Vem da Finlândia uma novidade que promete facilitar a vida de pesquisadores, revisores e editores de revistas científicas. O recém-criado Peerage of Science (algo como Confraria da Ciência) é uma plataforma para o envio de artigos que oferece uma alternativa interessante à revisão por pares, como é chamado o modelo tradicional de avaliação dos trabalhos científicos.
Criado por três pesquisadores da Universidade de Jyväskylä e da Universidade do Leste da Finlândia, o Peerage of Science propõe um modelo de avaliação dos artigos que diminui o tempo e os custos envolvidos no processo. A lentidão e os custos do processo são objetos de críticas ao sistema de revisão por pares, amplamente adotado pelas revistas científicas (as críticas já foram tema de posts no blog em julho e dezembro de 2011).
Uma novidade do modelo finlandês consiste na criação de um banco comum de revisores que pode servir a vários periódicos. Um artigo enviado ao Peerage of Science é analisado uma única vez, por pelo menos dois cientistas, e aquela avaliação pode ser levada em conta por todas as revistas que integram a plataforma. Essa medida poupa tempo a todas as partes envolvidas no processo de publicação: no sistema convencional, a cada vez que um artigo é recusado, precisa passar por um novo processo de revisão, num esforço redundante e desnecessário.
O novo modelo ataca também outro flanco muito criticado no sistema convencional de revisão por pares: o fato de o trabalho dos revisores não ser remunerado. O Peerage of Science não oferece pagamento aos avaliadores, mas atribui valor ao seu trabalho num sistema de créditos válidos no sistema – eles também são necessários para o envio de artigos e outras ações.
O funcionamento da plataforma é simples: quando um grupo envia um artigo, especialistas naquela área que sejam usuários do sistema são notificados e podem se voluntariar para rever o artigo. Uma vez feita a avaliação, caso seja recomendada a publicação, os periódicos cadastrados no serviço têm a opção de fazer aos autores uma oferta de publicação, que eles podem ou não aceitar.
O sistema é engenhoso, mas seu bom funcionamento depende de massa crítica – se não houver um número razoável de revisores e periódicos participando, a avaliação pode continuar tão lenta quanto no sistema convencional. No fim de janeiro, o Peerage of Science já contava com mais de 500 colaboradores cadastrados, vindos de trinta países. Ainda não há pesquisadores brasileiros – o Chile é o único país latino-americano representado. Há dois jeitos de participar do Peerage of Science: recebendo um convite de um membro cadastrado ou submetendo um artigo para revisão.
Um único periódico está cadastrado por enquanto – a revista . Mas a expectativa dos criadores do serviço é que a lista aumente com o tempo, assim como o espectro temático coberto pela plataforma, que hoje se restringe à ecologia.
Apesar do início modesto, a novidade foi recebida com otimismo. Duas publicações respeitadas – Nature e The Scientist – não hesitaram em usar a palavra “revolução” (ainda que com interrogação) no título dos textos que publicaram na internet apresentando a nova plataforma.
O que o Peerage of Science propõe não é uma ruptura radical com o modelo atual. A nova plataforma não abole o anonimato na avaliação e nem instaura um modelo de revisão pós-publicação, para citar duas alternativas mais extremas às vezes citadas como solução pelos críticos da revisão por pares. Talvez por isso mesmo o site finlandês tenha a chance de conquistar a adesão dos cientistas e começar a mudar a forma como se controla hoje a qualidade da ciência.
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Duas boas recomendações de leitura para quem se interessa pelo assunto. Na semana passada, o biólogo Stephen Curry, do Imperial College, publicou um post que repercutiu bastante na web, explicando por que recusou o convite da Elsevier, maior editora de ciência do mundo, para fazer a revisão de um artigo. Seu relato ajuda a entender os dilemas atuais enfrentados no mundo da publicação científica.
Da mesma forma, uma reportagem recente de Thomas Lin no New York Times discute os questionamentos feitos à revisão por pares e aborda outros temas que já foram objeto de posts neste blog, como o movimento pela ciência aberta, as redes sociais de ciência e outras tendências do movimento que ele chama de ciência 2.0
(foto: Bethany Carlson)
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