Antes que o Flamengo comece a flertar com a segundona, com seríssimas intenções de casar com ela, deixa eu levantar uma tese que defendo há tempos. (Se fizesse isso lá pela décima rodada do segundo turno, certamente seria acusado de escrever em causa própria.)
Sempre desconfiei de que algo estava errado nessa história de rebaixamento. A desconfiança virou convicção em 2008, quando tivemos a honra de contar com o Ipatinga na primeira divisão do Campeonato Brasileiro, enquanto o Corinthians já ensaiava na série B o bom futebol que apareceria no primeiro semestre de 2009. Eu ficava imaginando que diabos o futebol brasileiro ganhava com o Ipatinga na primeira e o Corinthians na segunda, e calculava o quanto de dinheiro nossos perdulários clubes perdiam por conta desse suposto critério de esportividade. Em 2009 tivemos o Vasco na segunda e o Grêmio Barueri na primeira – o mesmo Grêmio Barueri que em 2010 mudou de nome e de cidade, para logo depois retornar a Barueri e ao nome original. Agora em 2013, é verdade que não há nenhuma dessas aberrações na série A, mas não temos o Palmeiras. Como nada disso pra mim faz sentido, passei a juntar em minha cabeça alguns argumentos contra o rebaixamento, pelo menos do jeito que ele é feito hoje.
Pra começar, acho que a possibilidade de um time cair – que sempre vai existir em um campeonato equilibrado como o nosso – pode afastar patrocinadores mais diligentes, porque é preciso muita disposição para pôr um caminhão de dinheiro nesse negócio totalmente imprevisível. Quem não lembra do “melhor ataque do mundo”, formado por Edmundo, Romário e Sávio? Era para ganhar tudo, não ganhou nada. Futebol é assim, e colocar dinheiro em futebol será sempre um risco. Aí você investe pesado num time, as coisas dentro de campo dão errado e lá vai toda a sua grana para a segundona. Não sei se os patrocinadores pensam nisso, mas deveriam.
Ah, mas a não existência do rebaixamento é totalmente antiesportiva. Pode ser, não sei. Mas sei que uma das competições mais badaladas do esporte mundial, a NBA, não tem rebaixamento. Pelo contrário: em vez de mandar os últimos colocados para uma divisão abaixo, os caras que cuidam da NBA procuram reforçá-los para o próximo ano.
Pela lógica, as duas questões seguintes são:
1) Mas que critério adotar para escolher os vinte clubes?
2) O que fazer com os demais?
As respostas são simples, e cabem na mesma palavra: ranking. Não estamos acostumados com rankings e preferimos desprezá-los, mas eles existem no futebol. A FIFA tem um critério lá dela para rankear as seleções mundiais, e assim estabelecer quem é ou deixa de ser cabeça de chave nas Copas do Mundo. Na Champions League, os espanhóis têm direito a quatro vagas, os franceses a três e os ucranianosa duas,por causa de um ranking criado pela UEFA. Também poderíamos criar o nosso ranking para definir os vinte clubes – ou até menos, o que seria melhor ainda. A partir daí haveria subida e descida, mas só quando acontecesse alguma mudança no ranking, e não em uma temporada. É assim que os espanhóis, franceses e ucranianos veem aumentar ou diminuir o número de vagas a que têm direito na Champions League.
Acho um crime castigar qualquer um dos nossos grandes e históricos clubes, jogando-o para a segunda divisão só por causa de um mau ano. Agora: se esse mesmo clube tiver duas, três, quatro temporadas ruins, ele certamente cairá no ranking e, aí sim, segunda divisão nele.
Outra vantagem do ranking é que ele desestimularia aventuras políticas ou financeiras que a gente cansa de ver nas divisões inferiores. Em 2009, no jogo em que o Guarani garantiu seu retorno à primeira divisão, o técnico Vadão foi entrevistado logo após a partida. Perguntado sobre os planos para o ano seguinte, Vadão disse que não tinha a menor ideia de nada e que não sabia com quais jogadores poderia contar, já que nenhum deles pertencia ao clube. O Guarani servia apenas de fachada para um grupo de empresários. Isso não é um time de futebol: é um balcão de negócios. Com o critério do ranking, só subiriam para a primeira divisão clubes que trabalhassem com seriedade durante uns bons anos, o que inibiria a atuação de prefeitos ávidos por votos e de investidores interessados apenas em lucros imediatos.
Quando ainda era presidente do Corinthians, Andrés Sanchez declarou numa entrevista que a dívida do clube rondava os 100 milhões de reais. E completou: se a torcida corintiana se resignasse a ter um time mediano e que apenas lutasse para não cair, ele pagava a dívida em menos de doze meses. Pois então: não estaria aí uma razoável solução para os nossos clubes se ajustarem financeiramente? Sem o risco do rebaixamento imediato, eles teriam tranquilidade para promover jogadores das divisões de base – mesmo que passassem um ou dois anos só tomando sacode – e depois voltariam mais fortes e independentes, sem precisar pedir esmolas a empresários para montar seus times e sem dever nada a ninguém.
Seria um jeito de começar de novo e, quem sabe?, agora fazer direito.