claros: Redemoinho é um excelente filme. Reparos sempre podem ser feitos, mas ao menos de minha parte não lembro de outro título de ficção do cinema brasileiro recente que tenha tamanha qualidade.
Na verdade, não há novidade em proclamar agora a excelência do filme dirigido por José Luiz Villamarim a partir do roteiro de George Moura, inspirado no romance O Mundo Inimigo – Inferno Provisório Vol. II, de Luiz Ruffato. Embora com menos ênfase, Redemoinho teve boa acolhida desde que estreou no Festival do Rio de 2016, ocasião em que recebeu o Prêmio Especial do Júri, além do prêmio de Melhor Ator, conferido a Júlio Andrade. De lá para cá, de forma geral o filme foi elogiado pela crítica, com algumas ressalvas pontuais que empalidecem diante de suas virtudes.
Um dos grandes méritos de Redemoinho, se não o principal, é ter a coragem de ir contracorrente das tendências dominantes do cinema brasileiro atual. No filme de Villamarim, há um raro “cuidado da forma”, como Mário de Andrade escreveu a propósito da literatura brasileira do final da década de 1930 – um “cuidado da forma” que o diferencia das receitas usuais, seguidas de maneira geral para fazer filmes no Brasil hoje em dia, que misturam ainda “algumas concessõezinhas ao público, v.g. demagogia, repetição de processos bem sucedidos antes, elogio mútuo nos jornais e alguns eloquentes malabarismos sentimentais”, tornando “fácil a celebridade em vida e a esperança das estátuas além da morte” (as citações acima são de A raposa e o tostão, crônica de Mário de Andrade publicada em 27/8/1939, e incluída em O empalhador de passarinho).
Os personagens e a atmosfera carregada de Redemoinho parecem provir dos famosos versos “No gosto da cobiça e na rudeza/Duma austera, apagada e vil tristeza”. São pessoas comuns, operários e suas famílias, marcadas pela violência invisível do cotidiano. É um povo sem alegria, vivendo em um mundo ensurdecedor trespassado pelo trem.
Outros destaques em Redemoinho são a encenação e os planos austeros, mas sempre expressivos, resultantes de contribuições harmoniosas da direção (Villamarim), fotografia e câmera (Walter Carvalho), e direção de arte (Marcos Pedroso). Cada imagem do filme tem poderoso apelo visual e função narrativa precisa, graças à maneira como a ação é coreografada e filmada, sem deixar nada ao acaso.
Restaria mencionar outras contribuições, em especial a do notável elenco. Fiquemos, porém, por aqui.
Só pude assistir a Redemoinho 17 dias após sua estreia no Rio e em outras 11 capitais, em 9 de fevereiro, quando chegou a ocupar ao todo 30 salas – lançamento digno mas cuja dimensão dá o que pensar por ser inusual para filmes brasileiros dramáticos. Terá resultado de auto-engano, de influência da Globo Filmes, co-produtora de Redemoinho, de tática suicida adotada pelos produtores e pelo distribuidor, ou de doses variadas de esses fatores?
Passado o carnaval, no primeiro sábado, com os festejos ainda a pleno vapor nas ruas da cidade, a sessão em que assisti a Redemoinho estava praticamente lotada – duas poltronas não foram ocupadas na sala de 33 lugares. Na terceira semana de exibição no Rio, o filme estava reduzido a uma única sessão por dia, naquele mesmo micro espaço (além de outra sessão diária em Niterói). Na semana seguinte, encerrada ontem (8/3/2017), o circuito no Rio foi reduzido a duas salas, cada uma com uma sessão diária.
De fato, em três semanas apenas 10.083 ingressos foram vendidos. Na primeira, o filme teve 4.691 espectadores em 30 salas, com a média de 156 por sala; no fim da segunda semana, exibido ainda em 28 salas, o público chegou a 8.534, média de 137 pessoas por sala; e, na terceira semana, estava reduzido a 5 salas, média de 310 pessoas por sala.
Diante desse resultado, só nos restará concluir que fora da comédia não há salvação?
Não convém responsabilizar o espectador pelo fracasso comercial de um filme. Essa antiga tradição do cinema brasileiro não passa de uma maneira simplória de elidir o frequente descompasso que há entre filmes e mercado consumidor.
O que talvez se possa dizer é que Redemoinho demonstra, mais uma vez, que o público rejeita a imagem refletida da sua “rudeza/Duma austera, apagada e vil tristeza” projetada na tela. E o Cineasta, como o Poeta, tende a se sentir destemperado e enrouquecido, “não do canto” em si, mas por “cantar a gente surda e endurecida”.